O Distanciamento Entre a Historiografia e A Teoria Arqueológica: Evidências e Perspectivas

  RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo evidenciar o distanciamento entre a historiografia e a teoria arqueológica, analisando os fatores responsáveis por esse processo, bem a comparação do desenvolvimento das duas disciplinas envolvidas: História e
Arqueologia. Atualmente não encontramos na historiografia tampouco na biografia referente à Arqueologia apontamentos que levem a compreensão desse processo e suas conseqüências no contexto acadêmico.

Palavras Chaves: Arqueologia – História – Historiografia - Teoria Arqueológica.

ABSTRACT

This paper aims to highlight the detachment between historiography and archaeological theory, analyzing the factors responsible for this process and comparing the development of two disciplines involved: History and Archaeology. Currently, we do not find in historiography, either in the literature on the Archaeology, notes that lead to understanding this process and its consequences in academic context.

Keywords: Archaeology – History – historiography - archaeological theory.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7
CAPÍTULO I – O Sentido da Arqueologia 14
CAPÍTULO II – O Caso Brasileiro 27
CAPÍTULO III – O Historiador - Arqueólogo 38
CONCLUSÃO 49
REFERÊNCIAS 54

INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão do curso de Bacharelado em História da Universidade Luterana do Brasil, sob orientação da Profª Dra. Gislene Monticelli, tem como principal objetivo propor uma reflexão a respeito das interpretações sobre Arqueologia, principalmente sobre seu corpo teórico e seu distanciamento da historiografia no decorrer do desenvolvimento da disciplina.

No período de formação acadêmica em história, em meio a tantos temas e questionamentos sobre o pensamento histórico, busca-se achar as lacunas na historiografia, ou então discutir novas alternativas de compreensão da História.  Essas lacunas por muitas vezes não são vistas em função da influência dos autores escolhidos como fonte única do conhecimento, e porque não dizer, do eurocentrismo presente até os dias de hoje nas academias.

Ousar, criar e discutir por muitas vezes não é bem visto. A sugestão é seguir o ritmo da academia, ou seja, submeter-se a uma lógica que empobrece e desmembra futuros historiadores do hall da fama dos talentosos. Não que as inovações não aconteçam, mas é que são raras, tendo em vista as produções existentes e o continuísmo daqueles que ditam os passos da academia.

Nesse sentido, a intenção desse trabalho é, acima de tudo, discutir um tema que gira na esfera tanto da História quanto da Arqueologia e, a partir disso, criar algo híbrido, como na verdade tornou-se o tema em questão. É bem verdade que escolher tal tema para um trabalho de conclusão implica riscos, principalmente de fracasso iminente, tendo em vista a lógica da academia, carente de trabalhos sobre teoria e que privilegia o feijão com arroz, tradicional e sem outros temperos, o que no caso da escolha da Arqueologia condenaria este trabalho a apenas a relatar avanços metodológicos e não teóricos.

As escolhas da academia serão mencionadas neste trabalho de forma critica, com a proposta de refletir sobre um processo velado, situado na ponte entre o pensamento histórico e arqueológico, parafraseando as opiniões de alguns autores, principalmente brasileiros, que embora sejam nitidamente influenciados por escolas teóricas da Europa e Estados Unidos, constroem a teoria arqueológica no País com bastante dificuldade e com um anacronismo de no mínimo duas décadas.

É preciso explicar a utilização do termo academicismo, que na verdade foi uma expressão institucionalizada durante o século XIX no Brasil, baseada nos princípios das academias de arte européia. Mais tarde, transformou-se em movimento filosófico e também em ato político, como fomentador e criador de símbolos da identidade nacional, tornando o seu tempo de vigor como um dos mais ricos, complexos, movimentados e interessantes da história brasileira, sendo utilizado também como referencial de tudo utilizado na academia (FABRIS, 1996).

Explicações à parte, a visão apresentado no primeiro capítulo, intitulado o Sentido da Arqueologia, foi, especificamente, construída através das compilações derivadas dos pensamentos surgidos no decorrer da licenciatura em História somados às reflexões do período de pesquisas realizado durante o bacharelado, esse focado na Arqueologia, buscando interligar e comparar a teoria das duas áreas e os fatores que alicerçaram ambas no decorrer de suas trajetórias.

Após passar pelo Estágio em Arqueologia durante a licenciatura, disciplina que visa introduzir teoria e prática arqueológica no contexto acadêmico dos licenciados, sendo uma das últimas do currículo, observou-se que a grande maioria dos formandos buscava incessantemente temas relacionados a questões metodológicas como escavação, pesquisa de cultura material ou então a importância de artefatos encontrados para a produção de seus relatórios finais, com exceção de dois temas.

É fato que o interesse na disciplina por parte dos educandos foi permeado por temas dessa ordem, focados exclusivamente na produção metodológica e na interpretação de artefatos arqueológicos, não que esses trabalhos não possuíam teoria, mas aqueles que os produziram não as identificaram. Com isso, apenas uma minoria de educandos fez questionamentos relacionados às escolas teóricas assim como suas ligações com a História. Nesse sentido, percebeu-se que o questionamento existente era focado na teoria historiográfica, não havendo conhecimento de uma possível lacuna existente na relação das duas disciplinas História e Arqueologia, ou melhor, um distanciamento entre a historiografia e a teoria arqueológica.

Tendo em mente essa perspectiva, buscou-se o sentido da Arqueologia e suas conseqüências na formação, ou melhor, transformação de um historiador recém-formado em aspirante a arqueólogo, sensível à historiografia e em busca da compreensão da teoria arqueológica no desenvolvimento da Arqueologia.

E esse entendimento poderá ser esclarecido com uma análise das continuidades e também das rupturas ocorridas neste processo de compreensão, que auxiliará na construção de possíveis respostas do objeto em estudo. Entende-se que a História não é uma cópia-carbono do passado (HOBSBAWN, 1998). Mas sim de alguns fatos selecionados ou mesmo perpetuados, conforme a necessidade decorrente das dúvidas presentes no contexto social vivido pelo historiador ou arqueólogo que a construiu.

O desejo é analisar um processo histórico, de desenvolvimento da teoria arqueológica em paralelo a historiografia, que se conceitua como um desenrolar de acontecimentos ao longo da história. Como esses acontecimentos têm uma lógica, uma relação de causa e efeito, compreende-se isso como processo.

Neste capítulo, está presente também uma breve visão sobre a história do desenvolvimento da Arqueologia e os impactos resultantes na História. Com isso, buscou-se descrever cada período dessa trajetória de maneira objetiva, escavando e desbravando as visões acerca do tema, embasadas na bibliografia constituída por arqueólogos e historiadores, o que garantirá o processo interdisciplinar presente no âmago da reflexão proposta.

No segundo capítulo, tendo em mente o sentido da Arqueologia, o objetivo é compreender a discussão teórico-metodológica da Arqueologia no Brasil, fazendo um resgate histórico dos primórdios da disciplina em nossas terras, assim como os fatores responsáveis por seu desenvolvimento.

Para isso, buscou-se analisar a relação de interdisciplinaridade presente na formação dos museus nacionais, dos centros de pesquisa e posteriormente da institucionalização da Arqueologia no meio acadêmico, onde a disciplina teve papel fundamental aliada a outras Ciências Humanas.

Trataremos também das compreensões acerca das escolas teóricas da Arqueologia a partir da década de 1950 sob o ponto de vista de arqueólogos brasileiros, sensíveis às influências dessas escolas e preocupados com os avanços da teoria arqueológica no Brasil. Tais autores entendem a importância das teorias e metodologias estrangeiras, não como tábua de salvação, ou como verdade absoluta, mas sim como produção atualizada e fomentadora de novos debates sobre o tema.

Fica perceptível o desejo de uma produção embasada em novas correntes teóricas, calcadas também no campo historiográfico, sincronizadas, ousando conceber novos marcos que permitam atingir e transformar o quadro presente, não descartando jamais a interdisciplinaridade, na qual se acredita ser a grande mola propulsora de conhecimento e avanço.

A produção acadêmica sobre a Arqueologia fomentada nas universidades foi analisada conforme a obra de José Alberione dos Reis (2010), onde ficou evidente que a grande maioria dos trabalhos foca a exploração de temas que remetem à Arqueologia como mera ferramenta de análise da cultura material, havendo poucas produções de cunho teórico.

Fato que poderia comprovar tal constatação seria a dificuldade em localizar referências bibliográficas de autores brasileiros sobre as diferentes correntes teóricas da Arqueologia, ou então, obras que desmistifiquem a idéia da disciplina ser um apêndice da História, colocando em questão sua importância e seu crescente desenvolvimento, mas esse não é caso, como fica evidenciado no capítulo.

A análise sobre Arqueologia no Brasil descreve a disciplina como bastante jovem, tendo sua discussão ampliada na década de 1980, em função, talvez, da restauração das liberdades políticas, com o fim da censura e o retorno ao regime civil em 1985. Porém comparando com a História, o processo de desenvolvimento teórico das duas disciplinas foi bastante distinto, assim como a interpretação do sentido da Arqueologia, do qual trataremos mais tarde, por parte da academia e do senso comum.

A arqueologia estuda todas as mudanças do mundo material que são devidas à ação humana – naturalmente, apenas quando sobrevivem. O registro arqueológico é constituído pelos resultados fossilizados da ação humana, cabendo ao arqueólogo reconstituir essa ação e indo tão longe quanto possível para recuperar os pensamentos que ela expressa. Se conseguir, o arqueólogo torna-se um historiador (CHILDE, 1955, p. 29).

A afirmação acima mostra que, desde o início, o arqueólogo esteve vinculado ao oficio do historiador, tendo desafios na resolução de paradigmas históricos, entendendo a disciplina como um suporte, ou melhor, um estágio probatório para chegar ao conhecimento de uma verdadeira História e como disse o próprio autor tornar-se historiador. Nesse sentido, um dos aspectos interessantes é o imaginário que se mantém, assim como a compreensão da disciplina, pois algumas obras referenciais da Arqueologia datam das décadas de 1960 e 1970.

No terceiro capítulo, a proposta é contrastar as diferentes interpretações acerca da Historiografia e Arqueologia, assim como o processo de formação de arqueólogos e historiadores, que serão responsáveis pela produção acadêmica das duas disciplinas e incentivo à pesquisa.

Nesse sentido, aprofundando as questões levantadas nos capítulos I e II, tentou-se apresentar um quadro comparativo que demonstrasse que de fato as conseqüências dos processos de formação distintos dos dois protagonistas desse trabalho, fizeram a diferença na trajetória das duas disciplinas, bem como a idéia equivocada da Arqueologia ser apêndice da História.

A comparação proposta mostra o senso comum sobre a imagem do arqueólogo, influenciado pela indústria hollywodiana, difundido internacionalmente na década de 1980, chegando até o seu processo de formação verdadeiro, longe da fantasia, chegando até sua atuação no mercado de trabalho e suas perspectivas futuras.

Escavando mais afundo, encontraremos também mais uma discussão pertinente relacionada ao ser hibrido que se origina na fusão das concepções teórico-metodológicas fomentadas nas duas disciplinas. A tentativa é apresentar como se dá essa fusão no meio acadêmico, perpassando também as questões em sala de aula, responsáveis pela formação de futuros historiadores-arqueólogos.

O fato é que as evidências e perspectivas que compõem esse trabalho são frutos da análise sobre o cruzamento das bibliografias de História e Arqueologia, produzidos pelos mais diversos autores, explicitamente ou implicitamente defensores das teorias que embasam os rumos de suas respectivas disciplinas, sendo contrárias ou não, mas com propriedade suficiente para termos uma idéia do processo ambíguo envolto ao profissional que atua nas duas áreas.

Conforme José Alberione dos Reis (2002) observa-se que no Brasil não ocorre “resistência à teoria”, mas sim a novas abordagens teóricas. Com isso, percebe-se que os referenciais teóricos utilizados na Arqueologia, embora apontados por muitos como ultrapassados, permanecem ainda norteando as gerações de arqueólogos que constroem a disciplina no País, com um anacronismo de duas décadas, os tendo como marcos para a busca de novas experiências que possam contribuir para uma produção teórica mais critica, embasada nas experiências sociais, culturais e políticas.

