A Escolástica e Mestre Eckhart

INTRODUÇÃO

Por mais que alguns historiadores insistam em chamar a Idade Média de Idade das Trevas – tanto em campo científico, como especulativo em geral - ou outros termos semelhantemente pejorativos, não se podem ignorar as muitas contribuições que nos advém desse período.

É nesse sentido que o presente trabalho se propõe a dar uma visão geral sobre este período e corrente da história da filosofia: a Escolástica. Também se pretende aqui um aprofundamento de mestre Eckhart nesse contexto.

Considerando a vastidão do objeto de pesquisa e de tudo o que até aqui já se falou dele, escolheu-se proceder da seguinte maneira para um melhor aproveitamento do tempo e espaço disponíveis: primeiro as considerações sobre o conceito “Escolástica” (1º capítulo); em seguida um visão sobre o percurso histórico da Escolástica (2º capítulo); depois um apanhado sobre mestre Eckhart, levando em conta seu contexto, sua vida e sua produção; por fim, considerações finais, que não têm (e nem podem ter, dado o próprio objeto pesquisado) a pretensão de ser uma conclusão, mas sim o papel de fazer uma ligação de mestre Eckhart, homem de seu tempo, mas com idéias bem em moda nos tempos atuais.

Espera-se, portanto, com esta pesquisa, a obtenção de mais um instrumento de análise da tão famosa Escolástica e o nem tão conhecido nesse meio mestre Eckhart. Bom proveito!

1. ETIMOLOGIA DO TERMO “ESCOLÁSTICA”

O termo “Escolástica” deriva claramente de “escola”. No latim, scholasticus designava justamente o professor das artes liberais, depois o de filosofia ou teologia, seja primeiramente nas escolas dos conventos, mosteiros e catedrais, seja posteriormente nas Universidades.

Assim, a Escolástica é a filosofia cristã da Idade Média, em sentido estrito e, por extensão, toda filosofia cristã que vise a afirmação da fé através da razão, utilizando-se, para esse fim, de uma filosofia ou um sistema filosófico já estabelecido e famoso.

Neste trabalho, será tomado por Escolástica, somente o que se refere ao primeiro sentido, ou seja, a filosofia cristã no contexto específico da Idade Média, mais especificamente a Alta Idade Média (séculos IX a XIV), em distinção à Patrística, da Baixa Idade Média.

1.1 Aprofundamento do conceito

No período da Escolástica, as formas de ensino eram basicamente duas, que poderíamos claramente comparar àquilo que são hoje nossas aulas expositivas e seminários, respectivamente:

A lectio, ou seja, o comentário de um texto;

A disputatio, que consistia na discussão de determinado problema a partir do exame dos argumentos favoráveis e contrários.

Por isso, a atividade literária nesse período, além de muito importante, assumiu principalmente a forma de comentários ou de coletâneas de questões.

A tarefa intelectual fundamental dos pensadores escolásticos era a defesa da fé com argumentos racionais, tendo em vista que, sendo razão e fé dons provenientes do mesmo Deus, era inconcebível que as duas fossem inimigas ou contrárias, senão que devesse colaborar para a realização do próprio homem.

Assim, não podemos considerar a Escolástica como propriamente autônoma como a filosofia grega. Sendo sua finalidade essa acima estabelecida, o que se fazia nesse período era apenas usar uma filosofia determinada (sobretudo o neoplatonismo ou o aristotelismo) para a explicitação dos dogmas da religião. Vigoraria então o argumento da autoridade para que se fosse aceito como válido um argumento.

“Auctoritas é a decisão de um concílio, uma máxima bíblica, a sententia de um Padre da Igreja ou mesmo de um grande filósofo pagão, árabe ou judaico. O recurso à autoridade é a manifestação típica do caráter comum e supra-individual da investigação escolástica, em que cada pensador quer sentir-se apoiado pela responsabilidade coletiva da tradição eclesiástica”.1

Entendendo Escolástica como “a filosofia e a teologia que eram ensinadas nas escolas medievais”2, é importante entender também o que e como eram as escolas.

Quando Justiniano determinou o fechamento das escolas pagãs no século VI, marcou-se o fim da cultura pagã. A nova cultura que foi lentamente se formando a partir se deu a partir da abertura de novas escolas ou absorção das antigas em novas instituições educativas, pela Igreja.

