Responsabilidade civil do estado em relação à segurança pública: O Fenômeno bala perdida

RESUMO

O presente trabalho pretende abordar a responsabilidade civil do Estado brasileiro, no que tange à obrigação de reparar danos causados aos particulares, por seus agentes, em especial, os policiais civis e militares, durante o exercício de suas funções públicas. Busca-se uma abordagem específica sobre a matéria, não havendo intenção de esgotar o estudo, já que não serão examinados todos os aspectos que envolvem a responsabilidade civil estatal, mas somente a resultante da omissão e/ou da má realização do serviço público prestado, relativo à segurança pública.

O corte geográfico estará centrado na cidade do Rio de Janeiro, privilegiando o exame dos fatos correlacionados aos servidores públicos desta unidade federativa. Além disso, a análise ora em estudo prende-se, exclusivamente, aos casos em que a ofensa aos bens jurídicos protegidos pela lei penal brasileira (vida, integridade física, patrimônio, etc.), decorre do fenômeno alcunhado socialmente como “bala perdida”. O termo “bala perdida” vem sendo utilizado pela mídia nacional para designar a imprecisão da ofensa, tanto no que concerne à imputação do autor do disparo do projétil de arma de fogo, quanto da própria atividade desenvolvida por esses agentes públicos. Tal expressão tornou-se um axioma com um significado muito amplo, na medida em que revela uma gama de fatores sociais falhos, que atingem inúmeros brasileiros diariamente.

Assim, indiretamente a investigação enfocará a omissão ou a incapacidade do Estado carioca em concretizar a segurança pública, deixando de cumprir o dever imposto pelo texto constitucional relativo à ordem, à paz e à tranqüilidade social (artigo 144, da Constituição Federal).

Para tanto, a pesquisa terá como fonte as jurisprudências proferidas pelo Tribunal de Justiça fluminense, nos últimos dez anos, objetivando verificar a orientação aplicada e apontar a evolução do tratamento dado a essas modalidades de conflitos em que são partes o Estado e o particular.

Ao mesmo passo, servirão de elementos comparativos as decisões emitidas pelo Supremo Tribunal Federal, levando-se em consideração suas competências de Suprema Corte e Tribunal Constitucional, já que se insere na estrutura do Poder Judiciário como órgão de última instância decisória e, portanto, suas afirmações tem caráter de perpetuidade e inalterabilidade.

Por fim, as fontes bibliográficas auxiliarão no desenvolvimento histórico da responsabilidade civil estatal, bem como na indicação dos institutos que a concretizam, além dos ensinamentos doutrinários acerca do tema.

Palavras chaves: responsabilidade objetiva do Estado; “bala perdida”; atividade risco; segurança pública.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

6

1. SEGURANÇA PÚBLICA

10

1.1. CONCEITO

10

1.2. ATIVIDADE POLICIAL

14

1.3. BALA PERDIDA

15

2. RESPONSABILIDADE CIVIL

33

2.1. O DANO E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

33

2.2. EVOLUÇÃO DAS TEORIAS E DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

38

2.3. RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA MÁ ATUAÇÃO OU OMISSÃO DE SEUS AGENTES

49

2.4. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

55

2.4.1. ESTADO DE NECESSIDADE

59

2.4.2. LEGITIMA DEFESA

61

2.4.3. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL

63

2.4.4. EXERCÍCIO REGULAR E O ABUSO DE DIREITO

64

3. EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL

67

CONCLUSÃO

76

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

79

INTRODUÇÃO

O Estado, como ente complexo que se apresenta, assentado na condição de pessoa jurídica de direito público, desenvolve atividade funcional por intermédio de seus servidores, dotados de atribuições, que agem em nome e por conta dele, buscando sempre a promoção do bem comum. Dessa forma, ao realizar as funções estatais, precipuamente, devem respeitar os direitos consagrados universalmente nas legislações internas e transnacionais.

Dentre os serviços prestados pelo Estado, a segurança pública, que diz respeito à manutenção da ordem pública, está intrinsecamente ligada ao conceito de integração dos entes federados – União, Estados e Municípios – para que, em ação conjunta, assegurem o bem estar geral, sem ferir os direitos fundamentais, individuais e coletivos, atividades econômicas e sociais, bem como o patrimônio público e privado.

Contudo, as inúmeras e constantes propagandas na mídia têm informado, ao longo das últimas décadas, um crescente aumento da insegurança pública nas grandes cidades, principalmente no Rio de Janeiro, tendo a região urbana recebido maior destaque nos jornais escritos e televisivos. A carência de estudos científicos voltados para a questão contribui, por outro lado, para a crença na inquestionabilidade e na legitimidade das informações midiáticas.

O pano de fundo em que a insegurança pública está assentada, não é revelado pelos meios de comunicação em massa. Os fatores sociais, que contribuem para esse contexto e que estão ligados diretamente à mudança sócio-político-econômica que ocorreram no mundo inteiro, não são citados. Nos últimos anos a fragilidade das relações econômicas transnacionais e a ausência do poder público na manutenção e defesa dos direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, tais como o emprego, a saúde e a segurança, poderiam ser apontados como os principais fomentadores da atual insegurança social.

Na sociedade pós-moderna, importantes mudanças estruturais estão em funcionamento. Dentre aquelas que possuem conexão direta ou indireta com a criminalidade, JOHNSTON (2002) entende que podem ser apontadas: a) a mudança econômica; b) o processo de globalização e localização; c) a mudança no sistema de estratificação, e d) as mudanças na política e no Estado. E mais, para esse autor, a violência policial, em termos conceituais, pode ser considerada como violência sistêmica, na medida em que os seus efeitos são considerados reflexos do passado político brasileiro.

Também colabora com este cenário, o fato dos agentes públicos responsáveis pela segurança coletiva atuarem, na maioria das vezes, contra ela. Segundo o professor de história Marcelo Freixo, o Rio de Janeiro possui a polícia mais violenta do mundo. Segundo ele, foram mais de mil mortes em 2007, com tiros na nuca e à média distância – o que caracterizaria execução sumária. Para se ter uma idéia, isso equivale a quase o dobro da média anual de civis mortos por todas as polícias norte americanas (federal, estaduais, municipais e de condado) no mesmo período: 350 pessoas, segundo dados do FBI.