A construção de um trabalho como esse demanda muita pesquisa e muita sensibilidade a subjetividade dos textos, assim como da tênue linha que separa o horizonte de novas perspectivas do determinismo enfadonho, responsável pela limitação de qualquer desenvolvimento cientifico. Portanto, os capítulos que seguem, são, antes de qualquer coisa, a visão de um licenciado em História, profundamente interessado nos possíveis desdobramentos das relações entre teoria arqueológica e historiografia.

Geralmente, os trabalhos embasados em Arqueologia e História buscam relacionar a descoberta de artefatos com sua contextualização nos períodos históricos. Esse trabalho não difere dessa tentativa, apenas substitui os artefatos materiais por “artefatos teóricos”, dos quais estão espalhados no decorrer dos “sítios teóricos” das duas disciplinas, proporcionando que a continuidade do debate teórico acerca do tema possa se renovar, perfazendo um longo caminho nas futuras jornadas acadêmicas.

O processo de desenvolvimento teórico das disciplinas em questão não está acabado, anacrônico historicamente, trata-se de um processo complexo e ramificado em ideais estabelecidos. Portanto, discutir o quadro teórico da Arqueologia, aproximando-o da Historiografia de maneira comparativa, respeitando suas características, proporcionará uma contribuição pontual na produção acadêmica e abrirá espaço para o debate acerca do tema, tendo de um lado a lado historiadores e arqueólogos no aperfeiçoamento da interdisciplinaridade.

I O SENTIDO DA ARQUEOLOGIA

Entender o sentido do passado é um dos principais objetivos dos historiadores. Compreender as sociedades, seu desenvolvimento, suas principais características e contribuições para o presente também incorporam tais objetivos e sustentam a historiografia, assim como fortalecem a História. Entretanto, até os dias de hoje, essa compreensão difere quando a análise provém de registros escritos ou da cultura material produzida por nossos antepassados.

Em 1851, na obra Arqueologia e a Pré-história da Escócia, de Daniel Wilson, foi utilizado pela primeira vez o termo Pré-História, que designa a ausência de registros escritos como anterior a História, ou seja, não considerando os vestígios materiais encontrados e sua interpretação como parte integrante da História.

A Arqueologia, como o próprio nome diz, parece ter uma matriz ainda mais conservadora, pois é, literalmente, a ciência “das coisas antigas”. Há uma tradição da Arqueologia, muito remota, que vem desde os antiquários (dos séculos XVI ao XIX)- e, ainda hoje, muitos arqueólogos funcionam, de facto, como antiquários modernos, que querem focalizar principalmente o objecto, “a peça”, pois se esta for rara ou esteticamente interessante, é mais valiosa (JORGE, 2000, p, 57).

Na visão de Pedro Paulo Abreu Funari (1988) a Arqueologia é a ciência que estuda os sistemas socioculturais, sua estrutura e funcionamento, bem como as transformações no decorrer do tempo através da cultura material produzida. Porém, apesar da colocação do autor, a disciplina apresenta ainda nos dias de hoje o sentido de disciplina/técnica/método de apoio a História.

Portanto, passa a ser considerada, no senso comum e em algumas esferas da academia, como suporte na interpretação do passado, por se deter à análise da cultura material, não tendo seu corpo teórico reconhecido, pois os resultados alcançados com as análises são discutidos a exaustão de forma metodológica, tendo como principal objetivo o aperfeiçoamento das técnicas e não uma discussão acentuada sobre o processo teórico presente no desenvolvimento da disciplina.

Necessariamente, a ausência de registros escritos não determina a inexistência de História, uma vez que a cultura material por si só representa interpretações pertinentes ao desenvolvimento do pensamento histórico, ou seja, da construção subjetiva do passado feita pelos Historiadores. Com isso, podemos dizer que o sentido da Arqueologia vê-se preso ao século XIX, pois sua concepção encontra-se vinculada apenas ao entendimento sobre Pré-história e ao antigo conceito da Arqueologia Imperialista, onde as pesquisas eram ambicionadas por outros motivos que não os de pesquisa e desenvolvimento científico.

Graças às descobertas arqueológicas houve avanços nas pesquisas sobre a origem do homem, sua evolução e problematizações acerca do povoamento dos continentes, quebrando o parâmetro eurocêntrico perpetuado por séculos, colaborando para o fim das idéias racistas e segregadoras ligadas à disciplina durante o período imperialista.

A Arqueologia é antes de mais uma ciência social, que visa, a partir da análise das materialidades que nos rodeiam, contribuir para o conhecimento da história da nossa espécie. Nesse sentido, há muito que ela abandonou a sua matriz inicial de estudo de antiguidades para assumir, como âmbito da sua atividade, a totalidade do espaço planetário e do tempo histórico, até à atualidade (JORGE, 2000, p. 11).

O que surpreende é o fato da discussão sobre o sentido da disciplina ser remetido, invariavelmente, no senso comum ou acadêmico, a um passado preso ao Antiquarismo2, sem levar em conta que a disciplina implantou bases sólidas que foram diferenciais no que tange a produção teórico-metodológica das últimas décadas. Foi o carro chefe dos avanços em áreas como a Biologia, Paleontologia, Antropologia e História, ou seja, impregnada de conceitos teóricos relevantes para a compreensão do pensamento histórico como um todo e não apenas da cultura material, lembrada como objeto principal da Arqueologia.

Atualmente, a compreensão sobre a disciplina no meio acadêmico, mais especificamente na graduação em História, geralmente é alterado no decorrer do curso, próximo ao fim, onde o graduando compreende e distingue o verdadeiro sentido da Arqueologia, bem como sua contribuição para a História.

Mesmo assim, seriam necessários mais créditos da disciplina, assim como um número maior de profissionais na área, impulsionando mais seminários, saídas de campo e o contato com a disciplina de forma teórica e prática, não apenas analisando a parte metodológica de modelos de escavação, ou então, análise de vestígios.

Atualmente, discutir o assunto apenas de forma prática aumenta a dificuldade de compreensão das metas da disciplina, bem como de seu desenvolvimento histórico e suas possíveis contribuições para construção do entendimento sobre o passado e as diversas possibilidades de pesquisa disponíveis. Isso não quer dizer que todo o processo prático não esteja envolvido e embasado em uma teoria, só não fica claro para quem o desenvolve.

Além da idéia equivocada sobre o sentido da disciplina, há uma carência de produções voltadas à análise teórica da Arqueologia. Percebe-se que a disciplina constantemente é desvencilhada das questões sócio-políticas, quando na verdade através dos processos de pesquisas já desenvolvidos há possibilidade de elucidar ou pelo menos se aproximar de alguns enigmas ainda presentes em nosso tempo. Principalmente, no que diz respeito à criação e fortalecimento das identidades nacionais e culturais, bem como a reconstrução da interpretação histórica, tendo por base a relevante cultura material espalhada pelo mundo.

Conforme Carl-Axel Moberg (1981), fala-se de uma crise da Arqueologia, que tem diversos aspectos, sendo que o principal deles refere-se ao desequilíbrio entre a quantidade de informações arqueológicas e o número de arqueólogos. É bem verdade que o número de arqueólogos vem crescendo, porém o aumento das novas descobertas é superior. Dessa forma, as produções existentes, em sua grande maioria, são direcionadas a questões metodológicas aplicadas às descobertas e não ao desenvolvimento de novas teorias.

Se Moberg fez tal apontamento em 1981 e hoje o quadro não é muito diferente, ou seja, ainda há um déficit de arqueólogos, podemos dizer que esse quadro é resultante do processo de formação nas universidades. Nesse sentido, há de se reconhecer que a academia teve sua parcela de culpa nesse processo e porque não dizer na proliferação dos objetivos distorcidos da disciplina.

O caminho escolhido pela academia teve ênfase nas questões puramente metodológicas, de produção e aperfeiçoamento de técnicas de escavação, datação, deixando para alguns poucos teóricos pensarem nos rumos da Arqueologia e sua trilha no difícil espaço de discussão acadêmico, viciado no academicismo modista e tradicional.

No que tange o aparato teórico, um grande leque de autores relata e critica a ausência de teoria na Arqueologia, justificando sua importância e a necessidade de desenvolvimento. Entretanto, dificilmente encontram-se produções voltadas especificamente ao sentido da Arqueologia, construindo perspectivas de desenvolvimento e buscando compreender os fatores responsáveis pelo distanciamento da Arqueologia das discussões fomentadas pela História, como se isso fosse missão apenas do historiador.

As produções pesquisadas não apresentam alternativas como a inserção da teoria arqueológica no contexto historiográfico, onde necessariamente há uma saturação das análises tradicionais e poucos avanços no que diz respeito à inovação ou oxigenação do pensamento histórico. Se a crise na Arqueologia é por falta de arqueólogos que possam dar conta de uma produção teórica consistente e não apenas descritiva, no caso da História, é o contrário, há um excesso de trabalhos, análises e críticas.

Até mesmo os jornalistas arriscam sua inserção no campo historiográfico, levando em conta suas habilidades textuais de tornarem o contexto histórico mais atraente em suas produções, sem a densidade impelida pela análise dos historiadores e a influência de suas escolas teóricas.

Existem teóricos de todos os tipos circulando ao redor dos tranqüilos rebanhos de historiadores que se alimentam nas ricas e intermináveis pastagens de suas fontes primárias ou discutindo entre si suas publicações (HOBSBAWN, 1998).

Nesse sentido, a contribuição da teoria arqueológica poderá preencher um espaço importante na historiografia e este espaço não será mais uma análise discursiva da produção existente, baseado na criação de uma possibilidade, originada de um registro escrito, impregnado com alguma ideologia, mas sim de uma interpretação sólida, oriunda das diversas alternativas apresentadas pela cultura material, ou seja, a Arqueologia tomando o seu devido lugar.

Na Historiografia, as discussões giram em torno da produção teórica de historiadores, com temas pesquisados a exaustão, sempre propondo um “novo olhar”, relutantes em conceber as significativas contribuições da análise teórica oferecida pela Arqueologia.

A heterogeneidade temporal, política e cultural impede-nos de fazer tábua rasa em termos de sentidos e significados. Tal heterogeneidade revela um espaço cultural contemporâneo saturado de diferenças. Esta situação do espaço cultural atual gera, por sua vez, uma reação. Por esta reação entende-se a saturação como um obstáculo à originalidade e à inovação ou mesmo à possibilidade de produção de conhecimentos. Tudo já teria sido dito, feito e narrado. Restaria então, uma espécie de saída estratégica em direção ao mundo primitivo, situado em algum momento antes da modernidade. Um desejo de busca da comunidade, do pequeno, do micro e, porque não, de recolocar o sujeito ético-moral no centro do palco como a força motriz do sentido (DIEHL, 2006, p. 370).

A busca pela originalidade, inovação ou mesmo a produção de novos conhecimentos perpassa por uma mudança de postura com relação às interpretações históricas, assim como a renovação do sentido das disciplinas dentro do contexto acadêmico. Mais especificamente, nos casos da História e da Arqueologia, a necessidade de uma convergência calcada no grau de objetividade ou subjetividade, característico das disciplinas, proporcionaria bases conceituais para uma pesquisa que, através da cultura material, reconduziria a construção da produção histórica, fugindo assim do continuísmo e do academicismo atual.

Além da História, a Arqueologia, em diferentes etapas, teve ligações e fortes relações com a Antropologia ao longo de seu desenvolvimento, tendo alternâncias na ênfase das relações conforme a tendência acadêmica de determinada época. Portanto, esse pode ser um dos fatores que talvez explique a ausência teórica da Arqueologia no contexto Historiográfico.

A Arqueologia, por afinidades óbvias, desde o inicio esteve ligada a História, pois a busca por uma compreensão dos antepassados e a construção da identidade do homem sempre foi um dos desejos dos arqueólogos. Porém, também houve aproximação com a Antropologia quando a meta foi compreender as sociedades de cultura e tecnologia menos desenvolvidas.

