Do fato ao espetáculo: o processo de produção do programa Metendo Bronca

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1. RESUMO

Esta pesquisa tem como tema central o estudo do jornalismo sensacionalista. O objetivo principal deste trabalho é compreender como são construídos os programas televisivos de cunho sensacionalista em Belém, tendo como objeto de estudo o programa Metendo Bronca, e produzir um documentário em vídeo a partir desta pesquisa bibliográfica. Quanto à metodologia aplicada, trata-se de um estudo de caso. A coleta de informações foi realizada por meio de entrevistas com profissionais da comunicação que constroem diariamente o programa Metendo Bronca, além da observação direta do produto analisado. Importantes fontes, as entrevistas foram gravadas em vídeo e constituíram, além material essencial do documentário proposto, função demonstrativa sobre os assuntos tratados na parte escrita do trabalho. O estudo aborda brevemente a história do sensacionalismo na televisão brasileira, relembrando os principais expoentes do gênero e contextualizando para a realidade local, a influência da televisão no Brasil, a construção do discurso sensacionalista e das representações sociais presentes no programa, além dos critérios de noticiabilidade utilizados, os fait divers veiculados, e finalmente os desafios da construção de produtos sensacionalistas e as alternativas para transformação do gênero. Com esses dados, percebeu-se a existência de diversas características do sensacionalismo presentes no objeto de estudo, sendo construídas a partir de estereótipos, linguagens e formatos tradicionais no telejornalismo brasileiro, surgindo, assim, a necessidade de repensar não apenas o conteúdo e a forma de apresentação das notícias nos programas sensacionalistas, sobretudo no Metendo Bronca, mas também a contribuição do programa e o papel de formador de opinião sobre a realidade social do telespectador enquanto cidadão. 

Palavras-chave: Metendo Bronca. Sensacionalismo. Jornalismo. Notícia. Documentário.

ABSTRACT

This research is focused on the study of sensationalist journalism. The main objective of this paper is to understand how sensationalist television programs are made in Belém, having the program Metendo Bronca as the object of the study, and to prepare a video documentary from this bibliographical research. Regarding the methodology applied, it is a case study. Data collection was conducted through interviews with media professionals who daily make the program Metendo Bronca, in addition to the direct observation of the product analyzed. Important sources, the interviews were recorded on video and constituted, in addition to the essential material for the proposed documentary, a demonstrative function on the topics addressed in the written work of the paper. The study discusses briefly the history of sensationalism on Brazilian television, recalling the leading exponents of the genre and contextualizing to local reality, the influence of television in Brazil, the construction of a sensationalist discourse and social representations contained in the program, in addition to the criteria of newsworthiness used, conveyed the fait divers, and finally the challenges of creating sensationalist products and alternatives for transforming the genre. With these data, it was noticed that there are several features of sensationalism contained in the object of study, being constructed from stereotypes, languages ​​and traditional formats in Brazilian television news, thus arising the need to rethink not only about the content and form of presentation of sensationalist news programs, especially Metendo Bronca, but also the social contribution and the role of forming and informing the viewer as a citizen.

Keywords: Metendo Bronca. Sensationalism. Journalism. News. Documentary.

2. INTRODUÇÃO

A aparição do sensacionalismo na televisão, e no jornalismo, de maneira geral, não é recente. Ao contrário, remonta ao surgimento das primeiras tentativas de construir o que hoje se compreende como jornalismo. Caracterizado principalmente pelo apelo, pela apresentação exagerada da notícia em busca da audiência e em detrimento da qualidade da informação, o sensacionalismo sobrevive essencialmente da violência, do crime, do sangue, das mortes, dos escândalos e de todo acontecimento passível de maior impacto social, acrescido do modo espetacular de apresentar essas informações. Visualizado com mais facilidade nos programas e jornais populares, o sensacionalismo não é, contudo, exclusividade da programação destinada às classes mais baixas, estando presente em todos os veículos de comunicação, mesmo nos chamados veículos de referência, mas com menor intensidade e diferindo também na construção da narrativa. Em síntese, o sensacionalismo objetiva provocar emoções em demasia, resignificando o valor da informação.

Considerando os conceitos principais do sensacionalismo enquanto corrente teórica, esta pesquisa tem como objetivo central compreender os processos de construção de um programa sensacionalista, desde o conhecimento do fato à edição da reportagem e à apresentação do produto, tendo como objeto de estudo o programa Metendo Bronca, considerado sensacionalista, e produzir, a partir da análise, um documentário sobre o programa. Conhecer a relação e métodos de interação com o público e o papel do apresentador são também objetivos deste trabalho. O programa Metendo Bronca é exibido pela emissora RBATV, afiliada à TV Bandeirantes. Surgiu no ano de 1998 e propõe linha editorial voltada sobretudo para a cobertura policial.

O interesse pela temática principal surgiu após a leitura do livro Espreme que sai sangue, do autor Danilo Angrimani, especialmente nas passagens que relacionavam a receptividade do público com princípios da psicanálise, mas essa abordagem não será utilizada nesta pesquisa por delimitações do campo de estudo. É importante destacar, também, que além das motivações pessoais para a escolha do tema, o interesse acadêmico em estudar os processos de construção do sensacionalismo, especialmente contextualizado de acordo com a realidade local, despertou curiosidade para descobrir o funcionamento do gênero de modo pleno, como uma repetição de formatos, mas também individualmente, destacando as peculiaridades do produto analisado.

Para abranger os propósitos da pesquisa, escolheu-se o estudo de caso como procedimento metodológico a ser aplicado, dividindo a análise em técnicas próprias do método. Nesse sentido, foram feitas, além de extensas revisões bibliográficas, entrevistas com os profissionais que produzem o programa Metendo Bronca, além da observação direta da rotina dos envolvidos nesse processo de construção diária do conteúdo. Posteriormente, foi produzido um documentário de 15 minutos, resultando dos conceitos teóricos estudados aplicados à realidade do programa.

O presente trabalho foi dividido em duas partes: escrita e documentário audiovisual. Constam da documentação textual dois capítulos, sendo eles: O sensacionalismo na televisão brasileira, referente aos conhecimentos teóricos, e Metendo Bronca: Um documentário, com as etapas da documentação em vídeo. Ao final, serão apresentadas as impressões pessoais obtidas através da pesquisa no que tange ao sensacionalismo praticado pelo programa Metendo Bronca.

3. SENSACIONALISMO NA TELEVISÃO BRASILEIRA

3.1. UM FORMATO QUE SE REPETE

Enraizado desde o princípio da história da imprensa, antecipando os primeiros traços do que hoje seria o conceito fundamental dos meios de comunicação que praticam o jornalismo de espetáculo, o sensacionalismo[1] ainda está essencialmente relacionado à violência, ao exagero e ao uso da linguagem fundamentalmente rústica, popularesca. Embora parte das definições inicialmente elaboradas sobre a temática possa ser considerada ultrapassada em razão do avanço dos estudos nessa área, na prática, muito pouco se apresenta como novidade, especialmente na televisão, que repete antigas fórmulas de construção do telejornalismo popular.   

Associa-se o gênero à exposição de fatos chocantes em busca da audiência, com prejuízo da qualidade da informação. Mas a delimitação do problema passa a ser hoje expandida e questionada, face à necessidade imperiosa de se atrair o consumidor do produto notícia, uma vez que, independentemente do meio de comunicação, o propósito é sempre ser lido, visto, ouvido, comprado etc. 

Se sensacionalismo hoje é visto como uma estratégia para conquistar o público, é possível propor que todo jornal, popular ou de referência[2], possa ser considerado sensacionalista, se a elaboração da manchete, a escolha da imagem e, sobretudo, o tratamento dado a notícia objetiva incitar a aproximação do público, seduzir e torná-lo participante da história.

Márcia Amaral (2006) entende assim:

O sensacionalismo ficou muito relacionado ao jornalismo que privilegia a superexposição da violência por intermédio da cobertura policial e da publicação de fotos chocantes, de distorções, de mentiras e da utilização de uma linguagem composta por palavras chulas, gírias e palavrões. (AMARAL, M. 2006, p. 22).

A autora explica ainda como a classificação de determinado programa se dá no contexto da violência e por quais razões todos os veículos podem, em geral, ser incluídos nessa categoria:

O rótulo sensacionalista está ligado aos jornais e programas que privilegiam a cobertura da violência. Entretanto, o sensacionalismo pode ocorrer de várias maneiras. É possível afirmar que todo jornal é sensacionalista, pois busca prender o leitor para ser lido e, consequentemente, alcançar uma boa tiragem. (AMARAL, M. 2006, p.20).

A diferença entre um veículo de referência e um popular está, portanto, principalmente na maneira como são apresentadas as notícias de cunho sensacionalista e se essas notícias se propõem a produzir, com mais ênfase, sensações no consumidor, com fim exclusivo do fascínio sobrepujando e deturpando o valor informação. Como salienta Luiz Amaral (1978, p. 156) “a apresentação do noticiário tem muitas variantes. Depende, antes de tudo, da maneira de ver e sentir do público a quem se dirige e da natureza e do estilo da emissora”. Já Márcia Amaral explica que essa distinção surge a partir fundamentos básicos do jornalismo, somados à função primordial do sensacionalismo, que é a produzir sensações.

A imprensa popular cria um modo próprio de lidar com os conceitos de verdade, realidade e credibilidade. Se a função do jornal é “fazer saber” e “fazer crer”, na imprensa popular o “fazer sentir” passa também a ser uma das atribuições do jornal (AMARAL, M. 2006, p.59).

Como a própria narrativa do sensacionalismo, que, segundo Márcia Amaral (2006) data desde o surgimento da imprensa, a história do telejornalismo brasileiro também é rica em aparições efêmeras de programas populares, e apresenta, há mais de 50 anos, o gênero policialesco, o denuncismo e o exagero, renovando personagens caricaturais e cenários, mas mantendo os mesmos traços típicos da corrente sensacionalista, principalmente no que tange à apresentação e à construção da notícia. Márcia Amaral (2006) narra de forma breve a trajetória do telejornalismo brasileiro associado às peculiaridades do sensacionalismo, destacando exemplos de programas que são ícones do início da construção da história e referências do que ainda hoje é feito na televisão nacional.  Para a autora, é necessário, antes, resgatar os primeiros expoentes do segmento para que se possa compreender que, mesmo com especificidades proporcionais a épocas distintas, o que se faz atualmente não é novidade. 

