A Sociedade Precisa Saciar a Fome de Experiência

             Há milhares de anos, não existiam as letras, toda a comunicação era passada de pai para filho na tradição oral. Muitos séculos depois, o homem inventou os símbolos que representam as idéias: a escrita. Esta é uma das maiores conquistas da humanidade. Antes, o homem também se comunicava a partir de figuras desenhadas em paredões e rochas, muitas vezes em cavernas, cujos símbolos representavam as coisas que se queria registrar.

A comunição escrita depois de inventada, tem sido difundida, para expressão dos pensamentos, idéias, informações, diálogos e expressões do poder. “Eu creio no poder das palavras”, Jorge Larrosa.  Além das palavras, o homem tem a possibilidade em usar outros meios de expor o que sente / pensa, pelas imagens e gestos, mas nem sempre o sinal que ele dá é entendido em todo o lugar, pode ocorrer um entendimento errôneo do que o indivíduo (que faz os gestos) quer realmente dizer. Já quando se fala, está falado, a mensagem foi dita com clareza, mesmo que o interlocutor use um vocabulário metafórico, ainda assim sempre terá alguém que o compreenda, independente da língua usada.

            A sociedade atual não descobriu a comunicação, apenas trouxe complexidade ao seu desenvolvimento. Alguns teóricos acreditam que a comunicação entre dois seres humanos acontecia por grunhidos e ao longo dos anos houve um desenrolar que acabou culminando na elaboração de um vocabulário vasto, hoje usado diariamente na sociedade. O ser humano em sua essência é todo simbólico, pois codifica o tempo todo tudo o que vê, ouve, observa e fala e assim exerce uma troca de informações / simbólicas com outro ser que também passa pelo mesmo processo, mas levando em consideração a personalidade interior evidente ou não em cada ser na sociedade.

Por outro lado, as palavras, possuem sentidos que podem ser maquiados, pois, o indivíduo fala não o que pensa ou sente, mas o que tem que dizer, quase obrigatoriamente, por medo de represálias ou de ser mal interpretado. Isso pode ser considerado uma espécie de censura, seja ela interna advinda da própria consciência do indivíduo ou externa proveniente do âmbito social /cultural. Observando por esse aspecto, deve ser levado em consideração o questionamento gerado por Larrosa sobre o real significado da palavra experiência. Tal palavra, é usada para definir uma espécie de fase que o indivíduo tenha passado. Comentam a massa “aquela pessoa tem experiência” seja dentro de uma ou outra área.

Um exemplo, bem simples é quando um indivíduo quer ingressar em determinado cargo, que exige experiência de um ou dois anos para pelo menos estar apto a concorrer, precisa ter a dita experiência, ou seja, ter exercido uma função semelhante ao cargo pretendido. Mas afinal, o que consiste uma experiência? No ponto de vista empregatício, é quando alguém passou por um determinado tempo trabalhando num cargo. E quando há concorrência, de um ou mais indivíduos, como definir qual dessas pessoas se adaptará a nova função?  Será que todas essas pessoas terão uma bagagem intelectual/ profissional semelhante só pelo fato de terem estado na mesma função? Essas indagações são complexas, pois uma pessoa pode ter se dedicado mais que a outra, e ambas podem ter tido situações parecidas, mas nunca terão experiência igual. Então, como definir o que é a real experiência?

Segundo o senso comum, tudo pode ser considerado experiência, (palavra originária do latim – experiri – provar – experimentar), mas para Larrosa, só é experiência “o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca (...) não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca”. Segundo esse autor, a informação, a opinião, a falta de tempo, o excesso de trabalho são fatores que impedem o sujeito de experimentar a real experiência.