Decidir se a Arqueologia está mais intimamente ligada à História ou à Antropologia liga-se de modo estreito ao debate, igualmente inconclusivo, que envolve saber se a compreensão do comportamento humano de tomar a forma de explicações históricas ou a de generalizações nomotéticas. Como a maioria dos arqueólogos está comprometida com a compreensão do que aconteceu no passado, a disputa centrou-se em definir se seu objetivo básico é explicar eventos singulares em toda a sua particularidade idiográfica ou reproduzir generalizações evolucionistas a respeito da natureza da mudança cultural (TRIGGER, 2004, p. 363).

Esse debate gira em torno de inúmeras variáveis ligadas diretamente às escolas teóricas da Arqueologia, História e Antropologia, fazendo com que haja diferentes posicionamentos entre os arqueólogos, mais especificamente aqueles que se detém na produção de uma teoria que consolide e talvez sustente as diferentes propostas da disciplina em questão.

Evidentemente o tema jamais se esgotará, pois as constantes generalizações são a mola propulsora das discussões acerca do desenvolvimento teórico da disciplina, uma vez que a academia prefere ter cautela e não embarcar no radicalismo extremado e tampouco arriscar-se no desmanche de um cenário factível e duradouro como o atual. Entretanto, é preciso buscar qual o objetivo que a disciplina almeja, como pretende ser reconhecida. Se atualmente as influências estão ligadas diretamente à História e à Antropologia, nada mais satisfatório que os arqueólogos busquem a maturidade teórica em suas escolhas para que a disciplina não se torne uma colcha de retalhos, fragmentada em seu corpo teórico, que para muitos é inexistente ou no mínimo influenciável:

Porque, na verdade, se eu, e outros colegas meus, queremos afirmar a necessidade da Arqueologia ser vista como uma profissão, como uma actividade útil à sociedade, que exige dessa sociedade financiamentos importantes e cada vez maiores para poder desenvolver-se, não podemos apresentar uma imagem de antiquário, nem de pessoa nostálgica de qualquer passado mítico. Pelo contrário, tal como um sociólogo, antropólogo, ou qualquer outro cientista social, temos de mostrar-nos úteis, necessários e capazes de produzir futuro (JORGE, 2000, p. 58).

Outro aspecto preocupante, e não menos importante, refere-se à inserção da disciplina no ensino fundamental e médio, não apenas na forma de vagas citações no conteúdo de Pré-História, mas sim com experiências práticas como palestras e saídas de campo guiadas por arqueólogos em parceria com as escolas. Com isso, o fomento à compreensão da disciplina quebrará os paradigmas ainda presentes, inserindo o pensamento arqueológico nas comunidades, construindo e fortalecendo seu papel na sociedade.

Nesse contexto, creditamos essa deficiência de inserção da disciplina, mais uma vez, ao senso comum sobre a Arqueologia, perpetuado no ambiente de aprendizagem por intermédio dos educadores de História, muitas vezes relutantes em aprender ou explanar de forma mais aprofundada o sentido arqueológico e sua contribuição para o ensino, obviamente carregados da influência do academicismo que receberam durante seu período de formação.

Temos que conhecer e que intervir ao nível da preparação de estudos e documentos de planejamento do território, e não podemos fecharnos apenas nos nossos trabalhos científicos, nas nossas investigações - que são fundamentais, mas não suficientes-, porque, enquanto isso acontecer, enquanto só soubermos de muito pouco, duma área para nós extremamente importante, mas muito pequena, não teremos qualquer intervenção social, nem ninguém nos levará a sério (JORGE, 2000, p. 59).

No que diz respeito aos livros didáticos, a noção sobre Arqueologia é bastante superficial e pouco elucidativa para os educandos em formação. As raras citações são relacionadas à Pré-História, ou seja, fortalecem a ligação da disciplina apenas como meio analítico da cultura material, e principalmente do período préhistórico, não havendo menção aos demais períodos e tampouco diferenciação das diversas formas do fazer arqueológico, engessando e estreitando a visão sobre a disciplina.

Continuando a compreensão sobre a Arqueologia, suas relações com as outras disciplinas e as várias alternativas de expansão, o que fica evidente é que a disciplina em questão possui condições suficientes para avançar em seu processo de desenvolvimento teórico, pois se baseia na interpretação de evidências materiais, também carregadas de ideologia, onde obviamente, a investigação histórica aliada ao interrogatório das fontes, hoje monopolizado por historiadores, ditará os rumos da interpretação na academia.

Pode-se, contudo, estudar a cultura material tanto de exploradores como de explorados, os objetos únicos e aqueles feitos em série. Busca-se, desta forma, compreender os conflitos de classe no interior das sociedades estudadas, o que permite uma reflexão crítica sobre o presente. Isto conduz à questão do papel da Arqueologia como parte de uma engrenagem de expropriação colonial e neocolonial (FUNARI, 1988, p. 74).

A História encontrada nas fontes escritas foi registrada, em sua grande maioria, por aqueles que venceram, ou que expropriaram e colonizaram, ou seja, os registros estão impregnados de uma ideologia unilateral, que não contempla duas versões, principalmente a versão derrotada, neste caso a classe dominada.

Nessa conjuntura, em meio a indagações sobre qual disciplina a Arqueologia possui mais relações, o conceito de História de baixo para cima3, ou seja, inverter a o processo histórico, sem elencar os principais personagens, ou períodos específicos, esteve presente desde o início do processo arqueológico. Esses fatores estiveram e ainda estão diretamente imbricados com Arqueologia, pois a existência de vestígios, sua localização e datação pode direcionar os rumos de uma pesquisa, contribuindo para novas interpretações, dependo da aceitabilidade do processo investigativo, por onde perpassam alguns conceitos da academia e suas concepções.

Porém, não há como negar seu caráter inovador por se tratar de cultura material, onde a interpretação será feita sobre vestígios materiais e não registros escritos, que muitas vezes não expressam todo o contexto de determinado período. Com isso, a inversão da análise sobre o processo histórico, de forma comparativa entre cultural material e o registro escrito rompe com o olhar imperialista imposto por aqueles que definiram a História como relato de suas vitórias, onde as elites dominantes teceram a teia da conhecida divisão histórica e suas complexidades presentes até o hoje.

O problema de se rejeitar sistematicamente o passado apenas surge quando a inovação é identificada tanto como inevitável quanto como socialmente desejável: quando representa “progresso”. Isso levanta duas questões distintas: como a inovação em si é identificada e legitimada, e como a situação que dela deriva será especificada (isto é, como um modelo de sociedade será formulado quando o passado já não puder mais fornecê-lo) (HOBSBAWN, 1998, p. 29).

A teoria Arqueológica e seu potencial transformador podem sistematizar as idéias no corpo da historiografia, incorporando uma ou diversas hipóteses, combinando a cultura material com as interpretações historiográficas, ordenando assim um instrumento de pesquisa focado na observação dos fenômenos que, nesse caso específico, conduzirão ao desenvolvimento da compreensão do processo histórico como um todo, equilibrando as interpretações de registros escritos, com as interpretações das análises sobre a cultura material.

Para que esse desenvolvimento se dê por completo é preciso analisar o desenvolvimento arqueológico como um todo, buscando entender os fatores que fizeram com que a disciplina se tornasse ao mesmo tempo essencial, porém tímida no que se refere à produção teórica.

A origem da Arqueologia teve diferentes características e processos de desenvolvimento bastante distintos no decorrer da História. Com isso, a cultura material encontrada durante seu período de formação, foi analisada há muito tempo, obviamente com um aparato científico nada parecido com o atual. De acordo com Carl-Axel Moberg (1981), neste campo, assim como em outros, a Renascença teve um papel extremamente importante, pois o interesse direcionado à Antiguidade Clássica, onde o foco principal era encontrar vestígios materiais do Mundo Greco-Romano, foi determinante para dar importância à cultura material e suas respostas. Com uma interpretação semelhante aos dias de hoje, os renascentistas não consideravam os vestígios encontrados como fontes fidedignas de conhecimento, mas sim peças que deveriam ilustrar e completar os registros escritos, objetivando localizar sítios ou monumentos mencionados pelos antigos. Obviamente que as Artes e a Arquitetura, de certa forma, ambicionaram o fomento à Arqueologia, pois buscavam inspiração para seu aperfeiçoamento no período e, consequentemente, entendiam que os registros escritos não eram suficientes para uma interpretação completa sobre a Antiguidade Clássica.

A História da Arqueologia é, antes de mais nada, uma História de idéias e descobertas, de discussões teóricas, de formas de olhar para o passado. É, em seguida, a História do desenvolvimento de métodos de pesquisa, capazes de desenvolver aquelas idéias e teorias e, assim obter informações que nos auxiliem a conhecer e a melhor compreender a mais antiga História da humanidade (ROBRAHNGONZÁLEZ, 1999, P. 11).

Graças a esse período, uma série de descobertas, com o passar dos anos, foram ocorrendo, sendo direcionadas para o Oriente. Dentre as principais descobertas, podemos citar as cidades, soterradas por erupções vulcânicas, na Itália Herculano (1738) e Pompéia (1743) e as descobertas de Schliemann4 em Hissarlik, (suposta Tróia) na Ásia Menor (1871) e em Micenas (1876).

Conforme o sistema cronológico adotado por Erika Marion Robrahn-González (1999), que divide a História da Arqueologia em períodos de tempo, a Arqueologia começa suas atividades no chamado Período Especulativo (1492 - 1840) com os chamados “gabinetes de curiosidades”, onde eram organizados vestígios como ossadas, amostras geológicas e peças da antiguidade que formariam coleções na direção da História Natural. Também neste período foi grande a busca por monumentos antigos, com atenção especial a Arquitetura da Antiguidade Clássica, tanto no Ocidente como no Oriente e com a expansão ultramarina chegando ao Novo Mundo, mais descobertas foram surgindo.

Na medida em que ocorriam descobertas, inúmeras teorias especulativas foram geradas, e com o aprimoramento das pesquisas, a disciplina foi desenvolvendo sustentação teórico-metodológica. Obviamente que numa escala muito lenta, pois a caça ao tesouro era sinônimo do fazer arqueológico, sendo mais importante o artefato em si, pouco importando o contexto histórico do qual provinha, não importando também os cuidados com metodologia, ignorados pelos primeiros arqueólogos. Graças à aquisição de relíquias de colecionadores, nasceram o British Museum, no Reino Unido, Louvre, na França e o Altes Museam, na Alemanha. (ROBRAHN-GONZÁLEZ, 1999)

No período descritivo, o conhecimento histórico era extremamente incipiente, a metodologia de pesquisa embrionária, assim como a organização cultura material encontrada. Portanto, não era possível que a Arqueologia fosse considerada uma disciplina de cunho científico, até porque o incentivo às descobertas era oriundo dos interesses imperialistas, que, convenhamos, não possuíam intenção de contribuir com o desenvolvimento da ciência.

A criação de uma cronologia controlada que não se apoiava em registros escritos foi obra do erudito dinamarquês Christian Jürgensen Thonsen (1788-1865). A principal motivação da obra de Thomsen, como a de muitos outros antiquários, foi o patriotismo. A pesquisa antiquária do século XVIII e os conceitos evolucionistas da Ilustração foram as condições indispensáveis para seu sucesso (TRIGGER, 2004, p, 71).

Posteriormente, inicia-se o Período Descritivo - Classificatório (1840 – 1914), quando o principal foco era tornar a Arqueologia uma disciplina cientifica, com uma forte preocupação em descrever as obras arquitetônicas e monumentos, bem como classificar o maior número possível de vestígios. Com essa crescente produção, a Arqueologia se torna uma atividade reconhecida, tendo seu desenvolvimento acentuado com as descobertas das antigas ocupações do Novo e do Velho Mundo. (Robrahn-González,1999)

Durante o Período Descritivo e seus avanços, surge a necessidade de classificar a grande quantidade de material encontrado nas escavações pelo mundo, tendo início ao que Gordon Willey e Jeremy Sabloff denominaram de Período Histórico – Classificatório (1914-1960), onde os esforços se direcionaram para a construção de sistemas cronológicos regionais e a análise do desenvolvimento cultural de cada área. A principal metodologia aplicada foi a seriação, que tinha como objetivo ordenar os vestígios encontrados através da presença ou não de artefatos (Idem, 1999).