Essa reorganização do sistema de escolas medievais foi promovida em larga escala pelo iletrado Carlos Magno. Até a formação das Universidades, no século XIII, as escolas eram basicamente monacais (anexas a um mosteiro), episcopais (anexas a uma catedral) ou, posteriormente, palatinas (anexas à corte – palatium). Quando das invasões bárbaras, as monacais representaram um refúgio privilegiado para a cultura, devido à transcrição e à conservação dos clássicos. As escolas episcopais, por sua vez, serviam para a instrução elementar, tanto para o acesso ao sacerdócio como para as funções públicas.

Mas para o redespertar da cultura, a escola que mais contribuiu foi a palatina, idealizada por Carlos Magno e confiada em 781 a Alcuíno de York (730-804). Ele organizou o ensino da seguinte maneira3:

Leitura, escrita, noções elementares de latim vulgar e compreensão sumária da Bíblia e dos textos litúrgicos;

Estudo das sete artes liberais, a saber, trivium – gramática, retórica e dialética (lógica) – e quadrivium – aritmética, geometria, astronomia e música;

Estudo aprofundado da Sagrada Escritura.

Já as Universidades foram produtos e novidade da Idade Média, visto que, se para as escolas havia os modelos da Antigüidade, para aquelas não havia modelo algum.

O termo em si não designava originalmente um centro de estudos, mas uma associação corporativa, uma guilda, estudantil, como em Bolonha (universitas scholarum) ou de mestres e estudantes, como em Paris (universitas magistrorum et scholarum). Essas associações se distinguiram das demais escolas principalmente pelos privilégios que lhes foram concedidos e por estarem submetidas à cúria romana (era um representante da Igreja que formulava os estatutos, por exemplo) e não à autoridade local.

A Universidade de Nôtre-Dame (Paris), surgida de uma ampliação da escola episcopal, teve uma proeminência sobre as demais ao longo da Idade Média. A ela e a Bolonha seguiram também Oxford e Cambridge.

Mais à frente se falará mais sobre a importância e as influências da Universidade para a Escolástica.


2. ORIGEM, DESENVOLVIMENTO E DECLÍNIO DA ESCOLÁSTICA

A escolástica costuma ser dividida em três grandes períodos4:

Alta Escolástica – século IX ao fim do século XII: confiança na harmonia intrínseca e substancial entre fé e razão e na coincidência de seus resultados;

Florescimento da Escolástica – 1200 aos primeiros anos do século XIV: grandes sistemas, onde se considera que a harmonia entre fé e razão seja apenas parcial, apesar de não considerar possível oposição entre ambas;

Dissolução da Escolástica – das primeiras décadas do século XIV ao Renascimento: oposição entre fé e razão como tema básico.

Qualquer esquematização de períodos corre o risco de querer aprisionar o fenômeno em si. O que se quer aqui com essa periodização é apenas melhorar a didática, pois, qualquer exceção que apareça no percurso servirá para confirmar a regra. Tomando como ponto de vista para o estudo da filosofia na Idade Média a relação entre razão e fé que fizeram seus expoentes acabará por nos permitir conhecer um pouco mais não só do conteúdo como também da realidade mesma desses autores e do ambiente circundante. O que pode servir, por sua vez, para uma melhor compreensão da nossa própria realidade.

Partindo desse pressuposto, ponhamo-nos a examinar essa classificação da Escolástica.

2.1 Alta Escolástica

Sobre o primeiro período, o que nos interessa e cabe aqui já foi quase suficientemente exposto quando se tratou das escolas e seu sistema de ensino. Resta ainda saber que, nesse período houve

“certo mal-estar, devido entre outras coisas ao contraste entre o entusiasmo por poetas e pensadores pagãos e a idéia, freqüentemente repetida, mas não argumentada, de que se devia reconhecer aos estudos bíblicos a proeminência absoluta na formação do cristão.

Somente a partir da segunda geração carolíngia é que essa grave incerteza foi superada, quando, mediante Escoto Eriúgena, tentou-se uma reavaliação da dialética e da filosofia mediante a inserção das artes liberais no contexto teológico. Assim, de formas de erudição especiosa, essas artes tornaram-se instrumentos de pesquisa, compreensão e elaboração no interior da verdade cristã. E foi desse modo que se configurou a ‘primeira escolástica’, vale dizer, o período de pensamento que vai de Escoto Eriúgena a santo Anselmo, das escolas de Chartres e São Vítor a Abelardo.”5

2.2 Florescimento da Escolástica

O século XIII foi o período do apogeu da Escolástica, tanto como teologia quanto como filosofia. Isso se deveu a vários fatores, dos quais se destacam:

A instituição das Ordens mendicantes (franciscanos e dominicanos), que passaram a fornecer número relevante e qualificado de mestres para as Universidades, que

Passaram a ser centros importantes de intenso ensino e pesquisa;

O contato cultural com obras até então desconhecidas em ambiente ocidental, principalmente pensadores árabes, que também traduziram, comentaram e divulgaram, por exemplo, as obras de física e metafísica de Aristóteles.