Corrobora com este entendimento o relatório intitulado “Violência policial no Rio de Janeiro: da abordagem ao uso da força letal”, realizado pela pesquisadora Silvia Ramos e emitido pela Rede Social de Justiça e Diretos Humanos, o qual demonstra que o Brasil possui um dos indicadores mais altos de violência letal no mundo, com 50 mil homicídios por ano e uma taxa de 28,5 homicídios por cada 100 mil habitantes, enfocando do Rio de Janeiro, com índice de 56,4, no ano de 2002.

Tal documento reflete a inabilidade do serviço de segurança pública, na medida em que a anomia profissional, a carência de informação e a capacitação técnica reproduzem os piores custos, pagos com a integridade física de membros de uma parcela social economicamente desfavorecida da população carioca. Entre as causas que determinam esse cenário, encontram-se a ausência de investimentos e políticas públicas racionais, com o objetivo de atuação mais decisiva do Poder Judiciário e das instâncias de controle social, como já revelou o sociólogo Luiz Eduardo Soares.

Um estudo sobre as competências e capacidades profissionais dos agentes públicos responsáveis pela segurança pública poderia revelar a carência funcional, os salários defasados, o desprestígio público e a corrupção crescente, como já denunciado pelo ilustre professor Eugênio Rául Zaffaroni.

Todavia, o presente estudo pretende enfocar outro lado da questão: a orientação dos tribunais na responsabilização do Estado pelas vítimas atingidas por sua atividade, ligada à segurança pública. Ou, em outras palavras, a análise aqui apresentada indicará apenas “a ponta do iceberg social”. O objetivo principal é o de revelar a evolução das decisões pretorianas, na medida em que, de início predominou o entendimento da total irresponsabilidade do Estado, avançando, em seguida, em direção à responsabilidade do Estado pelos atos dos seus agentes públicos, notadamente, os policiais civis e militares.

Antes, porém, será realizado um estudo sobre o conceito de segurança pública, apontando os agentes públicos destacados para tal tarefa e, em seguida, o exame da expressão “bala perdida” e sua incorporação nos documentos oficiais.

No capítulo seguinte serão abordados os temas relativos à responsabilidade civil, tais como conceito, teorias e as causas de excludentes de responsabilidade.

Por fim, no capítulo intitulado “Evolução Jurisprudencial”, serão apontadas as principais jurisprudências relativas à (ir) responsabilização do Estado em decorrência dos danos causados no desenvolvimento da atividade policial, indicando a evolução das decisões, cujo ápice baseia-se no acórdão proferido pelo Estado de Pernambuco.

No capítulo relativo à conclusão serão traçadas algumas linhas de orientação para a defesa da responsabilidade do Estado como corolário do perfil constitucional-político do Estado Democrático de Direito.

CAPÍTULO I

SEGURANÇA PÚBLICA

1.1. CONCEITO

A segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, sendo essencial para o desenvolvimento da sociedade, conforme artigo 144, caput, da Constituição Federal. Em consonância com o artigo 5º do mesmo diploma constitucional, a segurança pública é considerada como direito fundamental assegurada aos brasileiros (natos ou naturalizados) e estrangeiros residentes do país. Nesse giro, não poderá ser abolida através de Emenda Constitucional, por estar enumerada no rol das clausulas pétreas (artigo 60, § 4º, IV).

Segundo Alexandre de Moraes, direitos fundamentais podem ser definidos como:

“o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano, que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana”.

Da mesma forma, a UNESCO, órgão que representa a Organização das Nações Unidas para à Educação, à Ciência e à Cultura, apresenta a definição de direitos fundamentais, nos seguintes termos: “considera-os por um lado uma proteção de maneira institucionalizada dos direitos da pessoa humana contra os excessos do poder cometidos pelos órgãos do Estado e por outro, regras para se estabelecer condições humanas de vida e desenvolvimento da personalidade humana”.

Os direitos fundamentais em determinadas situações e com base na lei poderão sofrer restrições. A preservação da ordem pública autoriza as forças policiais a limitarem a liberdade do cidadão, sem que isso configure constrangimento ilegal, que somente existirá no caso de abuso ou excesso.

Assim, para assegurar a almejada segurança civil (proteção individual e do patrimônio) e a tranqüilidade das pessoas em geral (ordem pública), o Estado democrático de Direito dispõe de dois sistemas: o criminal e o de segurança pública que estão intrinsecamente ligados por força de lei e coerência das atividades desenvolvidas.

Muitos são os conceitos formulados para a expressão segurança pública. No entanto, o que a melhor define é a noção do mestre em Ciência Política, Clóvis Henrique Leite de Souza, que aduz segurança pública como:

o conjunto de processos destinados a garantir o respeito às leis e a manutenção da paz social e ordem pública. Inclui ações para prevenir e controlar manifestações de criminalidade e de violência, visando à garantia do exercício de direitos fundamentais.

Nesse sentido, a segurança pública “abrange instrumentos de prevenção, vigilância, repressão, reparação, garantia de liberdades individuais e defesa de direitos sociais”. Ainda de acordo com o referido cientista, a segurança pública “deve estar articulada com ações sociais priorizando a prevenção e buscando atingir as causas que levam à violência, sem abrir mão das estratégias de ordenamento social.”

Tanto o sistema criminal, quanto o de segurança pública são desenvolvidos pelas polícias no Estado do Rio de Janeiro (civil e militar), as quais possuem atividades específicas. De um lado, a polícia civil possui a atribuição de polícia judiciária, na medida em que atua auxiliando o Poder Judiciário na coleta de provas que instruem o processo criminal (artigos 4º, do Código de Processo Penal e 144, §4º, da Constituição Federal). Já a polícia militar, possui atribuição ostensiva e de preservação da ordem e segurança pública, realizando seu trabalho discricionariamente, balizado pela lei (artigo 144, §5º, da Constituição Federal). Embora distintos, e funcionando em razão de poderes independentes (judiciário e executivo), os sistemas são interligados e afins, pois ambos possuem em vista o controle da criminalidade, a segurança, a tranqüilidade pública e a justiça igualitária para todos.