Com a chegada dos anos de 1960, houve uma forte insatisfação no meio Arqueológico, os pesquisadores perceberam as deficiências da Arqueologia tradicional, que possuía discussões fragmentadas, com valorização apenas de alguns aspectos das antigas sociedades. Foi nesse contexto que nasceu a New Archaeology, ou Escola Processual, ou ainda o Período Moderno (1960-2000), que dentre seus principais expoentes podemos citar Ian Hodder e Bruce Trigger. Seus conceitos se baseavam na natureza explanatória da Arqueologia e não mais descritiva, analisando os sistemas culturais, considerando variações ocasionadas por fatores socioeconômicos.

Passaram a considerar hipóteses que deveriam ser testadas através de modelos estatísticos, assim como a adoção de uma Teoria Geral de Sistemas, que tinha como principal objetivo caracterizar e identificar os padrões culturais. Nesse contexto, as pesquisas resolveriam questões específicas pertinentes ao desenvolvimento da disciplina, ampliando uma perspectiva ecossistêmica, buscando relações entre cultura e meio ambiente, assim as coleções deveriam ser obtidas com severos métodos de amostragem e condicionadas a testes estatísticos.

No decorrer desse período várias discussões teóricas foram travadas, onde alguns arqueólogos apontavam a Arqueologia como ciência direcionada única e exclusivamente a cultural material. O descontentamento com a pobreza teórica da disciplina foi fator determinante para abertura de novas abordagens influenciadas por estudos pós-modernos, baseados na filosofia anti-positivista de Hegel e Kant, assim como no Neomarxismo, o Pós-positivismo e a Hermenêutica.

Nesse período, inicia-se a chamada Reconstrução Arqueológica, liderada por Shanks e Tilley (1987, 1989) e Hodder (1985,1991a e 1991b) período marcado pelo surgimento de críticas contundentes ao processualismo e a sua idéia de verdade científica .

A partir da noção de que as ciências são construções discursivas, inseridas em contextos sociais, desmontou-se a lógica do processualismo: os homens não foram e em toda parte capitalistas! Alguns como Ian Hodder começaram a ressaltar que havia uma dimensão simbólica na cultura que não podia ser deixada de lado [...] (FUNARI, 2005, p. 2).

Com isso, fica a certeza que relatar as origens da Arqueologia se faz necessário para compreensão da disciplina e para comparação com o desenvolvimento da História, pois assim, partindo desse processo de analise, possamos incorporar tal discussão no corpo teórico da historiografia, respeitando as complexidades de cada disciplina.

No processo de desenvolvimento da História, as relações com a Arqueologia não são mencionadas nas obras pesquisadas e tampouco no que se refere à construção teórica. Inclusive, referindo-se a famosa obra de Peter Burke - A Escola dos Annales (1929-1989) – em nenhum dos capítulos do livro é sugerida a possibilidade de cruzamento com a Arqueologia, ou seja, a análise da cultura material considerando-a como fonte de reflexão teórica e consequentemente historiográfica é ignorada.

A terceira geração da Escola de Annales é reconhecidamente um dos marcos na evolução da História por abrir as fronteiras do olhar historiográfico, onde foram consideradas outras possibilidades de pesquisa, que fugiram dos cânones tradicionais, promovendo o processo de interdisciplinaridade, relacionando a História com diversas disciplinas.

Entretanto, essa interdisciplinaridade não foi capaz de incluir as teorias arqueológicas no corpo historiográfico. Porém, outras teorias foram aceitas e difundidas, entre elas Literatura, Psicologia, Geografia, Antropologia e Política. Tal apontamento corrobora a idéia de afastamento das duas disciplinas, embora sejam ligadas indubitavelmente.

Deve-se admitir, pelo menos, que o policentrismo prevaleceu. Vários membros do grupo levaram adiante o projeto de Febvre, estendendo as fronteiras da História de forma a permitir a incorporação da Infância, do sonho, do corpo, e, mesmo odor. Outros solaparam o projeto pelo retorno à História Política e à dos eventos. Alguns continuaram a praticar a História quantitativa, outros reagiram contra ela (BURKE, 1997, p. 79).

Discutir a inserção da teoria arqueológica na historiografia pode surpreender, pois afinal de contas, há uma visível dicotomia entre teoria e prática. Discutir a inclusão da teoria arqueológica na historiografia, não foi mencionado pelos historiadores no processo de amadurecimento da disciplina.

Neste capítulo, ficam evidenciados os motivos pelos quais se torna imprescindível a produção de questionamentos que apontem inovações, e, consequentemente novos rumos na produção de conhecimento sobre a relação entre Arqueologia e História. No caso brasileiro, por exemplo, antecipando o assunto que trataremos mais a frente, a questão de nosso anacronismo é muito séria e preocupante. Estamos engatinhando, muito influenciados pelas discussões entre processualistas e não processualistas, ou então pelas questões metodológicas, relacionadas a novas descobertas, inserção social e cultural do arqueólogo na sociedade. Porém, a discussão sobre a ausência da teoria arqueológica na historiografia, que atinge diretamente os rumos da disciplina, se mostra em silêncio. No próximo capítulo trataremos da questão teórica no Brasil, como se desenvolve e quais os motivos que ainda impedem que a mesma seja aprofundada dentro da academia de maneira explicita, com propriedade e consciência por parte daqueles que trabalham em prol do avanço da disciplina, seja na academia, seja nos sítios arqueológicos na condução de novas pesquisas.

II O CASO BRASILEIRO

A Arqueologia brasileira esteve desde seu inicio sob influência das escolas teóricas estrangeiras, principalmente das escolas francesa, inglesa e estadunidense. Nesse sentido, a análise proposta neste capitulo procurará apresentar os reflexos dessas influências e da interdisciplinaridade no processo de desenvolvimento da teoria arqueológica brasileira até os dias de hoje, sob o ponto de vista daqueles que pensam os rumos da disciplina no País.

Como é comum na História brasileira, o processo de colonização portuguesa, juntamente com a europeização do pensamento científico, tiveram influência direta no desenvolvimento das Ciências Sociais no Brasil, neste caso, da Arqueologia. A falta de grandes monumentos, de um patrimônio material exuberante e a existência de um passado com inúmeras civilizações indígenas fez com que Arqueologia no Brasil tivesse um processo de consolidação diferenciado, ligado diretamente às questões de colonialismo e identidade cultural.

A essa época, no exterior, a disciplina estava voltada para a construção de histórias culturais, embasada em uma concepção normativa de cultura. Este foi o modelo introduzido no País e nele se formou toda uma geração de pesquisadores. Nossos primeiros profissionais, diante de um universo quase desconhecido, voltaram-se arduamente para a classificação de artefatos e sítios, procurando ordená-los no espaço e no tempo. Buscavam a identificação de normas culturais, compilando traços, analisando similaridades e diferenças, ordenando-os em esquemas classificatórios, definindo tipos, construindo tipologias. Privilegiando artefatos e estruturas, bem como a coleta qualitativa, trabalhavam indutivamente, com uma perspectiva fortemente empiricista. Do ponto de vista teórico, a Arqueologia feita no Brasil a essa época acompanhava, em linhas muito gerais e guardadas as devidas proporções qualitativas, a Arqueologia feita no mundo (LIMA, 2000, p. 1).

Com isso, a metodologia prática ganhou relevância em detrimento à teoria, pois o foco nesse período era a busca por artefatos e sítios que serviriam de base para o desenvolvimento de museus e centros de pesquisa interdisciplinar, focados na resolução de questões que desvendariam a origem das populações do Brasil.

Por se tratar de um País que sofreu um processo de dizimação indígena, assim como um grau de colonialismo elevado, é compreensível que o processo histórico de desenvolvimento das Ciências Humanas e Naturais fosse paulatinamente ligado à análise das heranças culturais e do fortalecimento da identidade nacional. Nesse sentido, analisar a História da Arqueologia implica relacionar a disciplina com as demais ciências e suas teorias, compreendendo essa relação no decorrer do período de institucionalização das pesquisas e descobertas em nosso território.

Concluí que a Arqueologia era tanto uma ciência do tempo quanto do espaço. Explico-me melhor: a Arqueologia, ao tentar fabricar uma identidade nacional, buscou um tempo ontológico e profundo, um passado indígena majestático que fundasse retrospectivamente, na Pré-História, uma gloriosa representação histórico-coletiva para o presente monárquico. Essa busca por um antepassado nativo “nobre” é o que eu conceituo como Arqueologia Nobiliárquica (FERREIRA, 2010, p. 17).

Há indícios que a História da Arqueologia no Brasil teve seu início com naturalistas que tinham como principal objetivo estudar nossa rica fauna e flora, assim como o desenvolvimento das diferentes tribos indígenas remanescentes. Exemplo disso foi o trabalho desenvolvido por João Barbosa Rodrigues (1842-1909) na Amazônia – considerado por Lúcio Menezes Ferreira (2010) como um autor prolífico em Arqueologia e Etnografia. Barbosa Rodrigues teve suas pesquisas ancoradas no Museu Botânico do Amazonas, inaugurado em 1884. Este foi um dos primeiros exemplos da institucionalização do processo arqueológico no Brasil, sendo possível a organização e classificação de sítios arqueológicos assim como de artefatos conforme a distribuição geográfica dos grupos indígenas pesquisados.

Esse exemplo mostra claramente que o processo de institucionalização da Arqueologia se deu num primeiro momento em museus, com foco na análise de vestígios em conjunto com as ciências naturais, tendo um desenvolvimento ainda embrionário, porém fundamental para o crescimento das pesquisas e da produção científica.

A grande diversidade encontrada na Amazônia e demais regiões do País atraía cientistas naturais que logo eram convidados a participar das equipes responsáveis pela organização e classificação de acervo para exibição em museus, assim como do desenvolvimento de análises nos centros de pesquisa, tendo por base as teorias do evolucionismo, positivismo e naturalismo presentes no Brasil desde 1870.

Os estudos arqueológicos e etnográficos, no século XIX, e mesmo até meados do século XX, gravitavam em torno à órbita das Ciências Naturais. Esse processo foi comum não só ao Brasil e à Europa. Tome-se, por exemplo, a institucionalização da Arqueologia em outras partes da América do Sul, como a Colômbia. Carl Langebaek Rueda (2003:103) mostra-nos que, em 1871, fundou-se, em Bogotá, uma Academia de Ciências Exatas, Físicas e Naturais, entre cujas seções havia uma de Arqueologia e Antropologia. Os responsáveis pela seção eram Ezequiel Uriecoechea e Liborio Zerda, que propugnaram, na Colômbia, o estatuto cientifico e a retórica nacionalista da Arqueologia (FERREIRA, 2010, p. 35).

As relações da Arqueologia e Etnologia com as demais ciências presentes nos museus, por exemplo, fizeram com que as Ciências Humanas ganhassem mais espaço, apesar de serem compreendidas como ciências secundárias com relação à Botânica, Zoologia e a Geologia, essas consideradas como as verdadeiras e principais ciências na época. (BARRETO, 2000).

Após estar presente em vários museus pelo Brasil, a Arqueologia é institucionalizada também na academia, agregando-se aos estudos pré-históricos nas universidades e centros de pesquisa. O primeiro a conferir nível acadêmico à Arqueologia foi o Centro de Estudos Archaeológicos, fundado em 1935 por Luis de Castro Faria5, que mais tarde seria incorporado ao Museu Nacional, servindo de referência a várias instituições de pesquisa arqueológica no Brasil.

Dentre elas podemos citar a Comissão de Pré-História criada em 1952, oriunda da luta de Paulo Duarte6 em defesa dos sambaquis e que futuramente faria parte do Instituto de Pré-História da USP. Assim como no Paraná, com a participação de José Loureiro Fernandes 7na criação do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas (CEPA) junto a Universidade do Paraná, em 1956.

As pesquisas no período possuíam equipes formadas por antropólogos, historiadores, sociólogos, etnólogos, geólogos, botânicos entre outros, ou seja, havia uma fusão de conhecimentos em prol dos objetivos de pesquisa, relacionados à compreensão sobre as origens e vida do homem paleoamericano. Nesse período as missions archéologiques introduziram modelos de pesquisa praticados pelo mundo, como por exemplo, o modelo de pesquisas etnológicas originárias do Musée de I´Homme de Paris.