Até aquele momento, Aristóteles só era conhecido e estudado por seus escritos de lógica. No entanto, quando se tomou conhecimento de seus outros escritos, não tardou em ele se tornar a maior autoridade filosófica na Idade Média, principalmente devido aos comentários e ao sistema em si de Tomás de Aquino, que se aproveitou da base aristotélica (a partir também do árabe Averróis) para demonstrar a fé cristã.

Marcam ainda esse período áureo da Escolástica o primado do papado na Europa, já que o catolicismo penetrava todas as camadas sociais e não havia mais um Império que desse sentido de unidade ao continente, nem nenhuma outra instituição que não a Igreja Católica que cumprisse com tanta eficácia esse papel. Também se destacam as duas ordens mendicantes supracitadas, particularmente pela diferença básica que tinham em relação às demais: enquanto nos mosteiros se vivia um modelo de vida e economia feudal, essas ordens mendicantes tinham, por sua própria natureza, carisma e origens, um caráter estritamente urbano. Queriam atender às classes mais necessitadas da população que voltava a viver nas cidades – com a ascensão da burguesia e o conseqüente reflorescimento do comércio – e dedicar-se à pregação. Por isso, logo perceberam a importância da Universidade para a própria formação e para o desempenho de maior qualidade da própria missão na Igreja e no mundo.

Esse foi ainda o período de surgimento e impulso das Universidades. Essas associações, posteriormente importantes centros de irradiação do saber, tiveram grande influência para a posteridade.

Primeiramente temos uma gradativa laicização do ensino. Nas Universidades os professores não eram apenas clérigos, nem se formavam apenas os futuros clérigos ali. Além disso, é importante ressaltar que, diferentemente dos outros âmbitos sociais da época, na Universidade não havia castas sociais, mas apenas intelectuais. Em outras palavras, para ter acesso a ela, não importava que fosse filho de nobre ou artesão. O que diferenciava era o título do professor e o grau de instrução adquirido.

Assim,

“a cultura medieval floresceu juntamente com essas instituições, primeiro as scholae e depois as universitas. Pois por escolástica entendemos precisamente aquele corpo doutrinário que, inicialmente de forma bastante inorgânica e depois de modo sempre mais sistemático, foi elaborado nesses centros de estudo, nos quais encontramos, dedicados a escrever e ensinar, homens criativos, freqüentemente dotados de grande capacidade de crítica e agudeza lógica.”6

Em suma, o século XIII foi o século de Tomás de Aquino, não sem razão considerado unanimemente o maior pensador da Idade Média, ou seja, o século das grandes sistematizações da relação entre razão e fé, que, pelo menos na sua maior parte, ainda são estudadas e debatidas até hoje.

2.3 Dissolução da Escolástica

O século XIV foi um século de tensões e rupturas. A hegemonia da Igreja frente à Europa começava a ruir. Os nascentes Estados Nacionais começavam a fazer-lhe oposição. A burguesia em ascensão, financiando os reis, que buscavam mais poder perante o Papa, trazia consigo novas idéias e aspirações não compatíveis com aqueles pregados pela religião oficial. A própria religiosidade estava cada vez mais sendo relegada ao plano do privado e individual.

A essa crise se relaciona também a crise da teologia nesse período. Pensadores como Guilherme de Ockham preconizavam a total independência da razão em relação à fé e, conseqüentemente, da filosofia em relação à teologia. Como se além de diferentes e independentes, a razão não pudesse mesmo oferecer apoio ou suporte algum à fé, por serem mesmo contrárias.

Essa crise ganhou força devido às condenações que o aristotelismo foi sofrendo, sendo até proibido de ser ensinado em algumas Universidades como Paris e, principalmente, Oxford. A isso se acrescentem as constantes e intensas tensões entre os seguidores de Boaventura e Tomás e, posteriormente, João Duns Scoto e Tomás, sempre em benefício da segunda.

Essa supremacia querida e pregada da teologia sobre a filosofia foi proporcionando uma maior acentuação do dualismo razão-fé, uma volta ao misticismo ascético e à vida contemplativa numa fé cada mais intimista e, posteriormente a total ruptura entre Igreja e Estado, sagrado e profano, filosofia e teologia, fé e razão.