Conforme conceitua Guido Zanobini, a polícia é:

a atividade da administração pública dirigida a concretizar, na esfera administrativa, independentemente da sanção penal, as limitações que são impostas pela lei à liberdade dos particulares ao interesse da conservação da ordem, da segurança geral, da paz social e de qualquer outro bem tutelado pelos dispositivos penais.

Para o presente estudo, importa a atividade policial que está associada aos índices de morte (homicídios), decorrente do uso de arma de fogo. De acordo com a UNESCO, mais de meio milhão de brasileiros perderam a vida em virtude do uso de armas de fogo entre 1979 (ano que inicia o Subsistema de Informações de Mortalidade) e 2003 (ano de aprovação do Estatuto do Desarmamento). Isso significa dizer que o Brasil, um país que não estava em guerra, acumulou um maior número de mortes com armas de fogo do que vários conflitos armados, como a guerra do Golfo, as várias Intifadas palestinas, e as guerras de libertação de Angola e Moçambique.

É certo que o fácil acesso às armas de fogo ao longo dos anos agravou este quadro. No período entre os anos de 1997 e 2003, os homicídios com arma de fogo cresceram em 542,7%. Somente em 2003, quase 40 mil brasileiros foram vitimados com armas, colocando o Brasil como campeão mundial – em números absolutos – de mortes por arma de fogo. Desde aprovação do Estatuto do Desarmamento, entretanto, este número despencou para cerca de 34 mil mortes por ano. As estatísticas continuam alarmantes, mas esta queda de 12% – confirmada pelo Ministério da Saúde – representa um passo importante na redução das mortes por arma de fogo no Brasil, em razão, principalmente, da vigência de novas medidas de controle e restrição do uso da arma de fogo.

O fenômeno dos homicídios afeta a sociedade brasileira de forma diferenciada, atingindo, majoritariamente, os segmentos jovens, com idades entre 15 e 24 anos, do sexo masculino, afro-descendentes, que residem em bairros periféricos, favelas, territórios socialmente vulneráveis das grandes metrópoles do país. Se considerarmos todas as causas de morte (naturais ou por causas externas) entre os jovens brasileiros, 38,8% – ou seja, a maior concentração dentre as causas – acontecem com armas de fogo. Essa proporção ultrapassa até a incidência de acidentes de trânsito – que somam 16% do total de mortes entre jovens –, o inverso da situação encontrada na grande maioria dos países. Os dados mostram que o problema das mortes por arma de fogo, embora apresente indícios bastante animadores de melhora para um futuro não muito distante, ainda é muito presente no cotidiano dos brasileiros, tratando-se, portanto, de um tema central para a política de segurança pública do país.

No que tange a ação da polícia ostensiva carioca, segundo pesquisa divulgada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, somente no ano de 2007, ela foi responsável pela morte de 1.330 pessoas. Estas mortes não entram nas estatísticas de homicídios, através dos denominados “autos de resistência”. Comparados com os dados de outros países, tem-se que a soma das mortes causadas por todas as polícias dos Estados Unidos é de aproximadamente 350 pessoas por ano. As polícias da África do Sul, em 2003, mataram 681; as da Argentina, 288; as da Alemanha, cinco, e as de Portugal mataram uma pessoa. E o que é mais sintomático: a maioria das vítimas de autos de resistência no Brasil são moradores de favelas e periferias.

1.2. ATIVIDADE POLICIAL

Para impedir ou minimizar os conflitos, o Estado exerce o seu poder de coerção por meio das forças policiais, que são os agentes incumbidos da fiscalização dos deveres impostos por lei ao grupamento social, e, para tanto, estão também condicionados ao respeito e as garantias fundamentais do cidadão, previstos no artigo 144, da Carta Constitucional de 1988. Dessa forma, cada órgão possui sua competência delineada na Carta Magna e atua nos limites da sua circunscrição (delimitação territorial), ou, de acordo com os bens jurídicos tutelados, como a vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade.

As forças policiais cumprem um papel importante na preservação e manutenção do Estado Democrático de Direito, pois, sem elas, a convivência harmoniosa e pacífica não existira numa sociedade civilizada, que hodiernamente está cheia de conflitos e de interesses difusos, conforme leciona GRECO (2009).

Dentre as instituições que integram a segurança pública, estão, entre outras, as polícias militares estaduais, emuneradas no §5º do mesmo dispositivo constitucional, que desenvolvem a função de polícia ostensiva, com o condão de zelar pela ordem, pelo sossego público e pela incolumidade física das pessoas.

A polícia civil, por sua vez, como já mencionado, cabe realizar investigações, apurar as infrações penais e indicar a sua autoria, a fim de fornecer ao Poder Judiciário elementos necessários para o exercício em sua função repressiva das condutas criminosas. Tais atividades, de polícia judiciária, reduzem, por conseguinte, a participação ou o envolvimento da categoria nos conflitos armados, o que é comum aos policiais militares.

Assim, no exercício desse mister, lhes são concedidas algumas franquias, como o uso de armas de fogo, algemas e outros instrumentos utilizadas na preservação da segurança coletiva.

No que tange à responsabilidade civil do Estado, em decorrência da atividade ou omissão desses agentes, a vigente Constituição, regula a matéria no artigo 37, §6º, estabelecendo que “as pessoas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos de seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

A responsabilidade do Estado baseia-se na concepção de que o agente administrativo atua como órgão da pessoa jurídica da qual é funcionário. Por isso, o Estado responde por danos que seus funcionários, nesta qualidade, causem a terceiros.

De acordo com o desembargador Yussef Cahili:

ainda que investido da função de preservar a segurança e manter a ordem social, o policial, portando arma de fogo, natural instrumento perigoso, não esta autorizado ao manuseio disparatado ou imprudente da mesma; de sua má utilização, resultando danos para os particulares, resulta para o ente público a obrigação de indenizar.”

O tema será complementado no próximo capítulo.