Esses exemplos de constituição da Arqueologia e dos reflexos das teorias presentes na época trazem à tona diversas maneiras de compreender o processo de consolidação da disciplina no País. Foi um período de experimentação e formação de Arqueólogos, mesmo que muitas vezes essa formação tenha sido de maneira autodidata. O que cerne o entendimento sobre o período é o papel da interdisciplinaridade como fator decisivo e responsável pelos avanços da produção científica.

Diferentemente das outras ciências sociais no Brasil, a Arqueologia surge dentro das universidades, não através de projetos intelectuais específicos, mas a partir de campanhas preservacionistas externas ao mundo acadêmico, promovidas por alguns poucos intelectuais. Portanto a Arqueologia surge praticamente à margem dos projetos intelectuais mais amplos do ensino das Ciências Sociais no Brasil. Ela é incorporada a Universidade como uma disciplina à parte, sem projeto curricular específico, sem modelo teórico algum, além de um corpo docente totalmente desprovido de especialistas (BARRETO, 1999, p. 207).

Nesse período, visivelmente interdisciplinar, torna-se compreensível que as teorias das disciplinas que ajudaram o fazer arqueológico tenham se incorporado e influenciado os rumos da teoria arqueológica no Brasil. Assim, a construção de nosso campo disciplinar fugiu de alguns padrões, ou seja, no que tange a Arqueologia foram formados arqueólogos com foco empiricista, sendo muitos autodidatas, sem embasamento acadêmico adequado e sem a consciência da utilização das teorias presentes em suas práticas.

Com isso, somente a partir de 1950 começam a se profissionalizar, conforme os padrões teóricos e metodológicos estrangeiros de pesquisa, explicitados no decorrer do capítulo.

O distanciamento da Arqueologia brasileira da tradição marxista das Ciências Sociais no Brasil e na América Latina em geral também a manteve isolada da “arqueologia social” desenvolvida e compartilhada por comunidades arqueológicas em países como Venezuela, a Colômbia, o Peru e o México. Foi, portanto, dentro desse isolamento das ciências humanas em geral, dessa ambigüidade conceitual sobre a natureza da Arqueologia, e de um certo “tecnicismo” promovido pela emergente Arqueologia acadêmica, que passaram a atuar arqueólogos estrangeiros na pesquisa e formação de novos arqueólogos no Brasil. Franceses e norte-americanos deixaram marcas profundas no desenvolvimento da Arqueologia brasileira por toda esta metade do século XX (BARRETO, 2000, p. 42).

Essa formação empiricista inibiu o aparecimento do que Tânia Andrade Lima (2000) chama de teórico de gabinete, ou arqueólogo de gabinete, profissional focado nas questões relacionadas ao rumo da disciplina em termos de produção teórica e não apenas metodológica. Tal situação, no entender da autora, fragiliza a Arqueologia perante outras disciplinas, em especial as Ciências Sociais, o que coloca a disciplina numa suposta posição de inferioridade em relação às outras disciplinas das Ciências Humanas.

Esse quadro difere das reflexões de Preucel e Hodder (apud Lima, 2000) que explicam a separação entre teoria e prática, comumente encontrada na Arqueologia. Seguindo esse raciocínio há um embate entre o arqueólogo de gabinete, com produção constante no campo teórico, com o arqueólogo de campo, direcionado à aplicação de metodologias e em busca de novas descobertas, sem se preocupar em entender qual teoria está seguindo.

Considerando que teoria e prática são indissociáveis, pode-se dizer que as práticas arqueológicas no Brasil possuíam e ainda possuem teoria, mesmo que de maneira implícita, não havendo ausência de teoria. Conforme José Alberione dos Reis (2010) na apresentação da teoria arqueológica brasileira existe um jogo entre o explicito e o implícito, sendo necessário que seja esclarecido a existência da mesma e como é aplicada, especificando os conceitos teóricos que corroboram os procedimentos técnicos empregados.

A Arqueologia brasileira teve influências diretas do processo interdisciplinar presente na estruturação das suas práticas de pesquisas, mas não apenas desse processo e sim de um conjunto de fatores dos qual a reflexão sobre o tema poderá quantificá-los de maneira precisa.

Como sabemos, as escolas teóricas européias e estadunidenses possuem as mesmas influências desse processo interdisciplinar que ajudou a consolidar o espaço da disciplina junto a Ciências Humanas. Com isso, fica evidente que as teorias arqueológicas no Brasil também foram aplicadas, porém de maneira silenciosa, uma vez que a compreensão sobre o sentido da disciplina vem se ampliando paulatinamente desde a década de 1950, pois desde esse período são muitos os estrangeiros espalhados pelo País, imbuídos de suas concepções teóricas, o que consequentemente foi transferido na formação de gerações de arqueólogos.

Ademais, se admitirmos, ao menos como hipótese de trabalho, que a Arqueologia brasileira concatenou-se aos processos de mundialização da ciência, seria preciso fazer um apanhado extremamente minucioso da bibliografia e dos materiais arqueológicos presentes nas instituições e museus estrangeiros. Tal levantamento é imprescindível para situar os diálogos e colaborações entre pesquisadores do Brasil e do mundo, bem como aquilatar o número e o valor de coleções transportadas, desde o século XIX, para museus estrangeiros (FERREIRA, 2010, p. 29).

Uma vez que as teorias foram aplicadas de maneira implícita, cabe-nos  discutir e encontrar alternativas que possam elucidar por quais motivos essas teorias foram aplicadas de maneira silenciosa ou quase inconsciente, compreendendo os fatores significativos desse processo para o crescimento da disciplina e as perspectivas futuras de desenvolvimento, tendo em vista toda a amplitude do tema em questão.

Busca-se compreender, sob o olhar teórico, até que ponto o suposto “tecnicismo” existente nas práticas arqueológicas brasileiras, desde seu princípio, contribui para a formação do quadro atual, ou seja, se o afastamento ou silêncio com relação a teoria foi intencional, ou então em função das necessidades de afirmação da disciplina no campo das Ciências Humanas.

No Brasil, a Arqueologia parece ter ficado soterrada sob a carapaça de uma linguagem técnica desumanizada; fala-se em artefatos, camadas estratigráficas, e sítios arqueológicos, ao invés de culturas, períodos históricos, e assentamentos humanos. Sob esse tecnicismo, talvez necessário para sua aceitação enquanto saber especializado, a Arqueologia torna-se pouco atraente aos historiadores e antropólogos que acabam por preferir a utilização de outros recursos para traçarem a História de povos indígenas brasileiros, como os documentos coloniais ou a história oral. (CUNHA, 1992 apud BARRETO, 1999, p. 208)

Tentou-se até aqui apresentar os fatores e as influências que consolidaram o pensamento arqueológico brasileiro. Contudo, é preciso entender as escolas teóricas que influenciaram esse processo e suas características sob o ponto de vista de um autor brasileiro, que pesquisa a inserção dessas escolas no contexto arqueológico nacional. As escolas teóricas existentes na História da Arqueologia brasileira são descritas por José Alberione dos Reis (2002) da seguinte forma:

a) Escola Histórico-Cultural: com influências recebidas do evolucionismo cultural, direcionadas ao ajuste dos artefatos arqueológicos encontrados nos esquemas e etapas formalizados pelo evolucionismo. Tem foco na análise das seqüências regionais pesquisadas e documentadas pelos artefatos. Na Arqueologia brasileira, esta escola teve ascensão no Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas8 (PRONAPA/1965-1970), sob a coordenação dos arqueólogos norte-americanos Clifford Evans e Betty Meggers. A influência dessa escola foi bastante tardia quando comparada a de outros países latino-americanos. Apesar de terem iniciado suas pesquisas na Amazônia somente na década de 1940, Clifford Evans e Betty Meggers só atuaram na formação de arqueólogos brasileiros a partir de 1960 (REIS, 2002).

b) Escola Processual ou Nova Arqueologia: comandada pelo arqueólogo norteamericano Lewis Binford, com fortes influências do neo-evolucionismo por intermédio dos antropólogos culturais Julian Steward e Leslie White. No planejamento de seu corpo teórico, além do neo-evolucionismo presente, estruturase na Teoria Geral dos Sistemas e no positivismo lógico. Objetiva identificar e registrar a elucidação dos processos culturais no registro arqueológico, bem como fortalecer o status científico da disciplina. (Idem, 2002).

c) Escola Pós-Processual: possui hiper-relativistas e moderados, tendo como principal expoente o arqueólogo inglês Ian Hodder. Abrange diversas tendências teóricas atuais, oriundas da sociologia, da semiótica, do estruturalismo, da filosofia, do marxismo, entre outras procedências. Possuidora de um quadro de discussão amplo apresenta muitos pontos em comum na esfera de pesquisa arqueológica. Tem como ênfase a dimensão dos significados simbólicos que variam e se destacam, em diferentes contextos culturais. A visão desta escola identifica o arqueólogo como produtor de conhecimento acerca do passado, a partir da classe social, ideologia, cultura e gênero como pontos de partida para as perguntas referentes às evidências arqueológicas (Idem, 2002).

d) Escola Francesa: não fazendo parte propriamente do corpo teórico no sentido de conceitos, postulados ou formulações epistemológicas, esta escola teve importante influência na Arqueologia brasileira a partir dos trabalhos e treinamentos desenvolvidos por Joseph e Annette Laming Emperaire 9 no Brasil. (REIS, 2002).

Após compreender as escolas e suas especificidades sob o olhar de um autor brasileiro, centra-se a discussão, mais uma vez, acerca da utilização de tais teorias na academia brasileira.

Segundo Funari (1999), em meados da década de 1980 desmontou-se a lógica do processualismo, com inúmeras críticas, capitaneadas por Ian Hodder. Nesse sentido, em 1987 com a publicação de Re-Constructing Archaeology de Michael Shanks e Christopher Tilley (1987) que a compreensão sobre Arqueologia, embasada em novas influências teóricas, teve uma grande abertura a novas pesquisas e interpretações do contexto internacional.

Porém, conforme Lima (2000) o processo de discussão teórica citado não teve reflexos expressivos no Brasil, pois os arqueólogos brasileiros permaneciam ainda focados na descoberta de novos sítios e aprofundando as metodologias de pesquisa. A obra citada é mencionada de forma superficial nas produções pesquisadas e sua interpretação somente hoje começa a ser discutida com certo atraso.

Em meados dos anos 80, mesmo com o caldeirão epistemológico em plena ebulição e a formidável expansão das discussões teóricas na Europa e nos Estados Unidos, que pela primeira vez integravam a Arqueologia aos mais amplos debates contemporâneos, nenhuma menção era feita, aqui, à mudança de um paradigma proposta pelos pós-processualistas. Anacronicamente, à essa época, era considerado um extraordinário avanço, entre nós, a incorporação dos fundamentos processuais dos anos 70 (LIMA, 2000, p. 2).

Com isso, as problematizações atrasadas acerca das teorias arqueológicas no Brasil fazem com que as produções acadêmicas fiquem restritas aos trabalhos direcionados às inovações metodológicas e à difusão das mesmas. Existem também diversas reproduções influenciadas pelas teorias internacionais, apontando ausência de teoria, ou então, posicionamentos equivocados. Segundo José Alberione dos Reis (2002), o lugar da teoria na Arqueologia brasileira ainda é motivo de imprecisão e resistência, pois as práticas de campo, embasadas na análise das diversas metodologias importadas, são mais importantes e lideram as produções acadêmicas nas universidades do Brasil.

Como do lado brasileiro os centros acadêmicos não surgem dentro de um projeto ou tradição teórica específicos, mas sim de uma preocupação em resgatar e preservar, sem necessariamente interpretar, o convite a especialistas estrangeiros e o entusiasmo em absorver um novo saber residia essencialmente nas áreas mais técnicas da Arqueologia, sobretudo métodos de escavação, classificação, datação, e documentação. Estes, porém não poderiam ser aplicados ao contexto brasileiro de forma teoricamente neutra e estavam necessariamente imbuídos das tradições teóricas de suas matrizes de origem (BARRETO, 1999, p. 207).