Márcia Amaral (2006) organiza o relato em ordem cronológica, afirmando que o sensacionalismo surgia no Brasil já em 1954, com o programa “Tribunal do Coração”, veiculado pela TV Tupi, que exibia fatos pessoais dos participantes. Posteriormente, no programa “O homem do sapato branco”, de 1996, iniciou-se a exibição de reportagens policiais, sendo um dos pioneiros do gênero, transmitido pelas emissoras Globo e Record. Márcia Amaral define a década de 90 como o boom dos programas de caráter popular e enfatiza a relevância dos programas policiais da época para a elaboração dos modelos hoje produzidos, sobretudo os programas “Ratinho Livre” e o “Programa do Ratinho”, ambos exibidos pelo SBT, o programa “Brasil Urgente”, veiculado pela Record, e transmitido também pelo SBT, a partir de 1997, e o programa “Aqui Agora”, sendo este último considerado marco da programação sensacionalista e policialesca brasileira, segundo a autora.

Os programas anteriormente listados não tiveram, no entanto, vida longa na televisão. A maioria perdeu significativa audiência e espaço após breves períodos de sucesso. A duração efêmera dos programas policiais sensacionalistas pode ser explicada, de acordo com Márcia Amaral, pela preocupação dos anunciantes em relacionar seus produtos com programas sensacionalistas. 

A hipótese para a decadência desses programas é o receio dos anunciantes em ligar suas marcas a programas policiais. Em comum, eles têm a cobertura da violência e da atuação policial, o denuncismo e toda a sorte de deslizes éticos que vão desde a cobertura de suicídios até a prévia condenação de supostos criminosos. (AMARAL, M. 2006, p. 47).

Opondo-se à questão mercadológica e comercial da mídia, mencionada anteriormente, há a recepção positiva de uma parcela relevante do público, podendo-se afirmar, superficialmente, que o sensacionalismo existe na imprensa e, sobretudo na televisão, porque há quem o consuma. E mais ainda: há quem procure, através dos programas populares, uma forma de inclusão social, de visibilidade dos problemas do seu cotidiano e do meio ao qual está inserido. Márcia Amaral (2006, p. 59) explica essa suposição ao dizer que “entre as explicações possíveis para o sucesso dos jornais e programas populares incluem-se o desencanto com a política, a inoperância do poder público e a noção de que as notícias estão fora do alcance das pessoas do povo”. 

Além dos valores normativos do jornalismo atribuídos aos fatos, a notícia, nos programas populares, adquire, também, as características de espetáculo. Para Márcia Amaral, (2006. p.63) “tudo o que prende e atrai o olhar, seja uma cena escandalosa, ridícula ou insólita, tem potencial para ser notícia”.

Em Belém, a história dos programas de televisão de cunho popular e sensacionalista também é extensa. O Metendo Bronca[3], por exemplo, foi ao ar pela primeira vez no dia 23 de dezembro de 1998. Exibido pela emissora RBATV,[4] popularmente conhecida como RBA (Rede Brasil Amazônia de Televisão). A emissora, que tem uma grade de programação fundamentalmente voltada para a cobertura de polícia, foi inaugurada em 15 de dezembro de 1988 pelo empresário Jair Bernardino, proprietário da Concessionária Volkswagen Belauto. era apresentado por Luis Eduardo Anaice[5] e narrava acontecimentos relacionados à criminalidade. Em 5 de agosto de 1989, com a morte de Jair Bernardino em um desastre aéreo próximo à cidade de Belém. Em 1990, a emissora foi vendida pelos parentes de Bernardino para o político local Jader Barbalho [6], que nos anos seguintes, torna-se político. A grade de programa da emissora RBA TV é dividida por programas jornalísticos (Argumento, Barra Pesada, Cidade Contra o Crime, Brasil Urgente, Jornal RBA, Metendo Bronca e Rota Cidadã 190, desses sete, quatro são produtos policiais), de esporte (Camisa 13 e Bola na Torre) e entretenimento (Bacana Tur, Boteco, Paranóia e Programa Bacana).

Pertencente à grade direcionada às classes mais baixas da população e sendo marcadamente policial, o programa Metendo Bronca está há mais de dez anos no ar, o programa hoje é apresentado pelo jornalista Joaquim Campos[7] e exibido de segunda a sexta-feira, das 13h30 às 14h40. Estruturado em cinco blocos, de oito a onze minutos cada, o programa é marcadamente caracterizado pela linha editorial relacionada a crimes, à violência e à polícia.

O programa surgiu a partir da transformação do programa Barra Pesada[8], que passou a ser, segundo o gerente de jornalismo da emissora RBATV Adil Bahia (2012, informação verbal) [9], “uma grande revista”. A cobertura policial, antes direcionada ao programa Barra Pesada, é, a partir disso, deslocada para o programa Metendo Bronca:

O Metendo Bronca surgiu da necessidade de se mudar a linha editorial do Barra Pesada, que desde sua criação, ainda na década de 80, tinha a linha editorial voltada para a cobertura policial. O Metendo Bronca tem uma linha editorial voltada para a cobertura policial. Assuntos voltados à segurança pública, assuntos voltados para a defesa do cidadão: tráfico de drogas, assalto com refém, sequestros, crimes, homicídios, latrocínio, esse tipo de reportagem dessa cobertura diária que está aumentando a cada dia, ela é voltada para o Metendo Bronca, que tem na apresentação um jornalista ácido, crítico, que demonstra toda a sua indignação com a atual situação dos números da violência que assolam a capital paraense e todo o Estado (BAHIA, 2012, informação verbal). [10]

De acordo com a diretora do programa Metendo Bronca, Marlu Almeida, a violência veiculada tão exaustivamente no informativo policial é editada de modo que não venha a impactar negativamente os telespectadores:

O Metendo Bronca tem uma linha editorial de apresentar para os telespectadores homicídios, crimes, essa linha de assassinatos, mesmo. Uma linha mais de violência, de mostrar a violência na capital e no interior. E a gente tenta mostrar essa violência, que não é novidade para ninguém, de uma forma que não choque tanto a população. (ALMEIDA, 2012, informação verbal). [11]

Assuntos ligados à violência, retratados em diversos meios e veículos locais de comunicação de modo breve e muito próximo à banalidade, adquirem, no programa Metendo Bronca, papel central – a notícia de um assassinato, um estupro, um assalto a banco transformam-se em “prato principal” do dia e são oferecidos aos telespectadores não mais como informação somente, mas como espetáculo. Felizmente, na TV, como lembra Gontijo Teodoro (1980), “o binômio som e imagem poderia levar as notícias sobre crime às margens do absurdo, mas está contido também pelas autoridades”.

3.2. A INFLUÊNCIA SOCIAL DA TELEVISÃO

Em um país intensamente marcado pela desigualdade social e pelo abismo cultural que separa as classes abastadas das pobres como no Brasil, a televisão ainda é em muitos casos o meio de comunicação mais popular, apesar de estar perdendo espaço com a popularização da internet. Devido ao grande alcance que os aparelhos de televisão conquistam, a influência que o meio exerce é, por conseguinte, enorme. O autor José Arbex faz, por exemplo, uma comparação da popularidade dos meios de comunicação no Brasil e destaca as razões dessa disparidade:

No Brasil, especificamente, a relação entre a mídia e público é “formatada” pela extrema desigualdade social: enquanto as três maiores redes de televisão (Globo, SBT e Bandeirantes) têm, juntas, um público telespectador da ordem de 60 milhões, os cerca de quatrocentos jornais diários publicados no país (dos quais, os três mais importantes são a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo) não conseguem vender, todos juntos, mais do que 7 milhões de exemplares. A disparidade entre número de telespectadores e de leitores mostra que apenas uma elite muito reduzida mantém o hábito de ler. A fonte principal de informação, no Brasil, é a televisão. (ARBEX, 2002, p. 264).

O autor destaca também a importância da televisão na construção dos acontecimentos e do que será discutido em sociedade a partir dos assuntos lançados pelo meio. A televisão, completa José Arbex (2002, p. 32), “adquiriu o poder de definir o que será ou não um acontecimento político, assim como o âmbito geográfico em que esse acontecimento será conhecido”.  Assim, para José Arbex (2002, p. 263) “os conteúdos que circulam na mídia, e mais especificamente na televisão, mobilizam o imaginário de bilhões de pessoas”.

A influência da televisão é acrescida ainda pelo poder aquisitivo, credibilidade no mercado, pelo prestígio político e investimento em tecnologia. Quanto mais rápida for a emissora, o programa, quanto mais depressa repassar a informação, maior será sua importância junto à sociedade (ARBEX, 2002, p. 88). É por esta razão, presume José Arbex (2002, p. 88), “que toda a produção da mídia passa a ser orientada sob o signo da velocidade (não raro, da precipitação) e da renovação permanente”.

No programa Metendo Bronca, a corrida pela demonstração de poder da emissora chega a limites de segurança dos profissionais e compromete muitas vezes a qualidade da informação, devido à pressa na apuração, edição e/ou apresentação. Esse problema é lembrado pelo repórter da RBATV, Marcos Aleixo, sob a justificativa de apresentar para o telespectador o melhor produto.

O repórter compreende a cobertura policial assim:

Nós não podemos invadir o espaço da polícia. Claro que isso na teoria funciona. Só que o cinegrafista não está nem aí para isso. O repórter muito menos, porque tem que acompanhar o fato. O objetivo é pegar a melhor imagem e fazer a melhor reportagem. E às vezes a gente acaba nem ligando para a questão de segurança e desobedece ao esquema de segurança para trazer para o telespectador o melhor assunto, a melhor imagem (ALEIXO, 2012, informação verbal). [12]

Procurar, portanto, exibir em tempo hábil a notícia, obter preferencialmente o furo de reportagem, ter a exclusividade do fato adquirem notável significado na qualificação das emissoras de televisão. No jornalismo, a velocidade é fundamental, por ser a notícia um produto altamente transitório, especialmente com os recursos de comunicação diversos presentes atualmente. O furo de reportagem é, por conseguinte, vital para o processo de obtenção de prestígio e poder no jornalismo, não importando se essa exclusividade será vista ou mesmo compreendida pelo telespectador, desde que a partir dela a eficácia do veículo seja confirmada (ARBEX, 2002, p. 89).

3.3. A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO

Anos de estudo e pesquisa em diversas áreas do campo da comunicação conceituam o sensacionalismo pelo uso exagerado da linguagem popular, da intensa exposição da violência, utilização exaustiva de carga emocional no jornalismo; sinônimo de imprensa de pouca credibilidade, permissível à distorção da informação, mostrando notícias que despertam sempre mais sensações no público. Nessa tentativa de agregar significações e definições, a autora Rosa Pedroso faz uma reflexão breve dos conceitos fundamentais para compreender o sensacionalismo enquanto denominação associada ao inferior e grotesco. Assim, o jornalismo sensacionalista exprime-se, segundo Rosa Pedroso (2001), sobretudo, pelo despertar das emoções.