1.3. BALA PERDIDA

A expressão bala perdida foi introduzida pela mídia, no início da década de 80, para indicar quando alguém fosse lesionado ou morto por disparo de arma de fogo de origem desconhecida. Com o tempo, o termo tornou-se um axioma e foi incorporado a documentos oficiais, ganhando legitimidade. “Bala” é a expressão popularmente utilizada para designar projétil, objeto que se arremessa para ferir, matar, destruir, algo ou alguém, por meio de armas de fogo.

Como exemplo de incorporação do termo “bala perdida” tem-se o estudo publicado em 2007 pelo Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, denominado “Relatório Temático Bala Perdida”, de responsabilidade dos pesquisadores Mário Sérgio de Brito Duarte, Robson Rodrigues da Silva, João Batista Porto de Oliveira e Leonardo de Carvalho Silva, o qual comprova que de 2006 para 2007, o número de vítimas de “balas perdidas” no município do Rio de Janeiro cresceu 19,4%. Em 2006, foram 224 vítimas por “bala perdida”, sendo 19 fatais e 205 não fatais. Das vítimas fatais, 13 eram do sexo masculino, entre as quais, a maioria (16) constituída por jovens e adultos acima dos 18 anos (inclusive). Verificou-se maior incidência de “balas perdidas” nos três primeiros meses do ano de 2006. Os dados indicaram a Capital como a região do Estado onde mais ocorreu o fenômeno: 17 vítimas fatais e 169 vítimas não fatais. A Baixada Fluminense veio logo a seguir com duas vítimas fatais e 19 não fatais. Pelo estudo, a capital fluminense foi a área com maior concentração de eventos de “bala perdida”, nesses dois anos. Em ambos os períodos observados, verificou-se que a maior parte das vítimas foram atingidas em “via pública”.

Essa realidade cotidiana das grandes cidades e, particularmente, do Rio de Janeiro, vem reacendendo a discussão jurídica sobre a responsabilidade civil do Estado quando ocorre o fenômeno de “balas perdidas”. A questão é complexa e deve ser esmiuçada em seus múltiplos aspectos, de modo a delimitar com rigor os limites dessa responsabilidade, que passa a ser objeto do nosso estudo.

Em relação às decisões pretorianas, como outro exemplo de incorporação do termo “bala perdida”, vê-se o uso desta expressão, principalmente, a partir do ano de 2000:

RESPONSABILIDADE CIVIL BALA PERDIDA - AÇÃO POLICIAL NÃO COMPROVAÇÃO DO NEXO CAUSAL INDENIZAÇÃO INDEVIDA. A responsabilidade do Estado, em que pese objetiva, em razão do disposto no §6º do artigo 37 da CF, exige a demonstração pelo demandante do requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros. Quem pretender indenização do Poder Público em razão da ação de seus agentes deve trazer provas aos autos capazes de evidenciar o nexo de causalidadeentre a ação e o dano causado. Não o fazendo, impõe-se a rejeições da pretensão.

RESPONSABILIDADE CIVIL. PESSOA ATINGIDA POR DISPARO DE ARMA DE FOGO (BALA PERDIDA) QUANDO ASSISTIA FESTEJOS DE ANO NOVO NA PRAIA DE COPACABANA. INEXISTÊNCIA DE CULPA DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. 1- A segurança pública é atribuição do Estado, conforme mandamento constitucional. Em razão disso, não é possível responsabilizar o Município porque uma pessoa foi atingida por projétil de arma de fogo em disparo feito por desconhecido em meio à multidão que assistia à queima de fogos na praia, em comemoração ao início de um novo ano. 2- O fato de o Município incentivar o comparecimento da população a tais festejos não o torna responsável pela segurança de cada indivíduo que deles participe. Ademais, sequer há prova de que o fato ocorreu no local. 3- Apelo improvido.

Os danos causados por “balas perdidas” podem ser caracterizados da seguinte forma: a) quando o dano resulta de ação genérica do Estado, como em troca de tiro com marginais, na qual um projétil de sua arma de fogo atinge um terceiro; b) quando o dano resulta de um confronto entre policiais e marginais, sem que se saiba, com precisão, de onde partiu o disparo; c) quando o dano resulta de ação de marginais, em caso fortuito e imprevisível, como nos “assaltos” nas vias públicas, com a omissão genérica do Estado, e; d) quando o dano resulta de confronto unicamente entre marginais, em áreas de reiterada conflagração armada, com omissão específica do Estado.

Em que pesem algumas orientações no sentido de responsabilidade do Estado, mesmo diante da omissão do serviço de segurança pública, como se verá adiante, o estudo aqui desenvolvido se baseará somente nas hipóteses definidas nos itens “a” e “b”, acima elencados.

A restrição aqui pretendida afasta os casos em que a omissão do Estado ocorre em razão de um fato que não poderia ser por ele previsto e, portanto, inevitável (terceiro item), configurando hipótese de fortuito externo.

Entende-se por fortuito interno o fato imprevisível, e, por isso, inevitável, que se liga à organização estatal, se relacionando com os riscos da própria atividade desenvolvida pelo Estado. Já o fortuito externo é também fato imprevisível e inevitável, mas estranho a natureza do negócio. É o fato que não guarda nenhuma ligação com a atividade do Estado, como fenômenos da natureza, por exemplo. Duas são, portanto, as características do fortuito externo: a autonomia em relação aos riscos e a inevitabilidade, razão pela qual alguns autores, como Sérgio Cavalieri Filho, o denominam de força maior.

Na omissão genérica do Estado, dada indisponibilidade ou a intransponível dificuldade de realizar o ato (em razão dos recursos disponíveis em face de outras obrigações estatais), aliada a imprevisibilidade do acontecimento, não há como responsabilizar o Estado. Nesse sentido:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. BALA PERDIDA. MORTE. Ação ordinária em que objetiva o autor indenização pelos danos materiais e morais decorrentes da morte de sua esposa, a qual foi atingida, na cabeça, por disparo de arma de fogo, quando em curso alegada ação policial em via pública. E certo responder o Estado, de forma objetiva, pelos danos que seus prepostos, nessa qualidade, causarem a terceiros. (artigo 37, § 6º da Constituição Federal) Todavia, não poderá ser o Estado responsabilizado quando não existir relação de causalidade entre a ação e/ou omissão de seus agentes e o dano suportado pelo particular. Ausência de comprovação do nexo de causalidade, na espécie, diante da insuficiência de provas de que tivesse ocorrido troca de tiros entre policiais e terceiros na via pública, fato que restou indemonstrado. Hipótese tão-somente de omissão genérica. Responsabilidade do ente estatal não caracterizada. Pedido improcedente. Sentença mantida. Desprovimento do recurso.