Tendo por base a obra de José Alberione dos Reis (2010), onde encontramos apontamentos sobre um panorama histórico da produção teórica da Arqueologia Brasileira, percebem-se os sinais de morosidade nos avanços das produções teóricas referentes à Arqueologia. Com isso, percebe-se a necessidade de fomento ao desenvolvimento de pesquisas nessa área. Tais estudos precisam invariavelmente de um suporte por parte daqueles que pensam a Arqueologia, principalmente no que diz respeito a proliferação dos questionamentos teóricos no meio acadêmico. Nesse sentido, as produções acerca do pensamento arqueológico brasileiro tendem a se consolidar.

Existe teoria nessa Arqueologia. Quais teorias arqueológicas foram aplicadas? As quatro posições teóricas – Histórico-Cultural, Processual, Pós-Processual e Escola Francesa – têm sido usadas como referenciais teóricos nas produções acadêmicas em que trabalhei. Estavam explicitadas ou se apresentavam de forma implícita? Quais referenciais teóricos arqueológicos e não arqueológicos foram utilizados? (REIS, 2010, p. 98).

Conforme a pesquisa de Reis (2010), as posições com relação à teoria arqueológica são encontradas tanto explicitamente quanto implicitamente, em pequeno número, mas marcam presença. Embora as posições teóricas explícitas sejam tímidas, demonstram que a nova geração de arqueólogos possui a preocupação de conciliar teoria e prática. Outra observação do autor diz respeito ao aporte de livros e revistas e das mais variadas publicações que nos últimos anos fazem parte dos acervos das instituições, contribuindo para a construção de um pensamento mais critico por parte da nova geração.

Isso quer dizer que não é mais necessário horas de pesquisa para encontrar produções sobre teoria, bastando apenas acessar qualquer terminal computadorizado e buscar a obra pretendida, sendo que muitas vezes as instituições disponibilizam obras no ambiente virtual e físico para os acadêmicos. Nesse sentido, as perspectivas da discussão teórica sobre a Arqueologia serão ampliadas e consequentemente a escassez de profissionais será sanada.

A teoria arqueológica no Brasil não se resume apenas as escolas estrangeiras e suas influências. Exemplo disso é a análise do processo de pesquisa arqueológica ocorrida nas grandes obras de engenharia, realizadas no decorrer das décadas e a função do arqueólogo nesse processo.

A Arqueologia brasileira se transformou nos últimos anos, nos mais diversos aspectos, em decorrência do crescimento das obras públicas e privadas, assim como contratos de arqueólogos para licenciamentos. Estas obras provocam impactos diretos ou indiretos no patrimônio nacional, regional e municipal, os quais podem destruir sítios ainda não descobertos.

Por outro lado, o poder público, sobretudo aqueles órgãos executivos municipais, estaduais e federais voltados para a defesa e a conservação do patrimônio público, busca concatenar a potencialidade econômica do patrimônio com o desenvolvimento social.

Nesse sentido, os arqueólogos envolvidos nas vistorias, responsáveis diretamente pela análise, assim como pelas descobertas arqueológicas, começam a reflexão sobre os aspectos relacionados entre patrimônio e identidade. Porém, os poderes públicos, especificamente os municipais, não fazem tal reflexão, ou seja, avaliar o papel da Arqueologia e sua contribuição no desenvolvimento de projetos patrimoniais10, principalmente aqueles que envolvem patrimônios arqueológicos propriamente ditos.

Atualmente, os conceitos e a caracterização de Arqueologia em obras de engenharia refere-se a disciplina com forma de salvamento e resgate dos sítios existentes encontrados.

No Brasil, os termos em uso atualmente são Arqueologia de salvamento, resgate arqueológico e Arqueologia de contrato. E, mais recentemente, Arqueologia no meio empresarial, Arqueologia contratual ou contratada. Usamos muitas vezes a expressão “Arqueologia em Obras de Engenharia”, por entender que esta (a possibilidade de implantação de obras) é o aspecto que motiva as intervenções, mas do que a formalização de um contrato. (MONTICELLI, 2010, p.127)

O papel do Arqueólogo nesse contexto não é um processo acabado, até porque os projetos relacionados ao patrimônio cultural estão presentes no planejamento das administrações públicas e privadas, pois atualmente as obras, em sua grande maioria, não possuem um arqueólogo e tampouco apresentam condições necessárias para análise dos terrenos antes do início das obras, tendo como objetivo a preservação do sítio.

Após as reflexões sobre teoria arqueológica no Brasil e os fatores responsáveis por sua consolidação, fica evidenciado que a Arqueologia no País encontra resistência por inúmeros fatores. O senso comum sobre a disciplina ainda está longe de ser alterado, mas as perspectivas são favoráveis ao desenvolvimento, tendo em vista o conhecimento por parte da academia sobre o silêncio da produção teórica em detrimento a prática arqueológica.

Na academia, a abertura e as possibilidades de pesquisa são infindáveis, trazendo a tona inúmeros questionamentos, principalmente no que diz respeito ao amadurecimento dos cursos de graduação na área, proporcionando com que as próximas gerações de arqueólogos consigam interpretar todo o processo arqueológico, sem fazer distinção entre teoria e prática.

III O HISTORIADOR – ARQUEÓLOGO

O modelo de arqueólogo enraizado no senso comum se origina do personagem cinematográfico Indiana Jones. Com uma atuação arqueológica bastante impar, o personagem cruza o mundo por desertos, mares e florestas, lutando contra aqueles que atravessam seu caminho em busca de grandes achados arqueológicos, ou na recuperação desses, sendo ao mesmo tempo, herói e professor universitário. O arquétipo da imagem de arqueólogo-herói criado pela indústria hollywodiana e difundido internacionalmente, é, com certeza, o oposto da realidade enfrentada de fato pelos arqueólogos atualmente.

Como é que se pode encarar a responsabilidade do arqueólogo face aos outros cidadãos? E face ao Estado?E a relação das Universidades, da cultura erudita, com a cultura popular e, ainda, com a Cultura de massas, que tem vindo a ser construída neste século, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial? (JORGE, 2010, p.100).

Mesmo que o mercado de trabalho para o arqueólogo seja muito amplo, onde o mesmo tenha oportunidades de lecionar, trabalhando em prol do desenvolvimento de pesquisas acadêmicas, museus, órgãos estatais, ou ainda, em parceria com empresas, função geralmente conhecida como arqueologia de contrato, as grandes expedições, em busca de grandes descobertas não são tão freqüentes.

Ao que tudo indica, a grande maioria dos arqueólogos do Brasil trabalham com Arqueologia de contrato, pois grande parte dos sítios arqueológicos é encontrada no decorrer de construções e obras. Por esse motivo, esses profissionais são chamados para análise da situação, com objetivo de pesquisar as condições do sitio, recolhendo material que servirá de base para analise, contribuindo para a continuidade do processo de mapeamento de sítios em nosso território.

Com isso, são tomadas as devidas providências para cadastramento do sitio junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para que o processo de pesquisa se desenvolva em parceria com as instituições de ensino e pesquisa. Nesse sentido, o arqueólogo de contrato atua muito mais em expedições do que seu colega acadêmico em função da prioridade e, consequentemente, da emergência na preservação de sítios com risco de destruição. Atualmente para os arqueólogos faz-se necessário que as saídas de campo sejam conciliadas com a atividade acadêmica, pois são indissociáveis uma vez que representam desenvolvimento para disciplina.

Entendemos que o caráter específico das próprias obras faz com que a pesquisa arqueológica tenha também um caráter que a condiciona, por exemplo, como o locar ou região onde a obra será construída, assim como na obediência ao cronograma, normalmente com prazos exíguos. Mas o que queremos salientar ainda mais é a possibilidade de identificação dos registros arqueológicos acaba diretamente condicionada ao padrão de implantação das obras (MONTICELLI, 2010, p.19).

Os motivos que influenciam diretamente as produções de teoria arqueológica são relacionados ao excesso de trabalho, mais especificamente, dos arqueólogos que atuam em obras de engenharia. Com o desenvolvimento e a urbanização, esses profissionais encontram-se sobrecarregados, divididos entre a ação em campo, em sala de aula e a publicação dos resultados de suas pesquisas. Nesse sentido, quanto maior o número de arqueólogos trabalhando em contratos, controlados por prazos, tendo que escolher quais etapas do fazer arqueológico serão aceleradas, mais a academia se prejudica, tendo em vista que o trabalho nesses sítios são complexos, onde o arqueólogo fica confinado, dedicado a convivência com apenas um grupo de pessoas, muitas vezes por um longo período de tempo, submetendo-se a diversas variações climáticas, ou seja, sendo muito mais fácil a produção de questões referentes a prática e a metodologia aplicada, do que propriamente teoria arqueológica.

Isso não quer dizer que mesmo as questões práticas não possuam teoria arqueológica, muito pelo contrário, estão impregnadas delas, porém, atualmente os arqueólogos utilizam-nas de forma silenciosa, ou seja, não se dando conta dos conceitos utilizados em suas publicações, focando o relato da experiência em si. Geralmente, de acordo com Pedro Paulo Funari (1994), o trabalho do arqueólogo pode ser dividido em quatro etapas: campo, triagem de laboratório, estudo e publicação. Em termos de publicação, como citamos anteriormente, o foco é naturalmente direcionado a reprodução das experiências vividas em campo, na aplicação de novas técnicas, do que propriamente o confronto ou concordância com alguma teoria existente.

O trabalho do arqueólogo geralmente começa por uma prospecção inicial, de superfície ou aérea, posteriormente inicia-se a escavação. No decorrer desse processo, os materiais encontrados são registrados e descritos em fichas de campo. Numa fase posterior, o material escolhido como relevante é encaminhado para laboratórios específicos, onde serão estudados, analisados e, por vezes, comparados com o material oriundo de outros sítios arqueológicos, na tentativa de uma checagem com outras informações.

Tendo sido feitas as devidas análises e comparações, chega o momento de encaminhar os achados para os testes de datação, geralmente realizados em dois laboratórios diferentes para que os resultados sejam confrontados e, assim, mais precisos. Feitos os testes de datação do material, torna-se imperativo que o arqueólogo associe as descobertas ao contexto histórico, buscando explicações plausíveis, acrescendo novas informações salientes a produção cientifica.

Apesar de tudo, os arqueólogos tiveram sucesso em construir um corpus de dados extenso e crescente, além de formular, acerca do passado, generalizações de nível baixo que têm resistido, ao longo dos anos, a cuidadoso escrutínio. Fundamentais nessas generalizações são as tipologias que foram elaboradas para a classificação dos achados arqueológicos. Em geral, aceita-se que essas tipologias são criações dos arqueólogos, e não reconstruções de categorias que teriam sido necessariamente significativas para os fabricantes e usuários do material estudado (embora , por vezes, tenha-se pretendido essa equivalência). As classificações refletem o empenho dos arqueólogos em datar, determinar a função e estudar o estilo do material arqueológico (TRIGGER, 2004, p. 372).

Nesse processo, o papel fundamental do arqueólogo é publicar as análises e reflexões sobre o material trabalhado de maneira com que o mesmo sirva de objeto de diálogo com as informações oriundas dos registros escritos. Assim sendo, seja a publicação feita por meio de catálogos, relatos de expedição, artigos e capítulos em livros especializados, o resultado do fazer arqueológico deveria se fazer presente também no contexto historiográfico, sendo imprescindível e rotineiro o cruzamento dos resultados entre cultura material e registros escritos.

A visão da sociedade sobre o papel do arqueólogo passa bem longe do que foi citado, sendo que muitas vezes os questionamentos sobre a profissão são feitos geralmente com espanto e surpresa. A sociedade parece não compreender nos dias de hoje a missão da Arqueologia e tampouco os afazeres dos profissionais da área.

Os reflexos dessa imaturidade e surpresa com relação à presença do arqueólogo no contexto social são facilmente explicados, tendo em vista a idéia de atuação que os aspirantes na área possuem ao chegar à graduação. Após estarem inseridos no contexto acadêmico percebem o número de universidades que oferecem o curso, e, posteriormente o mercado de trabalho em franca expansão que os aguarda. Assim, começa o processo de amadurecimento sobre o sentido arqueológico e as diversas formas de pesquisa que podem ser empregadas, bem como toda a interdisciplinaridade intrínseca nesses aspectos.