As principais regras definidoras da prática ou do modo sensacionalista de produção de informação no jornalismo diário são, a meu ver, as seguintes: intensificação, exagero e heterogeneidade gráfica; exploração do extraordinário e do vulgar, de forma espetacular e desproporcional; adequação discursiva ao status semiótico das classes populares; destaque de elementos insignificantes, ambíguos, supérfluos ou sugestivos; subtração de elementos importantes e acréscimo ou invenção de palavras ou fatos; valorização de conteúdos ou temáticas isoladas, com pouca possibilidade de desdobramentos nas edições subseqüentes e sem contextualização político-econômico-social-cultural; discursividade repetitiva, fechada ou centrada em si mesma, ambígua, motivada, impositiva, despolitizadora, fragmentária, unidirecional, vertical, ambivalente, dissimulada, indefinida, substitutiva, deslizante, avaliativa, sedutora; exposição do oculto, mas próximo; produção discursiva sempre na perspectiva trágica, erótica, violenta, ridícula, insólita, grotesca ou fantástica; especificidade discursiva de jornal empresarial-capitalista, pertencente ao segmento popular da grande imprensa industrial-urbana, em busca de consolidação econômica no mercado jornalístico; escamoteamento da questão do popular, apesar do pretenso engajamento com o universo marginal; gramática discursiva fundamentada no desnivelamento sócio-econômico-cultural entre as classes hegemônicas e populares. (PEDROSO, 2001, p. 123)

Nesse sentido, classificar um programa de acordo com as características presentes no sensacionalismo, citadas acima, significa ainda depreciar a qualidade do conteúdo veiculado à programação, como afirma Rosa Pedroso:

Os jornais para a classe baixa são rotulados por uma tendência de publicação de mensagens desacreditadas e sensacionalistas, nas quais a violência, o sexo quase sempre são os temas explorados. E o conteúdo de seu noticiário detém-se na valorização da violência passional, apresentando maior quantidade de informações que se referem à violência pessoal. (PEDROSO, 2001, p. 47).

No Pará, diversos programas de televisão são encaixados nesse conceito por terem em comum, na estrutura de apresentação da notícia, a presença do entretenimento e a violência de modo marcante e permanente nas edições diárias. Dentre essa vasta programação popular, o programa Metendo Bronca destaca-se por ser um dos mais irreverentes e polêmicos. Apesar disso, a diretora do programa, Marlu Almeida, diz não ver problemas na denominação por que a violência constitui um fato e precisa ser mostrada, mas admite o exagero do programa.

Não me choca nenhum pouco o rótulo de sensacionalismo, porque a gente faz isso aqui há mais de vinte anos. Não fui eu que provoquei a violência, não sou eu que cometo os crimes, mas eu tenho que mostrar. É um programa da casa, é um programa nosso, é uma linha que a gente assumiu, a gente tem que mostrar. E sensacionalismo tem em qualquer emissora. O que a gente faz aqui as outras fazem, talvez não com esse estardalhaço que a gente faz, porque a gente é um programa popular. (ALMEIDA, 2012, informação verbal). [13]

O jornalismo sensacionalista sobrevive, como qualquer segmento do jornalismo, da novidade. Construir, portanto, um programa do gênero requer esforço constante para apresentar todos os dias as mesmas notícias, os mesmo crimes, com linguagem igual, mesmo recursos técnicos e estrutura textual muito similar à dos dias anteriores, e transformar o corriqueiro em aparentemente inusitado. Essa busca constante por fatos singulares apresenta alguns problemas. Como salienta Dannilo Oliveira (2008, p. 5), “a novidade, e a relevância, de um tema é parte do compromisso do jornalismo enquanto instituição pública. Porém, a busca por notícias inéditas traz consigo alguns constrangimentos, como a produção de informação sem apuro e sensacionalista”. A autora Zaclis Veiga também reafirma o problema da credibilidade frágil do jornalismo sensacionalista: 

A imagem da violência social encontra lugar nessa ótica, na qual o que vale é a representação e a redução de formas em fantástico/espetáculo, geradas pela superficialidade com que os fatos são tratados e pela velocidade da informação que passa (VEIGA, 2002, p. 40).

A autora Rosa Pedroso atenta para essas dificuldades, especialmente no que diz respeito à integração do palavrão e da linguagem coloquial apresentada todos os dias. Para Rosa Pedroso (2001, p. 40), “o jornal sensacionalista exige uma grande capacidade de criação, de percepção, e ‘até de invenção’ para elaborar a mensagem jornalística, porque a novidade do palavrão é muito difícil de ser mantida, sustentada e renovada a cada edição”. A linguagem, no programa Metendo Bronca, não se apresenta na forma do palavrão, mas através de ofensas pessoais, expressões de baixo calão e emissão de opinião e juízo de valor. A observação é ratificada pela afirmação do apresentador do programa Metendo Bronca. Para Joaquim Campos (2012, informação verbal) [14], o erro da televisão foi permitir que ele se expressasse a partir da sua visão de mundo e impressões pessoais. A televisão, segundo o apresentador, “caiu na besteira de me deixar expor a minha opinião. Então o que eu não gosto eu falo, eu chamo os políticos de corruptos, mesmo nessa emissora, que tem um vínculo político”. [15]

Para o apresentador do programa Metendo Bronca, a linguagem utilizada por ele faz com que o público perceba-se incluído e representado pela programação. De acordo com o apresentador, o público tem empatia pelo discurso do programa. Como afirma: “Acho que em casa as pessoas também sentem vontade de chamar o mesmo palavrão que eu. Eu acho essa simbiose perfeita” [16]. O uso da linguagem coloquial é, portanto, parte da construção da identidade dos programas sensacionalistas, como afirma a autora Francislene de Paula (2011, p.6) “adjetivos e frases de duplo sentido fazem parte do cenário. Além disso, a linguagem coloquial é levada ao extremo, com o uso de palavrões e gírias”. A utilização dessa linguagem popular é onde, segundo Dannilo Oliveira (2012, p.7), “podemos encontrar uma das principais estratégias empregadas pelos apresentadores e repórteres para construir as notícias, interpelar a audiência”. Ainda segundo Dannilo Oliveira, é essa identificação mencionada pelo apresentador do programa Metendo Bronca que sustenta a relação de confiança e credibilidade entre telespectador e produto:

O modo de endereçamento diz respeito ainda aos vínculos que cada um dos mediadores (âncora, apresentadores, comentaristas, correspondentes, repórteres) estabelece com o telespectador no interior do programa e ao longo da sua história dentro do campo jornalístico. Referimo-nos à familiaridade que o mediador constrói no dia-a-dia a sua credibilidade no interior do campo midiático. (OLIVEIRA, 2008, p. 7)

O Metendo Bronca, como diversos programas sensacionalistas no Brasil, mostra essencialmente crimes, de diversos tipos. Segundo Natascha Batalha, chefe de reportagem da emissora RBATV, o programa trabalha exclusivamente com a pauta policial. Assim, a chefe de reportagem afirma que na exibição diária do programa “vai saidinha de banco, vai sequestro, vai abuso sexual, roubos simples, roubo de ônibus, roubo de carros, hoje a gente fez uma falsificação de documentos de carros e de motos, então isso vai para o Metendo Bronca” [17]. A autora Zaclis Veiga (2002, p.45) fala também sobre a veiculação do sensacionalismo disfarçado de prestação de serviço, de interesse público, e diz que, “na construção da notícia, a busca pelo inédito, pelo melhor espetáculo, travestido de compromisso com a realidade, transforma o agente da notícia em personagem principal, cercado de tensões”.  

A imprensa sensacionalista, segundo Rosa Pedroso, justifica a existência do conteúdo apelativo pela necessidade que o público tem de consumir violência, demandando maior quantidade de produtos jornalísticos do gênero para suprir essa exigência. Lembra Pedroso, citando Rangel (1981):

Os editores da imprensa sensacionalista e amarela (marrom para o Brasil) tratam de justificar esse jornalismo, explicando que “isso” é o que o povo gosta. Na realidade, esse tipo de informação não é oferecido para satisfazer os gostos e as exigências do público, mas sim porque consideram a notícia como mercadoria, essa vende mais e permite maior circulação, mais vendas, maiores receitas (RANGEL, 1981, p. 15 apud PEDROSO, 2001, p. 50).

Desse modo, a busca do público por sangue, morte e sexo transforma-se em justificativa para que o sensacionalismo se intensifique em nome da audiência, como sugere Zaclis Veiga (2002, p.42) ao afirmar que “no telejornalismo, a cobertura de temas que causam comoção popular, como a mote de celebridades, ou a perseguição, ao vivo, de assaltantes, transforma-se em exagero cometido em busca do público”.

O programa Metendo Bronca segue essa linha de raciocínio e a aposta na exigência do público para construir o conteúdo. Andrezza Anaissi (2012, informação verbal) [18], produtora do Metendo Bronca, afirma, inclusive, que o programa faz sucesso porque “é aquilo que o público telespectador quer”. Joaquim Campos, apresentador, vai além e diz que “a população quer mais, aquele sabor de se vingar. Isso também, depois eu descobri, era uma necessidade das pessoas” [19].

Nesse contexto, a função do apresentador na construção do discurso sensacionalista é, portanto, interligar o programa e o público, como argumenta Dannilo Oliveira:

O apresentador é quem desempenha o papel de mediar a relação entre o programa, os telespectadores, entrevistados e os demais personagens e profissionais envolvidos na sua elaboração. Normalmente, o apresentador é quem representa a “cara”’ do programa e é quem primeiro estabelece um pacto com a audiência. (OLIVEIRA, 2008, p. 6).

Outro argumento sustentado pelos jornalistas do programa Metendo Bronca para explicar a produção do conteúdo sensacionalista é a necessidade de enxergar e retransmitir a realidade do telespectador. O público do programa pertence predominantemente às classes C, D e E e que teria, supostamente, familiaridade com a violência, presente nas periferias de Belém. Para a autora Francislene de Paula (2011, p.6), “o senso comum, seja dos receptores, seja dos produtores, jornalistas e editores, ‘ensina’ que: se é para o povo, precisa ser sensacional, causar emoção, transportar o leitor para a história vivida”. Logo, é possível depreender, a partir desse raciocínio, que o público procura o sensacionalismo para ver sua realidade retratada. Como explica a autora Francislene de Paula:.

Partimos do pressuposto que, ao acreditar que indivíduos com baixo poder aquisitivo não se interessam por assuntos como economia e política, por exemplo, e oferecendo a eles os assuntos que, supostamente, são de seu interesse (e alcance cognitivo), os produtores de conteúdos midiáticos reforçam estereótipos e não contribuem para uma mudança de paradigma. (DE PAULA, 2011, p. 4)

Francislene de Paula afirma ainda que o consumidor do produto sensacionalista aceita as representações sociais que lhes foram atribuídas pela facilidade com que encontram crime, sexo e mortes transformadas em espetáculo:

Ao mesmo tempo, ao ter ao alcance de suas mãos (e de seu bolso), jornais e programas da televisão aberta que transformam mortes, crimes e sexo em notícias espetaculares, o indivíduo se convence de que esse é o seu lugar dentro da lógica informativa (e também social) e assume o papel para si. (DE PAULA, 2011, p. 4)

Para Francislene de Paula, no entanto, esse encanto das classes populares pela violência, alegado pelos produtores da imprensa sensacionalista, não é exclusividade da camada menos favorecida financeiramente. A diferença, segundo Francislene de Paula, está na intensidade da exposição da notícia sensacionalista. De acordo com Francislene de Paula (2011, p.5), “o interesse pelo ‘mundo cão’ não é uma exclusividade das camadas mais pobres. A diferença está na ‘lente de aumento’”.