ASSALTO VIA PUBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZACAO. IMPOSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ASSALTO NA LINHA VERMELHA. INDENIZAÇÃO OMISSÃO GENÉRICA. IMPOSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. AUSÊNCIA DE LIAME ENTRE O DANO E A OMISSÃO DO ESTADO. O assalto sofrido pelos Autores na Linha Vermelha, sem que tenha sido sob a, vigilância de nenhum policial, não enseja indenização alguma. Tratando-se de omissão genérica, e não específica, responde o Estado subjetivamente, sendo necessário a comprovação de algum liame entre a omissão do Estado e o dano sofrido pelos Autores para sua condenação. RECURSO DESPROVIDO.

Ao mesmo passo, também não importa ao presente trabalho, a omissão específica do Estado (quarto item), que resulta igualmente da impossibilidade de atuação, já que se trata de uma proteção individualizada, subjetiva, de cada particular em todas as circunstâncias e não do resguardo da coletividade, pois não se pode esperar que o Estado seja onipresente a atuar protegendo individualmente cada cidadão.

Mesmo não sendo objeto do estudo é preciso ressaltar que, diferentemente do tratamento dado à omissão genérica do Estado, que causa sua irresponsabilidade, nas hipóteses de omissão específica, o Tribunal carioca vem mitigando esta orientação, permitindo a reparação do dano quando o fato que o enseja, porque verificado de maneira reiterada e contínua, numa área geograficamente delimitada, caracteriza a deficiência do serviço de segurança pública. Em outras palavras, para a configuração desta responsabilidade é preciso que a omissão estatal seja de caráter prolongado e não fortuito, dando margem à ausência de repressão, o que corresponde ao serviço deficiente, in verbis:

No caso em julgamento, restou comprovado que o autor foi atingido por “bala perdida” oriunda de guerra entre traficantes, quando conduzia seu veículo pela Estrada Grajaú-Jacarepaguá, do que resultou a paralisia dos seus membros inferiores. Ora, é sabido que a aludida via é reputada de alta periculosidade, eis que cercada por favelas dominadas pelo tráfico de entorpecentes, sendo certo que, na ocasião do disparo, restou apurada a existência de tiroteio entre bandidos dos morros Cotios e Cachoeirinha, objetivando o controle dos pontos de venda de drogas (fls.20).

De fato, a omissão específica quanto ao policiamento na referida região é fato público e notório, tratando-se de zona de alto risco, na qual é freqüente tanto o confronto entre traficantes, como falsas blitz, revelando a insuficiência de medidas administrativas eficientes capazes de evitar danos como o sofrido pelo autor. Com efeito, tal situação somente confirma a responsabilidade do réu, pela falha no dever de prestar uma segurança pública minimamente eficiente, de forma a “preservar a ordem pública” e garantir a “incolumidade das pessoas”, tal como exigido pelo artigo 144, § 6º da CF, evitando que fatos como este, envolvendo guerra de traficantes por pontos de venda de drogas, de onde surgem “balas perdidas” como a que atingiu o autor, continuem a ocorrer com a freqüência inaceitável com que ocorrem. Isso porque, admite-se que em qualquer país, mesmo de primeiro mundo, haja assaltos, mortes, roubos, assassinatos em série, e até, eventualmente, morte por PAF não identificado, sem que o Estado possa ser responsabilizado por isso, dado o caráter eventual e esporádico com que ocorrem.

No entanto, não se pode admitir que em um estado de direito, no qual haja segurança pública minimamente eficiente, pessoas sejam freqüentemente vítimas de “balas perdidas”, sempre nos mesmos locais, cuja periculosidade é conhecida de todos, sejam elas oriundas do confronto entre bandidos e polícia, ou o que é pior, do confronto entre facções criminosas na busca pelo domínio de regiões dominadas pelo tráfico, nas quais o Estado se faz ausente. A freqüência com que tais fatos ocorrem na cidade, em especial no local em que o autor foi atingido, torna específica e abusiva a omissão estatal, no que pertine a prestação de segurança pública, afastando a imprevisibilidade e a inevitabilidade que, em regra, serve para justificar a ausência de responsabilidade e afastar a sua obrigação de indenizar.

Neste sentido, vale observar que, de forma análoga, a jurisprudência evoluiu, em dado momento, para admitir a responsabilização das empresas de ônibus, por assaltos ocorridos em certos trechos, cuja freqüência pressupõe a previsibilidade e evitabilidade do fato.

Esta responsabilidade do Estado carioca decorrente de omissão genérica, embora não seja a maioria, é acolhida por alguns juízes de primeira instância e algumas Câmaras Criminais, com fundamento na específica e abusiva omissão estatal, como revelou acima o juiz Gustavo Bandeira, mas não há nenhuma orientação pacífica acerca do tema.

No que se refere às hipóteses de atuação dos policiais (itens “a” e “b”), é inequívoca a responsabilidade do Estado. Em ambas há o nexo entre a atividade da Administração (segurança pública) e o evento danoso, como se pretende apontar.