O século XIV foi o último da Idade Média e o berço para o Renascimento e a Idade Moderna.


3. MESTRE ECKHART E SEU PAPEL NA ESCOLÁSTICA

3.1 O misticismo especulativo alemão


Como já foi visto, no século XIV a teologia racional passava por uma forte crise. Naturalmente, essa crise possibilitou um reflorescimento da mística.

Na verdade, o misticismo nunca se ausentou totalmente na Idade Média. Isso porque mesmo com a quase hegemonia do pensamento aristotélico-tomista naquele momento, o platonismo e o neoplatonismo jamais foram extirpados.

Atenuado ou mais forte, o misticismo permaneceu ao longo de todo o período, porque os pensadores cristãos não poderiam – e nem quereriam – abrir mão da fé: a razão é que deveria ceder se preciso fosse.

Graças a Alberto Magno (fortemente platônico) e sua influência e seus seguidores, o tomismo e o aristotelismo não tiveram na Alemanha a mesma força que tiveram no resto da Europa.

Duns Scoto e Guilherme de Ockham minaram as pretensões e confiança escolástica de que a razão pudesse dar algum apoio à fé: assim se abriu caminho para que o misticismo ganhasse vigor extremo, tendo justamente um dominicano (em geral os dominicanos eram partidários se seu confrade, Tomás de Aquino e, portanto, de Aristóteles, enquanto os franciscanos é que lhes faziam oposição intelectual compactuando com Platão e Agostinho) como maior expoente: Eckhart.

3.2 Vida

Eckhart nasceu na Turíngia, por volta de 1260; morreu por volta de 1327.

Ingressou no convento dominicano de Erfurt; estudou em Estrasburgo e em Colônia. Tornou-se mestre em teologia em 1302 e ensinou em Paris até 1304. Exerceu cargos na sua Ordem na Saxônia e na Boêmia.

Morou em Paris de 1311 a 1314, quando foi dedicar-se à pregação em Estrasburgo. Permaneceu como mestre no estúdio geral dos dominicanos, em Colônia, a partir de 1320.

3.3 Obras

Destacam-se, sendo as duas últimas em alemão:
Opus tripartitum;

Quætiones;

Pregações;

Tratados.

3.4 Pensamento

Retomando o contexto de que crise que vivia a teologia do século XIV, é importante lembrar que a fé ficara sem o suporte da razão. Por isso, o que Eckhart se propõe a fazer é justamente justificar essa mesma fé.

Assim, em linhas gerais o seu pensamento defende a unidade entre Deus e o homem (na verdade um “re-estabelecimento” dessa unidade, como se verá a seguir), entre o natural e o sobrenatural.

O mundo e o próprio homem, sem Deus, não teriam sentido e mesmo nada seriam. Isso porque Deus é Ser enquanto causa de tudo o mais e, em Seu intelecto, a Criação sempre esteve presente, desde toda a Eternidade.

Por isso, o homem deve voltar-se para Deus, com todo o seu ser, para se encontrar e se realizar. Essa volta deve se dar no cotidiano, através das situações corriqueiras da vida, como também das agruras e sofrimentos que fazem parte da própria condição do ser humano no mundo. Na realidade, essa volta do homem a Deus, através da mística, deve leva-lo á uma identificação em Deus, que deverá “ser tudo em todos”. O destino do homem é uma união tal com seu Deus que ambos sejam ontologicamente um e o homem só será e se sentirá realizado com o cumprimento de tal destino.

Em 27/3/1329, dois anos após a morte de mestre Eckhart, o papa João XXII, com a bula In agro dominico, condenou 28 proposições dele, sendo 17 consideradas heréticas e 11 “escabrosas, temerárias e suspeitas de heresia”. Dentre essas teses incriminadas, destacam-se 3:

A eternidade do mundo;

O homem é puro nada;

O homem se transforma totalmente em Deus.

Apesar dessa não-aceitação no corpo da doutrina oficial, as idéias de Eckhart foram bem recebidas entre as camadas populares e a burguesia – classes à margem do processo político da época. Na verdade, suas idéias eram revolucionárias demais para a época. Nos tempos atuais, no entanto, serviriam sem dificuldades para sustentar o re-encantamento do mundo que se verifica como parte do fenômeno da pós-modernidade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um trabalho de pesquisa jamais pode ter a pretensão de esgotar determinado assunto, ainda mais em se tratando de um tema tão vasto e complexo como a Escolástica. O que se pretendeu com este, e espera-se ter sido alcançado, foi apenas o estímulo para ampliar ainda mais os horizontes.