 Marlu Almeida, diretora do programa Metendo Bronca, reafirma essa relação entre o público e a violência veiculada na emissora:

Quem assiste a gente é o pessoal que convive nesse meio onde a violência é mais comum, onde as coisas acontecem e é o povo que quer falar. Quando a família perde um ente querido que é bandido, que é assaltante, quer falar: “ah, meu irmão não era bandido, meu filho não era bandido, não era assaltante”, “ah, eu quero justiça”, e isso vai provocando um certo furor no pessoal que ta lá. E a gente mostra isso. (ALMEIDA, 2012, informação verbal),

Rosa Pedroso retoma a discussão dessa representação social da violência associada às camadas mais pobres e afirma que a veiculação do conteúdo relacionado ao crime é necessária porque afasta o lado sombrio da sociedade enquanto realidade negativa indesejável:

Ao nomear e estruturar o mundo social marginal, o jornal integra a realidade de ambientes marginais na realidade predominante do cotidiano porque as situações divergentes, tomadas isoladamente, constituem uma ameaça à existência da ordem naturalmente aceita e rotinizada na sociedade. O lado obscuro, perigoso, sinistro da marginalidade fascina e ameaça o lado civilizado da sociedade. Por isso, precisa ser mostrado para ser reconhecido, negado e colocado exoticamente distante do lado positivo. (PEDROSO, 2001, p. 98)

Assim, a realidade social apresentada nos programas sensacionalistas e, por consequência, no programa Metendo Bronca, retrata não apenas o meio no qual o telespectador está inserido, com os problemas sociais inerentes, mas também caracteriza personagens comuns aos grupos sociais com menor poder aquisitivo, ou ainda o público consumidor da notícia sensacionalista. Para Rosa Pedroso, os personagens com maior representação nos programas sensacionalistas são:

As personagens, que integram o universo social do jornal, são mulheres e homens caracterizados como mulatos, nordestinos, pais-de-santo, homossexuais (sapatões e bichas), prostitutas, tarados sexuais, assaltantes, traficantes de drogas e assassinos, que desempenham profissões subalternas de motoristas, domésticas, trocadoras de ônibus, soldados. São mulheres e homens que se relacionam tragicamente, manifestando os seus sentimentos nas mais diversas formas de agressão física, por meio de: estupro, espancamento, corte, esquartejamento, massacre, trucidação, queimadura, ferimento a bala, decepção, estrangulamento, suicídio, seqüestro e perpetrados com: giletes, navalhas, metralhadoras, escopetas, revólveres, garrafas, barras de ferros, fios de náilon, machadinhas, chinelos, fogo. (PEDROSO, 2001, p. 101).

Os jornais sensacionalistas constroem, portanto, o discurso a partir da concepção que têm do gosto do público e das classes sociais com as quais determinados programas se propõem a dialogar. A justificativa para a existência do sensacionalismo é, assim, antes uma estratégia de venda do produto, no caso a notícia com conteúdo sensacionalista, do que a intenção de atender às necessidades do telespectador que deseja estar inserido socialmente por meio da mídia.

3.4. A NOTICIABILIDADE DO CRIME

Diversos valores-notícias definem todos os dias o que deve ou não ser elevado ao status de notícia, mesmo que os próprios jornalistas não percebam, devido à rotina intensa das redações, de que forma esses critérios se estabelecem. Muitos autores já propuseram inúmeros conceitos para explicar o que é notícia e por que determinados assuntos são considerados mais relevantes que outros a partir dos valores que o acontecimento carrega.  Para Márcia Amaral (2006, p. 60 apud JORGE, 2006, p. 3), por exemplo, a notícia “é a informação atual, verdadeira, carregada de interesse humano e capaz de despertar a atenção e a curiosidade de grande número de pessoas”. Os valores-notícias que direcionam e organizam os fatos de acordo com a capacidade de atrair o leitor, telespectador ou ouvinte têm função essencial: não apenas orientam quanto à escolha das informações que chegam às redações como determinam o que a sociedade precisa ou gostaria de saber e o que deverá ser descartado, funcionando, assim, como um crivo, um filtro, selecionando a notícia dentre tantos fatos.

Esses valores, no entanto, não constituem padrões a serem aplicados a todos os veículos de comunicação, muito embora apontem para o mesmo fim, que é a audiência. Fatores como meio, público, linha editorial, vínculos políticos, entre outros, influenciam a seleção da notícia e os critérios de noticiabilidade e fazem com que os valores-notícias variem de um jornal para outro. Para Thaís Jorge, conceituar a notícia é um trabalho difícil, mesmo para os que lidam diariamente com a tarefa de filtrar os acontecimentos e torná-los públicos.

A dificuldade na determinação do que seja exatamente notícia encontra eco nas perguntas que os jornalistas se fazem, diante de fatos que disputam espaço nos veículos de comunicação: “Isto é notícia? Isto é mais notícia que aquilo?” Da resposta a essas questões dependem algumas rotinas da imprensa, como, por exemplo, a pauta – roteiro de possíveis notícias -, a edição de uma página na internet – com a hierarquização do que é mais importante - ou a grade de um programa de televisão – e as chamadas que destacam o que é mais notícia, o que é mais importante ou relevante. (JORGE, 2006, p.4)

O fato, antes de ser notícia, chega às redações por variadas fontes e é função do jornalista saber separá-los. Álvaro Vinente, chefe de reportagem da emissora RBATV, diz que as informações surgem de todos os lados, mas o critério fundamental para definir a notícia, no programa Metendo Bronca, é a importância e o impacto do fato na vida da população.

Diariamente, na redação, a gente recebe muitas informações, de todos os lados: da população, de entidades, de empresas, de centros comunitários. Tem outras informações que a gente pega por outros telejornais, pelo rádio, através do jornal. Então você recebe uma gama de informações que potencialmente são notícias. E você tem um número limitado de equipes de reportagem. Então você vai definir esse critério para escolher aquele assunto que vai merecer uma reportagem. Eu tenho um critério bem simples. A questão é o seguinte: esse assunto, ele diz respeito a um maior número de pessoas? Quanto maior número de pessoas for atingido por esse fato, maior a repercussão dele junto à sociedade. Então ele merece uma reportagem. (VINENTE, 2012, informação verbal). [20]

A definição de importância, como mencionada acima, para explicar por que alguns fatos são notícias e outros não, ou melhor, para conceituar a notícia de forma precisa, é, no entanto, questionada por diversos autores, entre eles Nelson Traquina:

Diversos estudos sobre o jornalismo demonstram que os jornalistas têm uma enorme dificuldade em explicar o que é notícia, de explicar quais são os seus critérios de noticiabilidade, para além de respostas vagas do tipo “o que é importante” e/ou “o que interessa ao público”. (TRAQUINA, 2006, p. 62).

No programa Metendo Bronca, as notícias são relacionadas geralmente ao crime, à violência urbana, escândalos, catástrofes naturais, acidentes etc. Os fatos violentos, segundo Álvaro Vinente, precisam ser noticiados uma vez que afetam e dizem respeito a uma grande parcela da população:

A gente tem feito muito cobertura de assalto com refém porque é um fato chocante, é um fato que qualquer pessoa está sujeita em Belém, a sofrer um assalto e ser refém. E é muito traumático porque envolve não só a vítima, mas os parentes da vítima, os parentes do assassino, a polícia toda é mobilizada, até o bairro onde está acontecendo o fato, o trânsito é interrompido. O assalto com refém é um fato que tem que cobrir. Todo mundo da imprensa cobre porque é um fato de grande repercussão. (VINENTE, 2012, informação verbal). [21]

Os problemas sociais, as injustiças, crimes, a desatenção do Estado que são apresentados diariamente no programa Metendo Bronca se encaixam nos critérios de noticiabilidade, segundo Traquina, por serem a investigação e vigília constantes funções primordiais do jornalismo.

A infração das leis, a má gestão, o mau comportamento por parte de um funcionário ou qualquer autoridade responsável, e mesmo uma sugestão de impropriedade têm noticiabilidade. Assim, os autores atribuem ao jornalismo uma função de policiamento da sociedade, com particular atenção ao governo, em que o desvio e o crime mobilizam a atenção dos membros dessa comunidade interpretativa. (TRAQUINA, 2006, p. 76).

Traquina (2006) afirma ainda que os crimes, especialmente nos quais há morte, são notícia porque a morte é um valor-notícia fundamental na atividade jornalística. As duas denominações são, inclusive, indissociáveis. De acordo com Traquina (2006, p. 79), “onde há morte, há jornalistas. A morte é um valor-notícia fundamental para esta comunidade interpretativa e uma razão para explicar o negativismo do mundo jornalístico que é apresentado diariamente nas páginas do jornal ou nos écrans da televisão”. A violência introduzida cotidianamente no programa Metendo Bronca assume, também, aspecto da banalidade, da rotina pelo uso exaustivo do conteúdo relacionado, como afirma Traquina:

O crime é percebido como um fenômeno permanente e recorrente, e assim grande parte dele é observado pelos media noticiosos de uma forma igualmente rotinizada. Muita desta cobertura do crime assinala, no entanto, a transgressão das fronteiras normativas. (TRAQUINA, 2006, p. 85).

Nesse sentido, a curiosidade situa-se no âmago da busca pelas respostas que possam explicar por que as notícias de cunho sensacionalista despertam interesse no leitor, ouvinte, telespectador. Para Marlu Almeida, diretora do programa Metendo Bronca, essa curiosidade em relação à morte e crimes bárbaros, em geral, é própria do telespectador e do jornalista. Os detalhes, assim, são essenciais para saciar o apetite do público por notícias trágicas. Segundo Marlu Almeida (2012, informação verbal) [22], “a violência, todo mundo quer saber. Como foi que o cara morreu, quantos tiros, onde pegou, se a cabeça abriu, se o peito abriu”. A noção de força da notícia em razão das particulares exibidas durante o programa Metendo Bronca ganha veracidade a partir da observação que Traquina faz sobre a associação da violência com os valores-notícia.

O que confere especial atenção às “estórias” de crimes é a mesma estrutura de “valores-notícia” que se aplica a outras áreas noticiosas: um crime mais violento, com um maior número de vítimas, equivale a maior noticiabilidade para esse crime. Qualquer crime pode ficar com mais valor-notícia se a violência lhe estiver associada. (TRAQUINA, 2006, p. 85).