Informação. Cancela a possibilidade de experiência. “Uma sociedade constituída sob o signo da informação é uma sociedade onde a experiência é impossível”, Larrosa. Nem sempre isso acontece, pois uma determina pessoa pode ficar informada de um fato ocasionado na vida de alguém e assim passar por uma situação semelhante. Pode “reviver” a experiência alheia de forma parecida, mas nunca idêntica, porque ocorre a interferência da personalidade, do tempo e espaço, onde este indivíduo está localizado. A exemplo disso, é o uso do tabaco, constantemente mostrado pela mídia e até na própria embalagem do produto, onde constam fotos de pessoas atingidas pelo vício. Mesmo obtendo tais informações algumas pessoas não cessam de fumar, podendo assim se tornarem vítimas de uma experiência semelhante a informação lida e vista.

            Opinião. Anula a possibilidade de experiência. Hoje no âmbito social a opinião ocorre de forma simples e errônea, muitos são a favor ou contra determinado assunto, mas se fossem questionados porque pensam desta ou daquela forma ficariam sem saber responder. Opinião realmente anula a experiência de forma direta, pois pela opinião de alguém uma pessoa pode deixar de ter certa experiência seja ela positiva ou negativa. Isso pode acontecer a um receptor da notícia, que fica informado que uma rua tal é taxada como perigosa pela freqüência do número de assaltos, cria um estereótipo dela, que nela está o perigo e desta forma deixa de transitar por aquele lugar. Sendo que o fato ocorrido há ou não possibilidade de repetição.

            Falta de tempo. O ser humano atual é pleno de atividades, trabalha o dia todo, estuda, faz cursos e exerce atividades de vários tipos, tudo ao mesmo tempo, pretendendo estar sempre diante da novidade, tornando-se então um obcecado pelo novo. E em conseqüência disso, a falta do silêncio e de gravar algo na memória gera uma espécie de impedimento da experiência verdadeira, a qual segundo Larrosa é praticamente impossível na sociedade atual. Porque cada vez mais a sociedade impõe atividades ao homem, que mergulhado em tanta coisa, é sufocado e perde um tempo precioso, o qual nunca vai conseguir retomar, onde uma reflexão poderia o levar a uma experiência de usufruir sua vida plenamente analisando cada fato e não vivendo cada dia como se fosse apenas mais um.

Excesso de trabalho. Assim como a falta de tempo, esse ponto, constitui em restrição à experiência, porque quando alguém está acumulado de trabalho, não consegue reservar um período para pensar e interromper o ato “trabalho” para obter uma experiência intra ou extra mental, na qual faça acontecer, e seja apoderado por ela, fazendo-o tombar e o transformar de dentro para fora e fora para dentro do ser.

A experiência é individual e única. Entretanto, para haver a reprodução da experiência, o sujeito, precisa se desprender e se deixar transformar, assim a experiência seria devidamente ativada, ou seja, uma experiência real é aquela que marca o indivíduo. Ninguém pode aprender da experiência do outro, talvez tente, mas será impossível. Por exemplo, duas pessoas podem ir viajar para um mesmo lugar na mesma época, mas cada um teve sua experiência, um pode retornar à sua casa transformado pelo que viu, já o outro fica arrependido e acredita ter perdido tempo e considera que não aprendeu nada, ambos tiveram experiências semelhantes, mas não iguais. Para que haja experiência o ser humano precisa ficar exposto às incertezas, do que pode acontecer, pois por ela poderá vir o padecimento ou a felicidade. Porque a experiência significa uma travessia, uma espécie de perigo, uma transição de uma fase a outra, do antes e depois.

A experiência não se resume a um fato, ela pode ser entendida como uma espécie de conhecimento, onde a interpretação e a apreensão são um resultado imediato na relação objeto – sujeito, pois pode dar vasão ao objeto reconhecer que no novo ocorre algo já existente ou reconhecível. De nada adiantará separar teoria da prática (experiência) elas precisam estar entrelaçadas uma à outra, porque uma teoria sem prática não passa de uma legítima abstração. É a prática que gera questões, problematiza e instiga, já a teoria impulsiona a reflexão. Na comunicação é necessário haver uma teoria constituída de um processo histórico, que reflita as experiências e tendências  da vida social.