Sempre que se fala em Idade Média e Escolástica, pensa-se apenas em – e tenta-se resumir a – São Tomás de Aquino. Contudo, ele não foi o único – embora considerado o mais importante – pensador do período. De maneira alguma se quer aqui desvalorizar esse pensador, filósofo e teólogo tão importante, seria até estupidez querer fazê-lo. No entanto, sobre ele já há muita literatura. Por isso, aqui foi escolhido mestre Eckhart, figura tão emblemática, mas tão pouco estudada em face de outros autores tidos de maior porte.

Numa época em que se propõe um reencantamento do mundo e uma volta à mística, como resposta às promessas não cumpridas da Modernidade, sem dúvida mestre Eckhart tem algo a dizer, nem que seja apenas para nos instigar ou fazer-nos discordar.

O fenômeno da Modernidade, com todas as suas heranças e jugos para a atualidade poderia ser tema de toda uma monografia. A Pós-modernidade seria por si só outra monografia. Por isso, aqui são somente acenadas, e não aprofundadas.

Mas não se pode deixar de notar é que entre essas duas se deu um processo semelhante ao que se deu na Idade Média entre os séculos XII (apogeu da Escolástica) e XIV (declínio). A relação entre razão e fé nunca saiu de moda na preocupação dos pensadores. Assim, da mesma forma que no século XII se pretendia a razão como apoio natural á fé e no século XIV se fez tudo parar derrubar esse pressuposto, na Idade Moderna – com as devidas ressalvas, naturalmente – a razão estava em alta, como uma espécie de panacéia para o Ocidente. Passado algum tempo sem acontecer o que fora prometido – a tal panacéia – pois a razão, (com a ciência) se mostrou incapaz dar conta de explicar tudo e dar sentido ao que se esperava se faz o mesmo percurso do século XIV: um retorno à Mística. Uma mística diferente, certamente, pois diferentes são os contextos (se no século XIV era uma mística puramente cristã (hegemonia na Europa), hoje é uma mística que quer englobar um pedaço de cada religião), mas ainda assim a essência permanece: a re-ligação com o transcendente.

Não se quer defender aqui uma visão cíclica da história, mas apenas olhar para ela para aprender com ela. As idéias da Nova Era de um Deus cósmico, de um panteísmo, de unidade do homem com o divino não se mostram nada novas quando se olha para essa mesma história, e é fazendo isso que se compreende o alcance revolucionário da produção intelectual desse mestre.

Sem emitir qualquer juízo de valor sobre as teses eckhartianas ou sua condenação, não se pode deixar de admirar sua coragem audaciosa, não só em relação aos homens e instituições que o cercavam, mas sobretudo de defender com tanta veemência uma posição tão elevada do homem no universo. Certamente é um dado revelador de como estava a questão da dignidade humana naquele contexto, mas essa é uma outra história.


OBRAS CONSULTADAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABBAGNANO, Nicola. Diccionario de filosofia. 4 ed. Martins Fontes: São Paulo, 2003. trad. Alfredo Bosi

FRAILE Guillermo, Historia de la Filosofía. Tomo II b. BAC: Madrid, 1970.

GILSON, Étienne, La filosofía de la Edad Media, Desde los orígenes patrísticos hasta el fin del siglo XIV, Madrid, Gredos, 1989.

LE GOFF, Jacques - Os Intelectuais na Idade Média, Lisboa: Gradiva , 1983

MEIRINHOS, José Francisco - "A Filosofia no Século XII – Renascimento e resistências, continuidade e renovação". Disponível em: http://www.hottopos.com.br/mirand9/mirin.htm. Acesso em: 11 mai. 2005.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia volume I – Antigüidade e Idade Média. 8 ed. Paulus: São Paulo 2003.

SARAIVA, António José - "A Universidade de Lisboa - Coimbra", in História da Cultura em Portugal, vol. 1, Lisboa: Jornal do Foro, 1950, pp. 93-124.

SOUSA, Armindo - "Realizações", in José Mattoso (ed.) História de Portugal, vol. 2, A Monarquia Feudal (1096-1480), Lisboa: Círculo de Leitores, 1992, pp. 483-547.

1 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. P 344. Grifo do autor.

2 REALE e ANTISERI, 1990, citando S. Vanni Rovighi. Grifo dos autores.

3 Cf. REALE e ANTISERI, 1990.

4 Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. P 344.

5 REALE e ANTISERI, 1990. p. 479

6 REALE e ANTISERI, 1990. p. 481


Publicado por: Saulo Maurício Silva Lobo

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