Acontecimentos trágicos encontram no valor-notícia a justificativa para a existência e permanência da notícia sensacionalista no jornalismo, como explica Thaís Jorge, compartilhando do pensamento de Motta:

Quando algo discrepa (em termos de sua significação), há notícia. Quando alguém mata, rouba, seqüestra, rapta, corrompe, há notícia porque estes atos não são explicáveis de acordo com a nossa moral e a nossa ética, que não passam de “acordos” consensuais. A notícia é o relato de algo sem explicação, é o relato de uma “anormalidade”. Quando algo não é compreendido em relação aos conteúdos consensuais do mundo da vida, então há notícia (MOTTA, 2002, p. 15 apud JORGE, 2006, p. 8).

A informação é qualificada no jornalismo como mais e menos importante a partir dos valores-notícia. Ou seja, quanto mais fortes forem esses valores (mais atuais, próximos da realidade do público, novos), melhores serão os resultados da audiência do produto, como argumenta Thaís Jorge (2006, p.8) ao dizer que “se os valores-notícia são fracos – ou seja, se não têm apelo –, tanto menos audiência terá o produto. Se são fortes, não existe como frear a divulgação dos fatos: eles sobressaem, destacam-se, é como se tivessem vida própria”. Do mesmo modo, quanto mais frágeis forem os valores, menor será o retorno do público, e consequentemente menores serão os anúncios veiculados à programação. Para o gerente de jornalismo da RBATV, Adil Bahia, a existência do jornalismo policial marcante no programa Metendo Bronca afugenta os grandes anunciantes, mas atrai comerciantes médios interessados em vender para as classes C, D e E:

Com o jornalismo policial muito presente no programa você não pode ter os grandes anunciantes como clientes de um programa como o Metendo Bronca, por exemplo. Mas, quem procura comercializar os produtos nas classes D, E e principalmente na classe C, que é a grande classe consumidora e é alvo de todos os grandes anunciantes, pode procurar o programa Metendo Bronca porque é onde está concentrado o maior número de telespectadores hoje na RBATV. (BAHIA, 2012, informação verbal).

Percebe-se, portanto, que definir notícia é ainda uma tarefa complexa e sujeita a influência de elementos tanto subjetivos quanto comerciais, editorias e políticos, fatores externos de modo geral. Como destaca Traquina (2006, p.96), “não há regras que indiquem que critérios têm prioridade sobre os outros; mas os critérios de noticiabilidade existem, duradouros ao longo dos séculos”. Portanto, o conceito sugerido por Márcia Amaral (1982, p.40 apud JORGE, 2006, p. 8), que atribui a Amus Cummings a definição clássica de notícia: ‘se um cachorro morde um homem, não é notícia, mas se um homem morde um cachorro, aí então é notícia, e sensacional’”, é ainda um dos mais exatos na tentativa de definir o processo de filtragem da informação.

3.5. FAIT DIVERS

O conceito vem do francês e significa, resumidamente, o acontecimento do dia, ligado a fatos policiais. Os fait divers[23] são ocorrências diversas de cunho espetacular e constituem o elemento principal do sensacionalismo. Os programas sensacionalistas, como o programa Metendo Bronca, por exemplo, apresentam características muito próprias, sendo o fait divers, portanto, a representação mais expressiva e a definição que explica satisfatoriamente a construção do gênero. O autor Danilo Angrimani exemplifica as manifestações dos fait divers no jornalismo sensacionalista: 

Fait divers é uma rubrica sob a qual os jornais publicam com ilustrações as notícias de gêneros diversos que ocorrem no mundo: pequenos escândalos, acidentes de carro, crimes terríveis, suicídios de amor, operários caindo do quinto andar, roubo a mãe armada, chuvas torrenciais, tempestades de gafanhotos, naufrágios, incêndios, inundações, aventuras divertidas, acontecimentos misteriosos, execuções, casos de hidrofobia, antropofagia, sonambulismo, letargia. Ampla gama de atos de salvamento e fenômenos da natureza, como bezerros de duas cabeças, sapos de mil anos, gêmeos xifópagos, crianças de três olhos, anões extra-ordinários. (ANGRIMANI, 1995, p. 25).

Danilo Agramani (1995, p. 26) diz ainda que, “no fait divers, as proteções da vida normal são rompidas pelo acidente, catástrofe, crime, paixão, ciúmes, sadismo”. O fait divers, ainda de acordo com Danilo Angrimani (1995), agrega uma quantidade enorme de assuntos que se encaixam no conceito, desde a assistência social às vítimas de um desastre natural, ou alguém que ficou preso inocentemente durante anos, ou mesmo um crime de natureza bizarra. O fait divers, segundo o autor, é resultado de uma mistura de horror, poesia e humor:

As vítimas do bazar de caridade incendiado e seus sofrimentos atrozes, ao lado daquele funcionário que errou de porta e trabalhou durante dois anos em um outro serviço, ou aquele afiador de facas que se estrangulou com uma espinha de peixe. (ANGRIMANI, 1995, p. 28).

O fait divers, além de ser o ingrediente principal da produção diária do sensacionalismo, é também, aliado à linguagem, um fator decisivo na construção da fidelização do público-alvo e interfere inclusive na relação do programa com o mercado. Danilo Angrimani explica essa relação que o mercado e o público têm com o conteúdo do fait divers e a linguagem sensacionalista:

O que vai fazer com que o mercado se divida e haja um público exclusivo para o veículo sensacionalista é a linguagem; a linguagem editorial que é a forma de se destacar uma foto, tornar o texto mais atraente, enfim, a busca de um equilíbrio entre ilustração e texto, além da preferência por matérias originadas de fait divers, em detrimento de temas político-internacionais que servem como estímulo predominante ao jornal informativo comum. (ANGRIMANI, 1995, p. 54).

Segundo a diretora do programa Metendo Bronca, Marlu Almeida, o interesse pelo fait divers, pelas notícias chocantes, pela morte, por toda a violência, de modo geral, acomete todas as pessoas, mesmo que poucos assumam a curiosidade pela morbidez, pelo grotesco:

É uma coisa que você olha e você passa e escuta, por mais que você não pare e olhe, você quer saber da notícia. “Olha, morreram três no bairro tal”, “morreram dois na madrugada não sei de qual”, “a mulher matou o cara porque pegou ele com outra, com outro”... Então, isso é uma coisa que interessa a todo mundo. Isso é uma coisa que todo mundo quer saber, ninguém assume que quer saber, mas quer saber. (ALMEIDA, 2012, informação verbal). [24]

É possível concluir, no entanto, que o fait divers não é exclusividade dos produtos sensacionalistas, estando presente em quase todos os meios de comunicação. Qualquer percepção, de acordo com Danilo Angrimani (1995), que aponte os jornais sensacionalistas como violentos, separando-os dos demais considerados não violentos, é errônea, uma vez que nos jornais de referência a violência também está presente, mas mascarada, enquanto no jornalismo sensacionalista é patente e faz parte da edição cotidiana do produto.

3.6. DESAFIOS E ALTERNATIVAS

Os obstáculos para produzir um jornal ou programa popular diário de qualidade não são poucos: a exaustiva e frenética rotina de trabalho, a busca constante por novas abordagens de um mesmo assunto, os riscos que a cobertura policial envolve, além da necessidade permanente de conquistar o público todos os dias e a prejudicial dependência comercial etc. O jornalismo, segundo o apresentador Joaquim Campos (2012, informação verbal), “consome o teu dia, você está sempre atrasado. A melhor matéria é a que você vai fazer ainda, a que você fez não vale mais nada”. O jornalismo popular precisa, portanto, se renovar diariamente e, mais que isso, necessita subverter os formatos tradicionais caso queira se manter competitivo, rentável e atraente. Essas tarefas, somadas, tornam trabalhosa, mas não impossível, a reconstrução do gênero popular.

A autora Márcia Amaral (2006) fala que é importante procurar novos caminhos para contar uma história simples ou de pouca repercussão e torná-la fascinante. Para Márcia Amaral (2006, p.110), “buscar boas pautas é sempre um desafio. É papel do jornalista que trabalha com o público popular procurar novas abordagens dos temas normalmente ‘carne e osso’”.

Márcia Amaral (2006, p. 120) discorre ainda sobre a necessidade de relatar as tragédias sem incorrer em abusos em nome da audiência. O jornalismo, argumenta a autora, “tem a missão de mostrar o sofrimento gerado por uma catástrofe, um fato violento ou ima injustiça, mas o drama é decorrente do fato em si, não precisa ser forjado pelo jornal”. No programa Metendo Bronca, contrariamente ao pensamento da autora, a produção enfatiza o sofrimento resultante das catástrofes e das tragédias familiares, por exemplo, valorizando o entretenimento em detrimento das duas outras propostas fundamentais do jornalismo: formação e informação.  

Márcia Amaral (2006, p. 121) aponta o problema da construção do gênero no que tange à exploração de sentimentos dolorosos para garantir emoção e comoção a todo custo. A autora lembra que “o jornalista deve ter respeito pelo sofrimento alheio. Não tem o direito de fazer as pessoas sofrerem ainda mais, forçando-as a fazer declarações dramáticas”. Nessa perspectiva, é responsabilidade do jornalista da imprensa popular saber dosar competência e sensibilidade para retratar a realidade social do público consumidor em uma linguagem de fácil compreensão sem desrespeitar os envolvidos nos fatos. O jornalismo popular requer ainda distanciamento do espaço particular do jornalista a fim de alcançar a visão da sociedade a partir da ótica do telespectador e desenhá-la de acordo com o conhecimento de mundo de quem assiste. O jornalista de um jornal popular nem sempre é conhecido pelas autoridades políticas e muitas vezes é menosprezado pelos colegas de profissão de outras editoriais ou veículos, mas é frequentemente reconhecido nos bairros humildes onde costuma reportar (AMARAL, M. 2006).  

Márcia Amaral (2006) reflete sobre a dificuldade da rotina de trabalho do repórter dos jornais populares:

Os repórteres de jornais populares têm um cotidiano mais difícil, pois as comunidades que cobrem ficam em bairros e vielas mais distantes, muitas vezes em lugares de difícil acesso e sem segurança. Quanto às pautas, muitas surgem do contato das fontes populares que costumam procurar as redações. (AMARAL, M. p. 126).