Tanto é que em meio à comunidade há uma diversidade cultural sem precedentes, onde paira o objetivo da perfeição cultural / intelectual, poucos adquirem tal benefício, no máximo captam a informação, aquele que consegue é por se apropriar adequadamente de certos bens (conhecimento), denominado cultura. Diante disso, observa-se que os meios pressupõem ultrapassar os fins, que o trajeto não importa, somente o alvo / linha de chegada.

Pensando assim, onde está a ética? Os fins realmente justificam os meios? Questões que precisam ser debatidas na sociedade que se encaminha para sua própria degradação cultural / humanitária / social, onde prevalece os “fortes” ou talvez “fracos”?  Onde a técnica ultrapassa seu valor tecnológico e transforma o homem em máquina e a máquina em homem. Acredita-se que a revolução tecnológica em curso supõe chegar o tempo em que os dominados pela tecnologia sejam tragados por ela a tal ponto que seus cérebros vão obter microchips  conectados a elas. Isso é utópico? Talvez não. Hoje já há experiências tecnológicas onde seres humanos “cobaias” usam pequenos dispositivos em baixo da pele para serem localizados via satélite em qualquer lugar do mundo.

Deixará o homem ser dominado pela máquina ou a máquina será dominada pelo homem. Quem vai prevalecer?  Hoje o homem é todo constituído por técnica, experiência e tecnologia, desde a tecnologia mais simples (energia elétrica) até a mais complexa (robôs) está por  traz das fontes da comunicação. Por outro lado, mesmo estando entrelaçada uma à outra – tecnologia e comunicação, ainda há seres humanos que as comandam.

A televisão, um meio de comunicação popular, onde são “impostos” diariamente muitas informações consideradas de baixa cultura, um meio no qual poderia servir para elevar o nível cultural da maioria, na realidade serve para rebaixá-los ainda mais a um estado de insignificância tal que a “novela” é mais “atraente” que o noticiário. De que adianta tanta tecnologia se ela não está sendo usada para o benefício cultural? Muitos são  os computadores de última geração, mas eles sozinhos não podem alterar o conteúdo “informativo” transmitido na televisão, rádio e jornal, porque continuam sendo manipulados pelos “donos da informação”, que não estão interessados no crescimento cultural / intelectual da massa, querem apenas dar  “pão e circo” facilitando sua permanência no poder midiático – cultural/ intelectual.

A massa não gosta de uma programação diferente a que recebe? Será? Como saber? Se a massa não tem opção de troca de canal, no caso da televisão. Quem sabe por meio da implantação da TV digital em andamento de implantação no Brasil haja a possibilidade de inserção de novos canais até na cidade mais longínqua. Isso pode levar um longo período para acontecer, mas caso ocorra a cultura pelo menos terá oportunidade de ser adquirida pela maioria, diferente de hoje que são poucos que a retém.

Cabe a quem obter um nível cultural satisfatório saber usufruir e então desenvolver uma sociedade consciente, onde haja a concretização teórico-crítica, uma prática-técnica e uma cultura-tecnológica, tudo para as pessoas conviverem melhor umas com as outras e não deixarem que a máquina as domine, mas sim terem chance de dominarem a máquina e obterem um meio para ajudar no desenvolvimento sócio-cultural de todos. E assim, conseguirem matar a fome da experiência autêntica, àquela que transforma de dentro para fora, tocando e revolucionando o ser humano na sua essência. Sabendo também que ninguém sabe / conhece tudo e a aprendizagem precisa ser diária, em busca da perfeição cultural mesmo que essa seja contemplada à distância.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

Agência Carta Maior. Tecnologia nacional aparece como alternativa para a TV digital 11/01/2006.

 

RÜDIGER, Francisco. A tragédia da cultura na era da técnica: Georg Simmel. UFRGS, PUC.

 

LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Artigo.


Publicado por: Cristiane do Prado

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