Como se percebe pelas decisões abaixo, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro têm privilegiado a responsabilidade estatal quando possível determinar que o disparo partiu da arma de fogo utilizada pelo agente público:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DISPARO DE ARMA DE FOGO. DANO MATERIAL E MORAL. O Estado tem responsabilidade objetiva pelos danos que causa, nos termos do artigo 37, §6º, da Constituição da República da qual somente se libera se demonstrada alguma excludente de responsabilidade. Se a prova testemunhal narra que apenas os policiais militares atiraram, não resta dúvida que a vítima fatal foi atingida por projétil proveniente de arma da polícia. A excludente de responsabilidade constitui fato impeditivo do direito alegado pelo Autor, de modo que compete ao Réu o dever de comprová-la. No caso em exame, a ausência de prova de que o tiro partiu de outra arma que não a de um policial desautoriza acolher a tese de fato de terceiro. O dano moral decorre do próprio ilícito e profundo sofrimento da mãe que perde o filho em conseqüência de desastrada ação militar. Reparação arbitrada pela sentença que atende às condições do evento, suas conseqüências e ao princípio da razoabilidade. Desprovimento do recurso.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DISPARO DE ARMA DE FOGO. FUNÇÃO POLICIAL. MORTE DA VÍTIMA. DANO MORAL. DESPESAS DE FUNERAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. ISENÇÃO DE CUSTAS. Responsabilidade civil. Vítima atingida por projétil disparado por policial. Nexo causal suficientemente provado. Valor do dano moral por morte de marido e pai. Fixação de tal valor em reais, com correção monetária. Reembolso das necessárias despesas de funeral, independentemente de comprovação. Percentual relativo a honorários de advogado incidente sobre montante das parcelas vencidas mais 12 de vincendas. Estado isento de custas. Recurso provido parcialmente.

No entanto, de maneira minoritária, há também julgados que impõe a reparação pelo Estado, mesmo nas hipóteses em que não se define a autoria do disparo ou a origem do projétil de arma de fogo:

CONSTITUCIONAL. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. “BALA PERDIDA”. LINHA AMARELA. FERIMENTO CAUSADO A TRANSEUNTE EM TIROTEIO PROVOCADO POR TERCEIROS NÃO IDENTIFICADOS. Artigo 37, § 6º da Constituição Federal. Não se desconhece que é francamente majoritária a orientação jurisprudencial no sentido de que o Estado não tem responsabilidade civil por danos provocados em episódios de “bala perdida”, sendo invariável o argumento de que o Estado não pode ser responsabilizado por “omissão genérica”. Reclama revisão a jurisprudência que reconhece a não responsabilidade civil do Estado do Rio de Janeiro pelos freqüentes danos causados por balas perdidas, que têm levado à morte e à incapacidade física milhares de cidadãos inocentes. O clima de insegurança chegou a tal ponto que os mais favorecidos têm trafegado pelas vias da cidade em carros blindados. Há uma guerra não declarada, mas as autoridades públicas, aparentemente, ainda não perceberam a extensão e a gravidade da situação. Pessoas são assassinadas por balas perdidas dentro de suas casas, enquanto dormem, em pontos de ônibus, em escolas, nas praias e em estádios de futebol. O Estado não se responsabiliza por esta criminosa falta de segurança, escudado por um verdadeiro nonsense teórico-jurídico, como se os projéteis que cruzam a cidade viessem do céu. Além disso, a tese tem servido como efetivo estímulo para que a Administração permaneça se “omitindo genericamente”, até porque aos eventos de balas perdidas tem-se dado o mesmo tratamento jurídico dispensado ao dano causado pelo chamado “Act of God”. A vetusta doutrina da responsabilidade subjetiva por atos omissivos da Administração Pública não tem mais lógica ou razão de ser em face do abandono em que se encontra a população da cidade do Rio de Janeiro. Ainda que se concordasse com o afastamento da responsabilidade objetiva, nestes casos, seria possível, sem muito esforço, verificar que no conceito de culpa “stricto sensu” cabe a manifesta inação do Estado e sua incapacidade de prover um mínimo de segurança para a população, sendo intuitivo o nexo causal. Não se trata bem de ver, de episódios esporádicos ou de fortuitos. Tais eventos já fazem parte do dia-a-dia dos moradores da cidade. Pessoas são agredidas e mortas dentro de suas próprias casas. Autoridades são roubadas em vias expressas sob a mira de armamentos de guerra. Dizer que o Estado não é responsável equivale, na prática, a atribuir culpa à vítima. O dano sofrido é a sanção. Recurso provido por maioria.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – CONFRONTO ENTRE POLICIAIS E TRAFICANTES – BALA PERDIDA – MORTE DA FILHA DOS AUTORES – NEXO DE CAUSALIDADE – DEVER DE INDENIZAR – PENSIONAMENTO – DANO MORAL. Havendo confronto entre o Estado-polícia e traficantes, trazendo a morte de menor, que nada tinha haver com o fato, impõe-se o dever de indenizar ao Estado, independentemente da bala ter sido desferida por arma de policial ou de traficantes. Risco da atividade que dá causa ao dano, impondo o dever de indenizar. Precedentes. Reparação material - pensionamento – que impõe prova. Ausência de presunção de dano. Reparação moral bem mensurada. Conhecimento e provimento parcial do recurso.

Outro requisito estabelecido pelo Tribunal carioca é o efetivo exercício da função pública no momento do dano. Isto porque o texto constitucional, como já se viu, exige para a responsabilização objetiva do Estado, que a ação danosa tenha sido praticada por agente público, atuando nessa qualidade. Assim, na prática do ato danoso o agente estaria exercendo seu encargo público. A expressão “nessa qualidade”, prevista no §6º, do artigo 37 da Constituição caracterizaria a obrigação do Estado em indenizar quando o agente desempenhar a função pública ou quando proceder como se estivesse exercendo-a.

Já o dano causado a terceiro por agente público, quando este não realizava sua função, p.ex., no período de folga ou férias, não impõe a obrigação indenizatória do Estado, mas sim, a obrigação pessoal do agente público, que nessa hipótese, pratica atos pessoais.

Em outras palavras, a responsabilidade pelos atos praticados na vida pessoal do agente público será de caráter pessoal, como já se manifestou o nosso Tribunal:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO DE AGENTE POLICIAL. INDENIZAÇÃO. Embargos Infringentes. Ordinária. Ferimentos graves causados a pedestre, em virtude de disparo de arma de fogo, ocorrido na via pública, cometido por soldado da Policia Militar, à paisana, quando fora do serviço e sem qualquer relação com sua função. Desentendimento surgido em um bar com outro militar, agindo o policial, tão somente, em favor do companheiro de corporação, que, também, não se encontrava no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las. Inteligência do artigo 37, par.6., da Constituição Federal. Ato praticado por servidor militar "na qualidade de cidadão comum". Indenização repelida. Embargos providos.