No programa Metendo Bronca, as pautas também surgem da interação com o público. Como lembra a produtora do programa, Rozana Pantoja:

A gente recebe muita ligação dos nossos telespectadores fazendo denúncias em relação ao saneamento, à saúde, à segurança. Muita gente vem aqui e procura a gente. A gente pega muita matéria assim, muita matéria de comunidade dessa maneira. É o próprio telespectador que liga, procura e sugere. (PANTOJA, 2012, informação verbal). [25]

Nesse sentido, o jornalismo popular ideal deve destacar não apenas o que for de interesse humano, o que afeta a sociedade como um todo. No caso da imprensa popular, retoma Márcia Amaral (2006, p. 129), ”o jornalismo deve dar conta especialmente dos problemas sociais vividos diariamente pelo público”.  Assim, é primordial que o jornalismo popular conquiste e mantenha a confiança do público. Como reflete Denis Moreira, a partir da realidade do jornal impresso, mas que pode ser também aplicada aos programas populares na televisão:

Para qualquer jornal, a busca de uma identidade com os leitores é indispensável. Em momentos de crise, o elo com o público é o único fator que possibilita a sobrevivência de uma publicação, por mais derrapante que seja a conjetura econômica, política ou social. Quando se trata de um jornal popular, então, essa cumplicidade se torna absolutamente imprescindível. A relação com o leitor das camadas mais baixas, mais do que em qualquer outro segmento de mercado, tem de ser da mais absoluta fidelidade e transparência. O leitor depende do jornal, e nele deposita cegamente sua confiança; enganá-lo é assinar o próprio atestado de óbito. É por esse lema que o jornalismo popular deve se orientar. (MOREIRA et al, 2011, p. 15).

Acreditar no desenvolvimento de um jornalismo popular comprometido com os valores sociais e com a cidadania faz-se, assim, necessário. Esse jornalismo popular renovado substituiria, desse modo, a função de “cão de ataque”, conservando a função de “cão de guarda” e acrescentando o papel de orientador social, o “cão guia”. (AMARAL, M. 2006). O jornalismo popular, para ser útil socialmente, precisa repensar os objetivos de sua produção e investir na qualidade do conteúdo com o propósito principal de formar e informar melhor seus leitores, telespectadores e ouvintes.

4. METENDO BRONCA: UM DOCUMENTÁRIO

4.1. INTRODUÇÃO AO DOCUMENTÁRIO

O documentário Metendo Bronca é resultado de estudo bibliográfico da história, dos conceitos, das características, problemáticas e das abordagens acerca do sensacionalismo. Fundamentou-se, também, antes de ser produzido, em pesquisas nos campos do cinema e do telejornalismo. A base teórica abarca os principais conceitos e técnicas da produção audiovisual: produção textual de roteiro de filmagem, agendamento de entrevistas, processo de gravação, decupagem[26], edição e sonoplastia, além de efeitos visuais e conceitos gerais da produção específica para documentários. Nesse sentido, é necessário apresentar algumas observações sobre o gênero e a concepção do autor Sérgio Puccini resume os estágios dessa linguagem: 

Documentário é também resultado de um processo criativo do cineasta marcado por várias etapas de seleção, comandadas por escolhas subjetivas desse realizador. Essas escolhas orientam uma série de recortes, entre concepção da idéia e a edição final do filme, que marcam a apropriação do real por um discurso. (PUCCINI, 2009, p. 5).

A fase da produção do roteiro de filmagem, por exemplo, foi feita a partir de uma descrição geral do documentário: escolha do assunto, do gênero, da duração do produto, do caráter do vídeo, cor, seleção de imagens, bem como a apresentação do documentário, as propostas principais, a abordagem, o conteúdo apresentado, as entrevistas e o cronograma da gravação. A prévia disposição organizada desses dados é essencial para analisar melhor o material de que a produção precisará. Como argumenta Sérgio Puccini (2009), “é preciso detalhar o conteúdo do filme para que então se possa fazer um correto levantamento das necessidades da produção”. O autor Berry Hampe também destaca a necessidade da pré-produção:

O roteirista faz o mesmo tipo de pesquisa para um documentário que um escritor teria que fazer para um artigo em uma revista. Visitar as locações, falar com as pessoas, obter os fatos – o quem, o que, o quando, o onde, o porquê e o como de cada evento a ser documentado. Deve conseguir, também, algumas informações básicas, como uma a lista de pontos históricos, uma lista de pessoas a serem filmadas, de lugares, e de eventos que devem ser filmados. (HAMPE, 1997, p. 2)

A pesquisa do roteirista, completa Barry Hampe (1997), “deve estar focada não apenas nos fatos sobre os assuntos do documentário, mas também em como mostrá-los claramente ao espectador”. O princípio do documentário, conclui Barry Hampe (1997), “é o ponto do seu trabalho do qual nada precisa ser dito. O final é o ponto além do qual nada mais precisa ser dito. E o meio corre entre os dois”.

A criação do produto em formato audiovisual foi baseada em alguns documentários e longas-metragens. O autor Marcos Rey defende que por mais utilizada seja uma abordagem há sempre a oportunidade de imprimir um toque pessoal na produção. O autor explica:

Qualquer idéia, mesmo muito usada, pode ter suas impressões digitais, diferençando-se do que já foi dito. Às vezes a idéia não nasce de fatos que você viveu, mas que aconteceram a pessoas do seu meio, parentes, amigos ou conhecidos. Acontecimentos que impressionam. O que a memória retém sempre dá história. (REY, 1997, p. 8).

O documentário produzido emprestou características técnicas principalmente dos filmes “Cartola, música para os olhos” [27] e “Globalização: O mundo global visto do lado de cá” [28], além de utilizar a roupagem do programa Metendo Bronca.

4.2. ROTEIRO DE FILMAGEM

4.2.1. ASSUNTO

Documentar, através de vídeo, a rotina do programa Metendo Bronca, mostrando as etapas do processo de produção do conteúdo jornalístico e de entretenimento que estruturam a linha editorial do informativo policial da emissora RBA TV. Fazendo-se necessário registrar os diversos estágios da construção da notícia enquanto produto midiático veiculado pelo programa, desde os critérios de seleção e noticiabilidade, até a relação com as fontes populares e de polícia, bem como o desenvolvimento das reportagens, da edição, apresentação e dos mecanismos de interação com o público e de linguagem, tendo como propósito a compreensão dos métodos de organização do programa Metendo Bronca.

Gênero: Documentário.

Duração: 15 minutos.

Tipo: Curta-metragem.

Cor: Colorido

Imagens: Atuais e de arquivo.

4.2.2. APRESENTAÇÃO

A proposta do documentário enquanto método avaliativo e de construção do conhecimento científico é, substancialmente, demonstrar como são aplicadas as teorias relacionadas à corrente sensacionalista no programa Metendo Bronca e investigar as maneiras pelas quais esse segmento do jornalismo é compreendido, sobretudo por quem o produz e está estreitamente habituado às peculiaridades do jornalismo sensacionalista, popular e policialesco.    

A documentação em vídeo tem ainda a intenção de estudar a estrutura do programa – linha editorial, linguagem, participação do telespectador, audiência, apresentação, filtragem de notícias –, e como se encaixam as teorias do jornalismo, especialmente os critérios de noticiabilidade e valores-notícia, dentro do gênero policial. 

4.2.3. PROPOSTAS

a)Documentar as fases do processo de produção e conhecer a estrutura básica do programa Metendo Bronca;

b)Mostrar como funcionam os filtros e critérios que definem a notícia dentro da redação do programa;

c)Estudar a relevância do jornalismo de polícia;

d)Procurar as manifestações mais evidentes do sensacionalismo no programa Metendo Bronca;

e)Destacar os diferentes critérios de noticiabilidade e a escolha dos fatos que podem render reportagens;

f)Estudar o papel do apresentador como mediador e representante das classes às quais o programa se destina;

g)Ampliar, por meio do documentário e da pesquisa, o conhecimento científico relacionado à corrente sensacionalista e ao telejornalismo local;

h)Estudar também os canais de participação e interatividade destinados ao telespectador, e a receptividade e identificação do público com o apresentador e com o programa;

i)Compreender a relação dos jornalistas do programa com as fontes policiais e investigar as formas mais usuais de obter informação na editorial de polícia;

j) Mostrar como o profissional que produz conteúdo sensacionalista percebe o sensacionalismo.

4.2.4. ABORDAGEM

Para gravar o documentário sobre o programa de televisão Metendo Bronca foram incorporadas técnicas do telejornalismo e do cinema. A documentação em vídeo tem a duração de no máximo 15 minutos, colorida e sonorizada.

O caráter do trabalho requer a maior naturalidade e fidelidade possível durante as entrevistas, não cabendo, portanto, nenhuma interferência com outros fins que não os puramente acadêmicos. Os ajustes, se necessários, deverão ocorrer durante o processo de edição, e estritamente relacionados à qualidade de áudio e imagem e composição geral do documentário.    

4.2.5. CONTEÚDO

Programa: breve história do programa (surgimento, proposta, conteúdo veiculado), estrutura, divisão de matérias, blocos, duração e uso de recursos de interação com o público. 

Linha editorial: assuntos que compõem o programa com assídua frequência e definem a roupagem do Metendo Bronca. Temáticas relacionadas ao crime escolhidas deliberadamente com o objetivo de caracterizar o programa, buscando empatia e predileção do público ao qual se destina.

Produção de pautas e reportagem: critérios, características e fatores que exercem influência na discussão e na escolha das pautas do programa, determinando, assim, o que deve ser elevado ao status de notícia e definindo ainda os assuntos que merecem maior destaque. A rotina das equipes de reportagem da editoria de polícia em situações de conflito e perigo, e a postura diante das dificuldades encontradas no cotidiano da profissão, especialmente às relacionadas aos limites éticos e as obrigações com a emissora e com o telespectador. 

Apresentação do programa: papel da apresentação enquanto fator fundamental de personificação do produto e identificação do público com o mediador. Assimilação da função do apresentador e a receptividade do telespectador com relação ao personagem e às expressões criadas para o informativo.

Público: diálogo do programa Metendo Bronca com o público e métodos de participação da sociedade e construção do conteúdo do informativo policial. Canais de comunicação entre emissor e receptor, demandas, solicitações e projeções do telespectador em relação ao apresentador e ao produto midiático.

Linguagem: expressões populares, jargões, comentários jocosos, usos exaustivos da reportagem policial sintetizam e conferem o caráter popular que o programa se propõe, transmitindo, essencialmente, a realidade do público alvo através da linguagem e do conteúdo.

Sensacionalismo: justificativa do discurso da violência e do sensacionalismo como necessidade do telespectador que busca satisfazer a curiosidade através do noticiário policialesco. Limites da opinião em detrimento da imparcialidade, premissa do jornalismo, no programa.

4.2.6. ENTREVISTAS

Adil Bahia – Gerente de jornalismo;

Álvaro Vinente – Chefe de reportagem;

Natascha Batalha – Chefe de reportagem;

Marlu Almeida – Diretora;

Rozana Pantoja – Produtora;

Andrezza Anaissi – Produtora;

Marcos Aleixo – Repórter;

Joaquim Campos – Apresentador.

4.2.7. CRONOGRAMA

Gravação 1

Data: 18.05.2012.