O fato de a Arqueologia ser uma disciplina de cunho extremamente científico, com uma área de atuação bastante ampla, fundamenta o crescente interesse por parte dos estudantes em descobrir mais sobre a profissão e sua colaboração para sociedade. Com isso, a oferta de cursos nas universidades públicas e privadas, uma vez que a ação da disciplina gira suas atividades em torno das demais Ciências Sociais, fomenta a interdisciplinaridade tão essencial ao desenvolvimento dos centros de pesquisa.

É bem verdade que a Arqueologia começou a ser difundida no Brasil num período após a Segunda Guerra Mundial, tendo sua afirmação somente nas décadas de 1960 e 1970, especialmente após o inicio das atividades do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA).

Durante esse período, no decorrer das décadas seguintes, aqueles que se interessavam na área viajavam ao exterior para buscarem ou complementarem sua formação, pois havia poucos profissionais no país com capacidade de orientar as pesquisas em desenvolvimento.

Atualmente, mesmo que em algumas cidades não existam cursos específicos de Arqueologia é possível trilhar outro caminho, buscando fazer a graduação em outro curso das Ciências Humanas, como por exemplo, em História, e posteriormente à tentativa do mestrado em Arqueologia, iniciando por um bacharelado com foco direcionado ao tema, pois a grande maioria das universidades possui em seus quadros arqueólogos com pesquisas em desenvolvimento e capacidade de orientação.

O número de arqueólogos no mercado brasileiro gira em torno de 500 profissionais. A disciplina é muito recente e o quadro atual de arqueólogos é restrito, sendo que as universidades que oferecem o curso estão em processo de formação especifica da primeira geração de arqueólogos, ou seja, grupos com formação apenas em Arqueologia, diferentemente do quadro atual onde a maioria dos arqueólogos é graduada em outras disciplinas.

Porém, o que fica evidente, é que a disciplina que deveria incitar o interesse na Arqueologia, por sua importância histórica, apresenta-se longe de ampliar a lupa sobre a importância dessa co-irmã, assim como de mudar seus próprios conceitos e atualizar seu rumo.

Estamos falando da História e da formação do historiador, que deveria ser um dos responsáveis pela transformação do quadro atual, agindo lado a lado com os arqueólogos na busca pela integração da Arqueologia como parceira na construção de um contexto histórico aberto a outras interpretações.

Com isso, tendo por experiência a prática no estágio curricular de licenciatura em História, pode-se constatar em sala de aula que o ensino de História vem se transformando com o decorrer das décadas, abrindo espaço para as demais disciplinas que compõem as Ciências Humanas, com exceção da Arqueologia.

As mais variadas teorias vêm sendo discutidas e o historiador ao ensinar encontra dificuldades, pois nele estão impregnados valores, tradições e influências teóricas, que se confrontam com teorias e práticas de ensino, assim como a visão sobre as demais disciplinas interligadas a História, como é o exemplo da Arqueologia.

Nesse sentido, é preciso encontrar o meio termo, a fórmula exata que permita que seu crivo seja compreendido e disseminado sem censuras, adaptado as metodologias pedagógicas, removendo o Historicismo11 das salas de aula e de seu cotidiano, quebrando a atual tradição de ignorar a interdisciplinaridade na prática, ao invés de discursar sobre ela e defendê-la na teoria.

Com isso, há um risco em ensinar história discutindo outras disciplinas aliadas, pois há uma carga ideológica que influência o historiador e a análise discursiva de ensino necessita invariavelmente de reflexão, de um processo de maturação, um método que permita:

Outros estudos, sem desconsiderar aquele caráter ideológico, preocupandose em analisar contradições manifestadas entre a História apresentada nos currículos oficiais e nos livros e a História ensinada e vivida por professores e alunos, buscando incorporar as problemáticas epistemológicas e a inserção da disciplina na “cultura escolar”. (BITTENCOURT, 2005 p. 59).

Há um pré-julgamento, direcionado especificamente àqueles que possuem uma visão mais crítica do processo de ensinar História, ampliando seu leque de opções e incluindo a interdisciplinaridade no contexto de sala de aula, fugindo um pouco da metodologia tradicional.

Pois o ensino de História parece estar preso ao final da década de 1970, onde o corpo docente da História em grande maioria era formado por educadores com Licenciatura em Estudos Sociais e uma minoria com Licenciatura plena em História, desconhecendo a amplitude interdisciplinar, engessando as práticas, tornando as mesmas sistematizadas, reféns dos livros didáticos e do continuísmo, silenciando disciplinas como a Arqueologia de sua rotina acadêmica.

Não há preocupação com o aparato teórico-metodológico direcionado ao ensino de História, assim como da Arqueologia, há discussões, mas a prática ainda é irrelevante para termos estatísticos. Com isso fica evidente que a discussão sobre o tema ainda é algo incipiente e anacrônico, tendo em vista as dificuldades de citar o processo arqueológico em outros contextos que não o da Pré História.

Marc Ferro (1983) sugere que não devemos nos enganar: a imagem que fazemos de outros povos, e de nós mesmos, do que acreditamos e do que achamos relevante, está inteiramente associada à História que nos ensinaram quando éramos crianças. Obviamente com forte influência daqueles que detêm o poder, ou seja, que controlam os parâmetros educacionais a serem adotados.

Com isso, temos uma discussão relacionada às práticas docentes de História, que associam a Arqueologia apenas a Pré-História e que se confrontam, em primeiro plano, com a questão cultural, que no caso Brasileiro exalta nossa cultura, nossa História, mas não discute diretamente as mazelas explícitas e presentes do processo educacional até os dias de hoje, que parece ignorar e omitir a interdisciplinaridade, como é evidente no caso da difusão sobre o que é Arqueologia e sua contribuição para a História.

Somente no processo de formação do Historiador se percebe o que nos foi omitido, e talvez omitido daqueles que nos ensinaram como é o exemplo da importância do pensamento arqueológico no contexto social. O ensino de História e a discussão sobre as disciplinas relacionadas à sua compreensão, implicam uma postura complexa em sala de aula. Existem universos paralelos no ensino e há diferenciações que precisam ser ressaltadas na análise do processo como um todo.

Outra discussão relevante trata sobre a distância da academia, nesse sentido, do meio escolar, do ensino e da dura realidade cotidiana enfrentada pelas escolas. No caso especifico da História, a carga de conhecimento adquirido se confronta com o novo papel assumido em sala de aula e as discrepâncias institucionais estabelecidas, tornando o docente de História, possível difusor da Arqueologia, um alienígena para o meio docente estabelecido, em função do mesmo tentar tornar interdisciplinares as questões de ensino-aprendizagem.

De acordo com Circe Bittencourt (2005), têm-se exigido dos educadores muitas responsabilidades que extrapolam suas atribuições no plano individual. Cabe-lhes, sim, apontar coletivamente aberturas institucionais para enfrentar essas novas demandas, assim como abrir espaço para outras disciplinas.

As universidades têm formado centenas de novos educadores, animados e entusiasmados com o ofício escolhido. Durante a licenciatura estes querem provar que são libertários escolhidos para a difícil missão de ensinar, produzindo em seus relatórios e TCCs um mundo paralelo, com novas técnicas de ensino, interdisciplinaridade, utilização de imagens, saídas de campo, conhecimento de sítios arqueológicos e seminários etc. Porém, a triste constatação é que estes novos educadores em pouco tempo se contagiam com a inércia e a descrença no sistema educativo, igualando-se àqueles que tanto criticavam: os professores tradicionais.

A História progrediu? A pergunta é bastante natural para alguém que se aproxima da aposentadoria e olha para trás após quarenta anos de estudo da história, sucessivamente como estudante universitário, pesquisador e, a partir de 1947, professor no Birkbeck College. É quase como se estivesse perguntando: o que estive fazendo em minha vida profissional? (HOBSBAWN, 1998, p. 68).

Culpar o sistema, culpar o Estado, educandos e administrações é o comum, tornar-se isento da responsabilidade é o processo menos penoso e o mais aprazível. O colapso educacional é histórico. Com isso, o docente de História tem na sua consciência alguns questionamentos, encontra-se dividido, problematizando o fazer História, o fazer sociocultural, interdisciplinar e acadêmico. A natureza crítica não o isentará da responsabilidade que possui de compartilhar as influências de outras disciplinas, dentre elas a Arqueologia, fomentando a idéia de oposição ao senso comum.

Conforme Circe Bittencourt (2005), faz parte da natureza docente exercitar a mediação reflexiva e crítica entre as transformações sociais concretas e a formação humana dos educandos, questionando os modos de pensar, sentir, agir e de produzir e distribuir conhecimentos.

Os formandos, em estágio curricular, vislumbram-se com o ato de ensinar, de contar outra História, de introduzir os conhecimentos arqueológicos e como muitos dizem “um novo olhar”, expressão da moda e utilizada inclusive por grandes autores. Em seus relatórios, procuram detalhar as inovações no campo pedagógico e histórico, criticando a metodologia dos educadores titulares. Porém, esquecem-se que o maior dos autores é o tempo, não prevendo suas ações futuras.

Com isso, é mais fácil acreditar no mais simples, ou seja, culpar o educador mais antigo, ignorante por não conhecer outra disciplina, que em muitos casos é justificável, mas o mais complexo é tentar entender o que aconteceu, no decorrer dos anos, para que o prazer pelo ensino e descoberta desse educador fosse perdido.

No percurso do ensino da História, com as constantes alterações desde a década de 1980, os docentes em exercício há mais de duas décadas poderiam estar melhores instrumentalizados, ou seja, sua metodologia poderia estar adaptada aos dias atuais, interligados e em comunicação constante com a Antropologia, Arqueologia e Ciências Sociais.

Esse quadro é semelhante ao dos docentes recém formados, que se utilizam das mesmas metodologias, focados apenas na questão financeira, ao invés do crescimento intelectual, ou seja, mais uma vez agem da mesma maneira daqueles que criticam, esquecendo a riqueza que o aperfeiçoamento pode-lhes garantir no desenvolvimento de sua carreira acadêmica.

A discussão sobre a inclusão da Arqueologia no ensino de História é fundamental para que o processo de formação tome novos rumos e os objetivos da disciplina comecem desde o ensino fundamental, passando por uma completa reestruturação dos objetivos da disciplina citados de forma superficial nos livros didáticos.

A função do Historiador como educador e o desafio de adaptar a historiografia a sala de aula, promovendo a interação das teorias historiográficas pedagogicamente, aproximando os educandos deste universo e apresentando um novo viés do ensino de História serve de exemplo para que os Arqueólogos tentem adaptar, da mesma forma, suas concepções teóricas no mesmo contexto de ensino, exigindo o espaço a ser preenchido pela disciplina do processo de formação dos educandos.

O ímpeto investigativo e combativo da História pode ser inserido no contexto escolar, onde o historiador - educador fará uso de sua concepção teórica de maneira sutil, buscando um equilíbrio sustentado na ânsia da interatividade e no fomento a produção de pesquisa desde o ensino fundamental, podendo também propor reflexão sobre as demais disciplinas que fazem história, como é o caso da Arqueologia.

A questão em análise não é um processo acabado, devidamente situado historicamente, pois se trata de um processo em transformação na sociedade contemporânea. Portanto, determinar que as metodologias do ensino da História se restrinjam , ignorando sua capacidade interdisciplinar e de incentivo a reflexão sobre sua relação com a Arqueologia, torna-se contraproducente para as ambições de aperfeiçoamento das Ciências Humanas.

Contudo, percebe-se que integrar o ensino de História a Arqueologia, apresenta um potencial transformador nas duas áreas, uma vez que proporcionará a reflexão desde o ensino fundamental sobre a interdisciplinaridade, tornando-se essencial no sentido da produção de pesquisas futuras e consequentemente de teoria.

O longo percurso trilhado na licenciatura, com objetivo de se tornar educador, faz com que o educando de História busque agir como agente integrador e vinculador da História com o senso comum. Nessa interação, a maior transformação se dá na compreensão do sentido do passado e no sentido que podemos dar a ele, especificamente ao ensinarmos. Desta forma, a responsabilidade do historiador educador recém formado compromete sua compreensão do passado, o cegando para as demais disciplinas que constroem História, vendo-se confuso. Esse processo é o confronto entre o historiador e o historiador educador, onde as teorias historiográficas e as de ensino-aprendizagem se confrontam.