Local: Redação da RBA TV.

Imagens: Internas. 

Horário/Turno: Tarde.

Entrevistados: Adil Bahia, Álvaro Vinente, Natascha Batalha, Rozana Pantoja, Andrezza Anaisse. 

Gravação 2

Data: 23.05.2012

Local: Estúdio de gravação do programa Metendo Bronca.

Imagens: Internas.

Horário/Turno: Manhã

Entrevistados: Marlu Almeida, Marcos Aleixo.

Gravação 3

Data: 30.05.2012

Local: Camarim da RBA TV.

Imagens: Internas.

Horário/Turno: Manhã.

Entrevistados: Joaquim Campos.

4.3. ROTEIRO DE EDIÇÃO

Abertura – Clipe // Sobe Som – Chamada do programa// Vinheta.

Sonora Adil Bahia – Gerente de jornalismo – O Metendo Bronca surgiu da necessidade de se mudar a linha editorial do Barra Pesada, que desde sua criação ainda na década de 80, tinha a linha editorial voltada para a cobertura policial.

(Inserir vídeo de arquivo da primeira edição programa Metendo Bronca, depois da palavra “Pesada”).

Arte 1- “Se um cachorro morde um homem, não é notícia, mas se um homem morde um cachorro, aí então é notícia, e sensacional” – Amus Cummings.

Sonora Adil Bahia – Gerente de jornalismo – O que aconteceu? O que iria acontecer com essa produção policialesca do nosso jornalismo? Ela deveria ser escoada e nós criamos um programa policial com o nome de Metendo Bronca para recebermos toda essa produção que era feita da cobertura policial do dia a dia.

(Inserir vídeo Capítulo 1 /Título 1, depois de “Nosso jornalismo?”).

Sonora Joaquim Campos - Apresentador – De tanto conviver nas ruas com a população, vendo as necessidades, o que eu fiz? Eu falei “não”, está faltando um personagem do povo lá dentro. Eu, graças a Deus, trouxe, como eu sou lá fora para a televisão.

Sonora Marlu Almeida - Diretora – O Metendo Bronca está estruturado em cinco blocos, mais ou menos uns oito minutos a onze minutos cada bloco. A gente tem uma matéria principal, comentários do Joaquim e a gente lança para o telespectador, na interatividade através de SMS ou o portal, e a participação do público é sempre importante. 

(Inserir apenas imagens de fundo do programa atual – Capítulo 1/Título 1).

Arte 2 - “O noticiário de polícia tem valorizado mais a cobrança das autoridades no que diz respeito à explosão da violência e às falhas da segurança pública” – Márcia Amaral.

Sonora Natascha Batalha – Chefe de reportagem – O Metendo Bronca, ele trabalha basicamente com a pauta policial. Então tudo o que for relacionada a crime é pauta para o Metendo Bronca. Então vai ‘saidinha de banco’, vai seqüestro, vai abuso sexual, roubos simples, factual. Assim, roubo de ônibus, roubo de carros, hoje a gente fez uma falsificação de documentos de carros e de motos, de esquentar placa, então isso vai para o Metendo Bronca.

(Inserir trechos de imagens de arquivo depois do trecho “pauta policial”). 

Sonora Adil Bahia – Gerente de jornalismo - Assuntos voltados à segurança pública, assuntos voltados para a defesa do cidadão: tráfico de drogas, assalto com refém, seqüestros, crimes, homicídios, latrocínio, esse tipo de reportagem dessa cobertura diária que está aumentando a cada dia, ela é voltada para o Metendo Bronca, que tem na apresentação um jornalista ácido, crítico, que demonstra toda a sua indignação com a atual situação dos números da violência que assolam a capital paraense e todo o estado.

(Inserir trecho de reportagem do capítulo 9/Título 1).

Arte 3 - “Onde há morte, há jornalistas. A morte é um valor-notícia fundamental para esta comunidade interpretativa e uma razão explicar o negativismo do mundo jornalístico” – Nelson Traquina.

Sonora Álvaro Vinente – Chefe de reportagem A gente tem feito muito cobertura de assalto com refém porque é um fato chocante, é um fato que qualquer pessoa está sujeita em Belém, a sofrer um assalto e ser refém. E é muito traumático porque envolve não só a vítima, mas os parentes da vítima, os parentes do assassino, a polícia toda é mobilizada, até o bairro onde está acontecendo o fato, o trânsito é interrompido, entendeu. Existiu, por exemplo, na BR 316, no final da tarde, ou seja, no horário de pico, quando as pessoas estão voltando pra casa, interrompeu a BR, que é a única saída, é o único acesso para você sair e entrar em Belém. Então isso praticamente paralisou vários bairros da cidade. As pessoas que estavam indo para casa tiveram que esperar várias horas até resolvida a negociação, para que o assaltante libertasse o refém e pudesse voltar para casa. Então, isso aí é... O assalto com refém é um fato que tem que cobrir. Todo mundo cobre da imprensa porque é um fato de grande repercussão.

(Inserir imagens da reportagem do assalto com refém na BR 316).

Sonora Rozana Pantoja – Produtora – A gente tem o contato das delegacias, das seccionais daqui, a gente liga diariamente em todos os horários e a gente tem também o número das Zpois, que são as zonas de policiamento que funcionam nos bairros. A gente mantém contato direto com eles também. E fazendo ronda também: de manhã, de tarde, de noite e assim a gente vai conseguindo fontes policiais, matérias policiais.

Sonora Marcos Aleixo - Repórter – Na cena do crime, a questão é: primeiro a notícia. A notícia o que é? A prisão de um bandido, de um assaltante. A gente vai nele. Vai logo nele saber exatamente os motivos, enfim, o planejamento e tal. Alguns resolvem colaborar de forma espontânea, outros não. Aí nós vamos ao policial que vai contar todo o cenário, a cena, o que aconteceu, toda a cobertura.

(Inserir imagens da reportagem Capítulo 2/Título 3 depois dessa fala, em 56 minutos e 49 segundos e continua até o final da outra sonora).

Sonora Marcos Aleixo – Repórter - E a população, às vezes, quando tem denúncia, quando tem que falar, dizer às vezes como é que aquela informação chegou, às vezes é um 181 da polícia, às vezes é o próprio policial na investigação, é a ronda que acontece. Aí nós procuramos saber dos moradores o que eles acharam desse trabalho da polícia. E dos, infelizmente, parentes das vítimas, parentes dos criminosos, que vão explicar se era uma pessoa se bem, se não era, se foi preso indevidamente, se não foi, e o próprio criminoso que vai dizer se assume, se não, se foi ou não foi, é ou não é, e a polícia que faz o papel dela, como ele chegou, porque, onde, e é mais ou menos esse o cenário que a gente procura desenhar para o telespectador, no nosso caso, da cena do crime.

Arte 4 - “Normalmente, o apresentador é quem representa a ‘cara’ do programa e é quem primeiro estabelece um pacto com a audiência” – Dannilo Oliveira.

Sonora Joaquim Campos – Apresentador - As pessoas passam a entender aquele apresentador como um cara que diz a verdade. Isso também, depois eu descobri, era uma necessidade das pessoas. Porque aquele jornalismo padrão, tudo bem, tudo certinho, eu acho justo que a pessoa tenha suas preocupações e não exponham a sua opinião. A televisão caiu na besteira de deixar eu expor a minha opinião. Então o que eu não gosto eu falo, eu chamo os políticos de corruptos, mesmo nessa emissora, que tem um vínculo político.

Sonora Andrezza Anaissi – Produtora – O programa dialoga com aquele publico da classe C. E aí a todo tempo e a todo o momento o público também está interagindo diretamente com ele, sempre com o Joaquim. O Joaquim também interage muito com o público, que participa bastante da programação. Apelos, denúncias a todo o momento chegam, porque as pessoas costumam comparar o Joaquim com um policial. Então todo momento chegam denúncias para ele, sejam através do portal de voz, de SMS, até mesmo pelo telefone.

(Inserir imagens do apresentador mostrando os números do portal de voz. Capítulo 5/Título 1, depois do trecho “Joaquim com um policial”).

Sonora Andrezza Anaissi – Produtora - A todo o momento, qualquer comentário ou qualquer informação que o Joaquim passe... Esse tipo de informação, esse tipo de ele trabalhar... De fazer esse “ruum”, e de falar “você que está aí, participe” e tudo mais, identifica muito a pessoa e vai dando para aquela pessoa a oportunidade dela sentir que ela está participando do Programa.

(Inserir vídeo do Capítulo 10/Título 1, pedindo portal de voz).

Arte 5 – “Um crime mais violento, com um maior número de vítimas, equivale à maior noticiabilidade para esse crime. Qualquer crime pode ficar com mais valor-notícia se a violência lhe estiver associada” – Nelson Traquina.

Sonora Joaquim Campos – Apresentador O ‘Ruuum’, é que as pessoas gostam. É uma expressão de quem está chateado. E que é pior, que as pessoas em casa sentem vontade de chamar o mesmo palavrão que eu. Eu acho essa simbiose perfeita.

Sonora Marlu Almeida – Diretora – O material todo de polícia vai para o Metendo Bronca. Claro que a gente não mostra tudo, não dá tempo, às vezes foge alguma coisa ou outra, mas a gente procura selecionar imagens menos chocantes. Num homicídio, no local do crime a gente coloca sempre um blurzinho, porque a gente veicula o programa mais ou menos na hora do almoço. Então, para não mostrar sangue, para não mostrar coisas que vão chocar mais ainda a gente resguarda, a gente coloca um efeito, deixa subentendido.

(Inserir imagens da reportagem (16:10) do Capítulo 6/Título 2, depois do trecho “Alguma coisa ou outra”).

Sonora Marlu Almeida - Diretora Às vezes a gente não tem como não chocar. A violência não tem como não chocar. Está se tornando uma coisa banal, mas infelizmente a gente não tem como não chocar. Um duplo homicídio, um estupro de vulnerável, essas coisas chocam. A gente tenta amenizar, tenta buscar sempre os dois lados do fato como ele é, tenta ouvir especialistas no caso, mas é uma coisa que choca. E a gente, na medida do possível, quebra essa rigidez e faz um comentário mais jocoso. Lança para a comunidade, lança para a justiça o que é que se faz para conter tanta violência, mas é o mundo que a gente vive mesmo. Está violento. E a nossa linha é essa.

(Inserir trechos de reportagens policiais/ Capítulo 9/Título 1, até o trecho “Essas coisas chocam”).

Arte 6 - O interesse pelo “mundo cão” não é uma exclusividade das camadas mais pobres. A diferença está na ‘lente de aumento’” – Francislene de Paula.

Sonora Marlu Almeida – Diretora – Sensacionalismo é uma coisa que eu convivo muito bem. A gente faz... A violência, ela tem... Todo mundo quer saber. “Ah! Como foi que o cara morreu, quantos tiros, onde pegou, se a cabeça abriu, se o peito abriu”, está entendendo?! Claro que a gente não joga isso de cara para o telespectador, mas é natural do ser humano querer saber isso, ainda mais natural do jornalista querer saber como foi, querer contar, querer mostrar.

Sonora Joaquim Campos – Apresentador – Eu não acho justo que venha um desgraçado que não trabalha, um vagabundo... Porque as pessoas “não fala, isso é televisão”. Vagabundo, pilantra! Tem que levar muita porrada. Eu não posso falar que eu sou a favor de que execute, que extermine. Eu não posso falar isso.

(Inserir trechos de reportagens policiais, até a frase “tem em qualquer emissora”).

Sonora Marlu Almeida - Diretora – Não fui eu que provoquei a violência, não sou eu que cometo os crimes, mas eu tenho que mostrar. Mas a gente procura amenizar. E aí, sensacionalismo tem em qualquer emissora. O que a gente faz aqui as outras fazem, talvez não com esse estardalhaço que a gente faz, porque a gente é um programa popular, quem assiste a gente é o pessoal que convive nesse meio onde a violência é mais comum, vamos dizer assim, entre aspas mais comum, onde as coisas acontecem e é o povo que quer falar. Quando a família perde um ente querido que é bandido, que é assaltante, quer falar: “Ah, meu irmão não era bandido, meu filho não era bandido, não era assaltante”, “Ah, eu quero justiça”, e isso vai provocando um certo furor no pessoal que ta lá. E a gente mostra isso, acabou.

Finalização – Créditos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da convivência mais densa com o tema, proporcionada pela pesquisa acadêmica e pela produção do documentário, este trabalho encerra com muitos questionamentos respondidos, mas abre também outras possibilidades de investigação científica posteriores, especialmente no que concerne às alternativas para ressignificar o jornalismo sensacionalista e as funções sociais do produto popular. A experiência da pesquisa diária, aliada às entrevistas, mostrou-se fundamental no sentido de aprofundar o conhecimento a respeito do objeto estudado e compreender os processos de produção do programa Metendo Bronca, sendo esta última contribuição o objetivo maior do trabalho. Mediante os processos investigados durante a produção do projeto, conclui-se, inicialmente, que o programa Metendo Bronca encaixa-se nas definições de sensacionalismo estudadas ao longo da pesquisa, apresentando, portanto, múltiplas características do gênero. Nesse sentido, no que diz respeito ao histórico do sensacionalismo na televisão brasileira a pesquisa demonstrou que, desde a criação, em 1998, o programa Metendo Bronca passou por poucas modificações, que em geral se reduziram ao cenário e apresentador, mantendo, deste modo, a mesma linguagem coloquial, formas de apresentação e a linha editorial idêntica à proposta na concepção do produto, sendo, assim, nova réplica de uma antiga fórmula utilizada à exaustão no país.

Entendemos que se torna necessário repensar principalmente a função do jornalismo nesse campo em específico, refletir sobre o que é produzido e sobre os efeitos sociais dessa produção do espetáculo travestido de notícia. Nesse contexto, deve-se salientar a ausência de um papel social construtivo claro no programa Metendo Bronca, que apesar de obter grande influência no meio popular, não desempenha satisfatoriamente os princípios elementares da comunicação social (formação, informação e entretenimento), destacando fundamentalmente o último, cumprindo regularmente o segundo, sem alcançar, contudo, plenamente a primeira e mais importante missão do jornalismo. O sensacionalismo noticiado no programa Metendo Bronca não consegue, portanto, transpor os limites da própria existência; são acontecimentos que se encerram em si sem levar adiante reflexões duradouras e nem mudanças sociais, por menores que sejam. Notou-se ainda, através da pesquisa, que a identificação do telespectador se dá principalmente pela representação de sua realidade social e apresentação de fatos inclusos no cotidiano do telespectador. Outro aspecto interessante observado durante a realização do trabalho diz respeito à visão que o público tem do apresentador e da própria função do programa. Percebeu-se, assim, que a linguagem do programa, no lugar de auxiliar o telespectador, termina por confundi-lo quanto ao papel social do jornalismo, de modo geral. Na redação do programa Metendo Bronca, por exemplo, chegam, como analisado durante as entrevistas, diversas denúncias com relação à segurança pública; muitas, inclusive, solicitam que o apresentador cumpra função policial que não lhe compete, evidenciando, deste modo, a dissolução dos papéis (jornalista e policial) a partir da visão que o público tem sobre o programa e sobre o apresentador. 

A observação diária do ambiente de construção do objeto de estudo proporcionou ainda a oportunidade de conhecer as etapas de produção da notícia, desde a pauta à apresentação do programa. Assim, confirmou-se a conservação do denuncismo e do assistencialismo elevados ao status de notícia, corroborando para a afirmação de que os fatos apresentados terminam em si, sem desdobramentos: uma pessoa enferma que precisa de um leito, a apreensão de um adolescente que cometeu ato infracional e ajuda na reconstrução de uma casa incendiada, por exemplo, podem ter valor humano, mas acrescentam minimamente no que diz respeito ao interesse público, sobretudo pela inexistência de aprofundamento dos problemas e pela individualização dos casos. A notícia, no programa Metendo Bronca, segue a lógica do sensacionalismo, plenamente. Ao tentar descobrir o que é notícia, e o que é mais notícia que outra notícia, chega-se à conclusão de quanto maior impacto emocional e apelativo de um fato, maiores serão as chances de ser considerada notícia. Assim, as perseguições policiais, os constantes assaltos, e outros crimes, por terem tensão própria elevada, são notícia, rotineiramente. O programa perde, ao direcionar o conteúdo para grupos predeterminados, a propriedade de dialogar com públicos heterogêneos e a oportunidade de referenciar a sociedade de modo geral.

Esta pesquisa agregou duas temáticas de grande interesse para o autor, cinema e sensacionalismo, sendo, por conseguinte, uma experiência muito construtiva e enriquecedora. Cada uma delas teve vital contribuição na apreensão dos conceitos, características e manifestações do sensacionalismo no programa Metendo Bronca. É oportuno salientar ainda que o jornalismo sensacionalista necessita bem mais que reformulações superficiais. É importante buscar o sentido do jornalismo enquanto agente de transformação, para além das disputas de audiência; a função do jornalismo comprometido com a cidadania, com os direitos humanos não por medo de processos judiciais, mas por entender a clara privação dos direitos fundamentais do indivíduo, por exemplo. É necessário perceber que no jornalismo, a informação é para todos e não deve ser reduzida a grupos, públicos, classes sociais etc. Tornar clara a informação e priorizar o interesse público é um passo essencial na reconstrução de um jornalismo que sirva para orientar a todos, igualmente.

6. REFERÊNCIAS

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VINENTE, Álvaro. Metendo Bronca. Entrevista concedida a Byanka Arruda em 18 de maio de 2012.


[1] Significado da palavra: Sensacionalismo: sm. Divulgação e exploração de matéria capaz de emocionar ou escandalizar. (Ferreira, 2001, p. 630).

[2] Segundo Rosa Pedro (2001, p. 45), “a literatura sobre jornalismo brasileiro se refere a dois tipos de imprensa, de elite (de prestígio, de qualidade, séria) e popular”.

[3] O programa Metendo Bronca é, segundo a descrição do site da emissora RBATV, um “programa policial que utiliza uma linguagem informal e dinâmica para interagir com o público”.

[4] Emissora paraense afiliada à Rede Bandeirantes, do grupo Bandeirantes, em Belém do Pará.

[5] Radialista, atual apresentador do programa Cidade Contra o Crime, também da RBATV.

[6] Jader Barbalho é político e empresário. Estão entre seu patrimônio declarado um jornal, emissoras de rádio e TV.

[7] De acordo com o site da RBATV, o apresentador “atua há mais de 30 anos na carreira jornalística”.

[8] Segundo descrição do site da emissora RBATV, o programa Barra Pesada “é um programa jornalístico-policial que tem como proposta divulgar os acontecimentos da comunidade, além da prestação de serviços de utilidade pública”.

[9] Entrevista concedida ao autor pelo gerente de jornalismo da emissora RBATV, Adil Bahia, em 18 de maio de 2012.

[10] Entrevista concedida ao autor pelo gerente de jornalismo da emissora RBATV, Adil Bahia, ao autor, em 18 de maio de 2012.

[11] Entrevista concedida ao autor pela diretora do programa Metendo Bronca, Marlu Almeida, em 23 de maio de 2012.

[12] Entrevista concedida ao autor pelo repórter da emissora RBATV, Marcos Aleixo, em 23 de maio de 2012.

[13] Entrevista concedida ao autor pela diretora do programa Metendo Bronca, Marlu Almeida, em 23 de maio de 2012.

[14] Entrevista concedida ao autor pelo apresentador do programa Metendo Bronca, Joaquim Campos, em 30 de maio de 2012. 

[15] (Idem).

[16] (Idem)

[17] Entrevista concedida ao autor pela chefe de reportagem da emissora RBATV, Natascha Batalha, ao autor, em 18 de maio de 2012.

[18] Entrevista concedida ao autor pela produtora do programa Metendo Bronca, Andrezza Anaissi, em 18 de maio de 2012.

[19] Entrevista concedida ao autor pelo apresentador do programa Metendo Bronca, Joaquim Campos, em 30 de maio de 2012. 

[20] Entrevista concedida ao autor pelo chefe de reportagem da RBATV, Álvaro Vinente, em 18 de maio de 2012.

[21] Entrevista concedida ao autor pelo chefe de reportagem da RBATV, Álvaro Vinente, em 18 de maio de 2012.

[22] Entrevista concedida ao autor pela diretora do programa Metendo Bronca, Marlu Almeida, no dia 23 de maio            de 2012.

[23] Significado da palavra: fait² [f£] S.m. 1. Fato. 2. Feito. Fait divers. Noticiário policial. (Marote, 2001, p. 148).

[24] Entrevista concedida pela diretora do programa Metendo Bronca, Marlu Almeida, em 23 de maio de 2012.

[25] Entrevista concedida ao autor pela produtora do programa, Rozana Pantoja, em 18 de maio de 2012.

[26] Do manual de redação da Universidade Metodista de São Paulo: “Decupagem: É quando o editor marca a minutagem das melhores cenas e sonoras feitas pela equipe de reportagem na rua”.

[27] CARTOLA, Música para os olhos. Direção: Lírio Ferreira; Hilton Lacerda. Produção: Raccord. RioFilme, 2006. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=KQH4SS56Rl0>. Acesso em: 10 de julho de 2012.

[28] GLOBALIZAÇÃO: o mundo global visto do lado de cá. Direção: Silvio Tendler. Produção: Caliban, 2006. 


Publicado por: BYANKA DA SILVA ARRUDA

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