[...] mas tem a sua própria regularidade e racionalidade; que certos tipos de acontecimentos (políticos, econômicos, culturais) relacionaram-se, não de qualquer maneira que nos fosse agradável, mas de maneiras particulares e dentro de determinados campos de possibilidades; que certas formações sociais não obedecem a uma “lei”, nem são os “efeitos” de um teorema estrutural estático, mas se caracterizam por determinadas relações e por uma lógica particular de processo [...] (THOMPSON, 1981, pag. 61).

Talvez esse processo explique a postura de alguns educadores, que parecem rejeitar o passado, as demais disciplinas que compõem as Ciências Humanas, sem o amparo da visão analítica da historiografia, adotando uma postura banal de ensino, utilizando os livros didáticos, analisando o passado de forma anestesiada e conformada, sem problematizações, sem interdisciplinaridade, aplicando os determinismos convencionais do senso comum.

História e Arqueologia fomentam um debate acirrado, onde historiadores e arqueólogos o qualificam com suas posições de análise embasada em suas fontes, sejam registros escritos, seja cultura material. O tema exige uma reflexão apurada, pois envolve pressupostos teóricos que dialogam entre si, o que no ponto de vista da grande maioria pode acabar com o monopólio dessa ou aquela disciplina. Por isso, neste capitulo, a idéia de analisar a formação do arqueólogo através dos pressupostos teóricos da História e de formação do historiador educador, difere de uma proposta focada especificamente da análise educacional, pedagógica e metodológica da Arqueologia.

A reflexão proposta se incute na questão macro de História e Arqueologia, mas revela um universo de pormenores que não são discutidos, por vezes ignorados, contagiando uma produção científica desfalcada de fatos que somente são conhecidos na prática. As produções vêm crescendo acerca dessa relação, mescladas ao continuísmo e a um modismo segmentado, que intervém diretamente nas experimentações de novas alternativas de análise, ou dos fatores que interferem neste processo.

As considerações teóricas abordadas por autores que analisam o tema não abrangem as questões teóricas entre a Historiografia e uma possível Arqueistoriografia (MILHEIRA, 2006). Após uma imersão na historiografia no decorrer da graduação, com objetivo de equalizar os conceitos teóricos e práticos para que se possa aplicá-los da melhor maneira possível, entende-se que o ato de compreender e ensinar História são na verdade um mergulho na historiografia e na interdisciplinaridade.

Com isso, percebe-se que as aspirações acadêmicas não se limitam apenas à academia, mas sim ao choque da análise experimental, muitas vezes confrontante com as concepções teóricas aprendidas, fazendo com que se busque uma alternativa plausível para compreensão do quadro atual.

No caso específico da análise da formação do historiador, imprimiu-se um ritmo indutivo, focado e calcado no sentido de entender o processo de transformação do recém formado historiador em arqueólogo combativo e ciente de sua missão. Incorporando as metodologias sob essa ótica e desafiando o conceito de ensino-aprendizagem. A tarefa foi penosa, no que diz respeito às dificuldades de compreensão e interpretação desse processo não citado na bibliografia pesquisada.

A idéia que fica ao término dessa reflexão gira em torno das diferenças nos processos de formação do historiador e do arqueólogo, pois nesses processos encontram-se as respostas que elucidam a ausência da teoria arqueológica na historiografia. Sabe-se, entretanto, que as lacunas presentes no questionamento proposto só serão preenchidas na medida em que a teoria arqueológica fazer-se presente no contexto historiográfico, não sendo mais uma teoria silenciosa por de trás das indagações acerca do pensamento histórico.

O embasamento teórico deste trabalho fala por si, e revela que o tema em questão, apesar de pouco explorado e bastante complexo em sua estrutura, remete a profunda e duradoura relação de História e Arqueologia e o hibrido resultante dessa relação: o historiador – arqueólogo, alternando os ofícios e as responsabilidades para com a compreensão e construção do pensamento histórico.

CONCLUSÃO

O presente trabalho foi amadurecido durante o Estágio em História III no curso de licenciatura em História da Universidade Luterana do Brasil, no primeiro semestre de 2010, sob a orientação da Profª.dra. Gislene Monticelli. As experiências durante o estágio influenciaram a reflexão acerca do distanciamento entre teoria arqueológica e historiografia, analisando as conseqüências desse processo no contexto atual das duas disciplinas.

Durante a pesquisa, foi necessário relacionar referenciais teóricos que ajudassem a compreender o processo de desenvolvimento teórico das duas disciplinas de forma que fosse possível constatar os motivos pelos quais teoricamente as mesmas estão afastadas e quais os fatores que impulsionaram essa situação.

A questão cerne no desenvolvimento desse trabalho foi sempre relacionar teoria arqueológica e historiografia, de maneira contínua, uma vez que se torna difícil compreender como nesse imenso universo de produções acerca do pensamento histórico não encontre relações referentes à teoria arqueológica e suas inegáveis contribuições ao pensamento histórico nos campos historiográficos.

Fora o fato evidenciado pela bibliografia pesquisada, outro fator não menos importante diz respeito à ausência de uma proposta de inserção da teoria arqueológica na historiografia e, porque não dizer, vice e versa por parte daqueles que pensam os rumos das duas áreas.

Entende-se que a interdisciplinaridade está profundamente imbricada no desenvolvimento da História e da Arqueologia, que sempre se apoiaram nas demais áreas das Ciências Humanas, de maneira explícita e nada velada. Entretanto, quando relacionamos Arqueologia à História, logo se percebe que a grande maioria de historiadores descreve em suas obras essa relação apenas como de suporte, como se a Arqueologia fosse puramente empírica, onde arqueólogos vivessem eternamente envolvidos em escavações, incapazes de produzir teoria ou então de alterar os rumos da História, com exceção das constantes descobertas préhistóricas.

Esse pensamento influenciou diretamente este trabalho, uma vez que, em todas as áreas em que a atuação do arqueólogo seria decisiva, existem pressupostos estabelecidos pela academia, mais especificamente por historiadores. Com isso, buscou-se ao longo da pesquisa entender, em primeiro momento, o sentido da Arqueologia e suas relações como meio cultural, social e acadêmico para que, de posse dessas informações, fosse possível sustentar a inserção da teoria arqueológica na historiografia, comprovando os diferenciais resultantes do fazer arqueológico.

E essa busca, originou-se, em primeiro plano, de uma série de acontecimentos evidenciados ao longo da pesquisa. De uma suposta inversão de lógica, da contrariedade em se adaptar a um modelo de pensamento segmentado e ampliado no meio acadêmico do qual a academia tanto se orgulha.

Para que isso pudesse acontecer, era preciso necessariamente se ater numa linha de pesquisa atenta as armadilhas do vicio de simplificar processos, oriundos do modelo eurocentrista, raramente influenciada por temores de acerto ou não, mas sim de descoberta, de inovação e da busca por alternativas que pudessem dar novas perspectivas aos rumos do tema em questão.

Com isso, relatou-se durante os três capítulos as relações das duas disciplinas, bem como os afastamentos de ambas. Isso não quer dizer que as duas disciplinas não possam ser independentes, mas a defesa proposta é que para analise do contexto histórico como um todo, faz-se necessário que a Arqueologia não seja tratada pela História apenas como suporte no período pré histórico.

O exemplo disso se dá no desenvolvimento da Arqueologia em nosso país, uma vez que a institucionalização da disciplina teve seu inicio há quase 60 anos e ainda hoje os licenciados em História, seja no ensino fundamental ou médio, apenas abordam a disciplina como ferramenta de suporte ao lecionar o período pré-histórico, ou então, o que é mais grave, as universidades disponibilizarem poucas cadeiras relacionadas ao tema nos cursos de História.

Na historiografia, as discussões giram em torno das reflexões sobre o papel do historiador, questões relacionadas as identidades nacionais, uso ideológico do discurso histórico e os legados dos grandes pensadores deixados aos historiadores. Em todo esse contexto, onde muitas vezes são citadas a variedade de fontes e as metodologias aplicadas, dentre elas podemos citar a História Oral, o objetivo da Arqueologia não é citado e consequentemente sua teoria aos olhos da historiografia não existe.

Nas análises historiográficas feitas por grandes historiadores o papel da Arqueologia é sempre o mesmo: estático e situado no período pré-histórico. Com isso, fica o questionamento de como fica a escrita da história, uma vez que são omitidas as contribuições da Arqueologia nos períodos posteriores a pré-história?

Nesse sentido, este trabalho tentou trazer à tona a discussão sobre o papel da teoria arqueológica na explicação e confronto da interpretação de temas já perpetuados na academia e no contexto historiográfico. Com isso, aponta-se a saturação de produções que se baseiam apenas na releitura de pontos de vista de outros historiadores, sem a apropriação da fonte primária e do possível interrogatório a ser desenvolvido.

Outro fato a ser lembrado diz respeito a discussão sobre ação dos Arqueólogos no que tange a teoria. Pois como é possível sustentar toda uma prática metodológica em torno de sítios arqueológicos com uma teoria silenciosa? Percebemos, nas inúmeras obras pesquisadas, apontamentos sobre ausência de teoria, o que com certeza está equivocado, pois não existe exatamente a falta de teoria, mas sim que a mesma esteve implícita no desenvolvimento das produções.

Porém, mesmo com tais apontamentos, o que fica inegavelmente evidenciado é que as iniciativas são muito limitadas e realizadas por poucos que trabalham para o amadurecimento da disciplina. Na bibliografia sobre teoria arqueológica nada é mencionado sobre o embate do corpo teórico da disciplina com a historiografia ou mesmo discutir o distanciamento da História com relação à Arqueologia.

E se de fato alguma ação nesse sentido tivesse ocorrido, haveria uma luta para que os parâmetros nacionais de ensino tivessem se adaptado, como foi o exemplo da obrigatoriedade de ensino da cultura afro no ensino fundamental e médio. É bem verdade que há uma lei que obriga o ensino ao povo indígena, mas reeducar os índios não significa resgatar nossa identidade cultural e sim o inicio de um processo de aculturação, conforme nosso modelo tradicional de ensino.

Portanto, esse trabalho identificou omissões de ambos os lados, préconceitos estabelecidos e uma série de desencontros que obviamente se derivam de nosso passado colonial, de nossas influências eurocentristas e da falta de perspectivas no que diz respeito a uma possível aproximação dos corpos teóricos das duas disciplinas, aproximação essa que possa permitir discussões pontuais sobre o pensamento histórico.

Assim sendo, fica o registro da tentativa de alterar o quadro atual de produções sobre a Arqueologia, onde o foco é a produção de pesquisas metodológicas ou então falar sobre teoria, informando o que todos já sabem, que há escassez de trabalhos nessa área.

A proposta de discutirmos a ausência da teoria arqueológica na historiografia faz-se mais pertinente do que afirmarmos a ausência de teoria na Arqueologia, pois explícita ou implicitamente a teoria perpassa por todo o processo empírico, que neste caso especifico se refere às práticas arqueológicas.

Os apontamentos com relação à academia e as posturas adotadas tanto por arqueólogos como historiadores são fruto de uma análise embasada nos anos de pesquisa dentro da universidade, onde jamais se ouviu falar sobre um possível distanciamento entre Arqueologia e História, ou, quem sabe, nem a própria academia percebe esse processo. De certa forma, esse distanciamento está subentendido, mas não é amplamente discutido, fato que no desenvolvimento desse trabalho se confirmou.

Portanto, é possível afirmarmos que o hibridismo das duas profissões tornase evidente a partir do momento em que se faz necessário confrontar a tradição acadêmica com resultados oriundos da cultural material. Analisar os registros escritos e a cultura material do passado é oficio do historiador assim como do arqueólogo, pois são indissociáveis, sendo necessários embasamentos das duas disciplinas para que os profissionais possam contextualizar e criar hipóteses para as reconstruções do passado.

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Publicado por: RODRIGO VIEIRA PINNOW

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