Quanto à responsabilidade estatal quando o agente proceder como se estivesse exercendo a função pública, há uma extensão do alcance da obrigação do Estado, uma vez que não se pode dizer que a atividade desenvolvida pelo agente público é lícita. Trata-se dos casos em que, mesmo fora do serviço público, o agente atua se prevalecendo do “múnus” que o cargo lhe oferece para praticar dano contra terceiros. Procede como se estivesse cumprindo seu encargo.

Os casos que configuram tal hipótese apontam a prática de chacinas, com o pseudo fim de combater a criminalidade, mas que dão lugar à pratica do crime denominado uso arbitrário das próprias razões, previsto no artigo 345 do Código Penal. É certo que o combate a criminalidade é dever do Estado, mas tal atividade, como qualquer outra desenvolvida pelo Estado, deve ser juridicamente exigível dentro dos padrões normais e razoáveis de conduta da autoridade pública que tem por lei, o dever de respeitar as normas jurídicas, principalmente as garantias e direitos constitucionais.

O Estado do Rio de Janeiro já vivenciou vários casos de chacinas, podendo-se citar, dentre elas a da Candelária e a de Vigário Geral, que tiveram grande repercussão no Estado e fora dele. Não há dúvida, quanto à obrigação indenizatória do Estado, como expressa a jurisprudência do Tribunal do Estado do Rio de Janeiro:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. POLICIAL MILITAR. DISPARO DE ARMA DE FOGO. MORTE DE CHEFE DE FAMILIA. MORTE DE MÃE DE FAMÍLIA. DANO MORAL. PENSÃO MENSAL. ELEVAÇÃO. Ação Ordinária. Pedido de indenização apresentado pelo menor que teve seus pais assassinados por policiais na chacina de Vigário Geral. Responsabilidade objetiva pelos atos praticados por seus prepostos, ainda que não estivessem a serviço, mas na qualidade de servidores públicos. Arbitramento do dano moral fixado em montante considerado adequado pela jurisprudência dominante. Elevação do pensionamento. Desprovimento da lª Apelação e provimento parcial da 2ª.

CHACINA DA BAIXADA. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. ATO DE AGENTE POLICIAL. OBRIGACAO DE INDENIZAR. Responsabilidade civil objetiva do Estado. Chacina de Vigário Geral. Danos materiais e morais. Aplicação da teoria do risco administrativo. Procedência parcial do apelo. 1. A Constituição Federal responsabiliza as pessoas jurídicas de direito público pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, não sendo exigível que o servidor tenha agido no exercício de suas funções. 2. O essencial para a determinação da responsabilidade do Estado é que o agente da administração haja praticado o ato ou omissão administrativa no exercício de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. 3. Se a condição de agente do Estado tiver contribuído de algum modo para a prática de ato danoso, ainda que simplesmente lhe proporcionando a oportunidade para o comportamento ilícito, responde o Estado pela obrigação ressarcitória. 4. A responsabilidade civil da Administração pública é agravada em razão do risco assumido pela má sensação do servidor. 5. O dano moral deve ser arbitrado de acordo com o grau de reprovabilidade da conduta ilícita, com a capacidade econômica do causador do dano, com as condições sociais do ofendido, em dimensionamento correspondente à natureza e intensidade do constrangimento por ele sofrido. 6. A pensão devida deve ser paga pelo Estado até o mês de setembro de 2001 e não outubro conforme previsto na sentença recorrida. 7. Juros estipulados em 6% ao ano, uma vez que o evento danoso ocorreu em 1993, época em que vigorava o antigo Código Civil de 1916. 8. Provimento parcial do recurso. Ementário: 04/2008 - N. 4 - 07/05/2008 REV. DIREITO DO T.J.E.R.J., vol. 76, pag. 252. Citados: STJ RESP 645339/RJ, Rel.Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 21/09/04 RESP 688536/PA, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em02/02/2006. TJRJ AC 2002.001.01954, Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho, julgado em 08/05/2002 e AC2002. 001.05855, Rel. Des. Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, julgado em 11/02/2003.

Por fim, quanto à hipótese de dano resultante do confronto entre policiais e marginais, sem que se saiba com certeza de onde partiu o disparo de arma de fogo, prevalecem às decisões que desobrigam o Estado, como relatam os julgados abaixo transcritos:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. NEXO DE CAUSALIDADE. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. BALA PERDIDA. OMISSÃO ESPECÍFICA DO ESTADO. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. Em havendo omissão específica por parte de agentes do Estado, a responsabilidade civil exsurge objetivamente. Todavia, se para sua configuração é irrelevante o exame da culpa, nem por isso fica o demandante dispensado da prova da conduta do agente, do evento danoso e do nexo causal entre eles existente. Portanto, inexistindo nos autos comprovação de que o projétil de arma de fogo causador do ferimento sofrido pela Apelante tenha partido de uma das armas utilizadas pelos Policiais Militares que participaram do confronto narrado na exordial, não há como se imputar ao Estado a responsabilidade pelo dano a ela causado. Não restando estabelecido o nexo, impossível a cogitação acerca de eventual responsabilidade. Recurso desprovido, nos termos do voto do Desembargador Relator.

EMBARGOS INFRINGENTES. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO POLICIAL. BALA PERDIDA. NEXO CAUSAL INCOMPROVADO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. PROVIMENTO DO RECURSO. A responsabilidade do Estado, ainda que objetiva em razão do disposto no artigo 37, § 6º da Constituição Federal, exige a comprovação do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano. Não havendo nos autos prova de que o ferimento causado a vítima tenha sido provocado por disparo de uma das armas utilizada pelos Policiais Militares envolvidos no tiroteio, por improcedente se mostra o pedido indenizatório. Daí, em sem mais delongas, a razão de não existir fundamento justo para se imputar ao Estado a responsabilidade pelo evento danoso, por mais trágico que tenha sido o ocorrido na vida do autor postulante. RECURSO PROVIDO.

APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. FERIMENTOS PROVOCADOS POR BALA PERDIDA DURANTE CONFRONTO ENTRE POLICIAIS E TRAFICANTES. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. RECURSO IMPROVIDO. 1.A responsabilidade do Estado, em matéria de Segurança Pública, é objetiva, desde que comprovado o nexo causal entre a ação dos agentes estatais e o dano experimentado pelas vitimas, surgindo aí, para este o dever de indenizar. 2. Na hipótese vertente, durante toda a fase probatória, não ficou esclarecida a procedência do projétil que acabou por ferir os autores no interior de sua residência. 3. Assim, por mais dramática que seja a situação vivida pelos autores, como não é possível afirmar que o tiro partiu da arma de um agente público, não tem o Estado que indenizar os danos por estes sofridos.4.Pretensão de reforma da sentença que não pode subsistir em razão da ausência de comprovação do nexo causal.5.Recurso que se nega provimento.

Contudo, em corrente minoritária seguem as decisões que, ao contrário responsabilizam o Estado, mesmo diante da impossibilidade de precisar da qual arma partiu o disparo que causou o dano. Recentemente, a 6ª Câmara Cível carioca responsabilizou o Estado, independentemente se o disparo que atingiu a vítima foi deflagrado por policial ou pelos meliantes perseguidos por aqueles.

DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. PERSEGUIÇÃO. TROCA DE TIROS ENTRE POLICIAIS E BANDIDOS. “BALA PERDIDA”. AUTOR ATINGIDO POR PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO. AVARIAS EM SEU VEÍCULO. INCAPACIDADE TOTAL TEMPORÁRIA PARA O TRABALHO. PERDA TEMPORÁRIA DOS MOVIMENTOS DA MÃO. AUSÊNCIA DE PLANEJAMENTO NO ATUAR ESTATAL. DEVER DE INDENIZAR. É indiferente se o disparo que atingiu a vítima foi deflagrado por policial ou pelos meliantes que eram perseguidos. O nexo de causalidade está na atuação despreparada dos agentes estatais, que causaram a situação de perigo a todos os administrados que circulavam em horário de intenso movimento por local de grande circulação. A função do Estado é garantir genericamente a segurança pública, ao passo que a reiterada omissão transmuda a natureza desse dever em específica. Responsabilidade objetiva do Estado. Danos materiais e morais que devem ser reparados. Redução da verba compensatória. Conhecimento e parcial provimento do recurso.

Tal orientação também foi seguida pela 19ª Câmara Cível da Cidade, estabelecendo a responsabilidade objetiva da Administração prescindindo da prova de que o dano foi causado por projétil oriundo de arma de fogo oficial.

APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AÇÃO POLICIAL. FERIMENTO FATAL. PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO. PROCEDÊNCIA DESCONHECIDA. INAPETÊNCIA INVESTIGATIVA DA ADMINISTRAÇÃO. RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA E SUBJETIVA. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. VERBA INDENIZATÓRIA. VALORAÇÃO. PARÂMETROS. PENSIONAMENTO. TERMOS INICIAL E FINAL. CASO CONCRETO. 1. Conquanto inexistente nos autos prova cabal de que o projétil que vitimou fatalmente a filha da autora tenha se originado de arma oficial, não se olvida que a Administração estadual mostrou surpreendente inapetência investigativa dos fatos, deixando de cumprir o dever inquisitorial que lhe incumbia a fim de bem esclarecer os fatos e, eventualmente, punir agentes públicos acaso responsáveis, ou esclarecer sua inocência e a correção de sua conduta. Se é verdade que a inoperância investigativa das autoridades policiais não supre a necessidade de prova do fato constitutivo do direito, nem serve de fundamento para inverter-se o ônus da prova, não se pode, por outro lado, deixar de reconhecer que o vácuo investigativo repercute na formação do juízo de convicção. 2. De toda sorte, na ação que tenha por fundamento fático dano causado à transeunte no decorrer de confrontamento entre policiais e meliantes, não é imprescindível, para responsabilização objetiva da Administração, a prova de que o dano tenha sido diretamente causado por projétil oriundo de arma de fogo oficial. A responsabilidade objetiva do Estado também incide se, da conduta dos agentes públicos, ainda que indiretamente, sobrevier como conseqüência o fato danoso. Tal é o caso quando a Administração, por seus agentes, através de suas ações policiais, colabora para agravar os riscos em que se acha a parcela da população já sujeita aos arbítrios do crime organizado, configurando-se os requisitos do ato comissivo do agente estatal, do dano, e do nexo causal que os relaciona. 3. Comezinha a conclusão de que depoimentos de testemunhas isentas, colhidos sob o crivo do contraditório, em sede judicial, têm maior valia que os colhidos em sede inquisitorial, prestados por pessoas diretamente envolvidas no evento e, por isto mesmo, presumivelmente interessadas no resultado das investigações (considerada a possibilidade de eventual responsabilização administrativa, penal e civil – esta, regressivamente). 4. Mas mesmo que assim não se entendesse, e se afastasse a incidência do § 6º do artigo 37 da CF, adotando-se a teoria da responsabilidade subjetiva pela faute du service publique, ainda assim estaria caracterizado o dever de indenizar, em se tratando de operação policial escancaradamente desastrosa, consubstanciando conduta flagrantemente imprudente, a revelar a falta com dever específico de garantir maior (e não menor) segurança aos cidadãos quando do ingresso dos agentes da Lei nas vielas da favela. 5. A perda de familiar – não de familiar apenas, mas do mais amado dos familiares, o filho, pela mãe – configura inequívoco dano moral. 6. Em que pese à humilde situação financeira da ofendida, sopesa-se que a gravidade do evento, a severidade do dano que se pretende compensar, a finalidade (subsidiária) punitivo pedagógica do instituto e o grau de culpa do ofensor (artigo 944, p.ú., CC/2002) revelam não ser exagerada a indenização fixada ao patamar de R$ 100 mil para o caso concreto. O arbitramento de indenização em valor irrisório, ao invés de cumprir sua função jurídica, constitui para o ofendido uma nova ofensa, a reiteração da injustiça – no caso dos autos, uma declaração de que a vida humana, ceifada pela imprudência estatal, vale menos que os esforços fiscais de saneamento das finanças públicas. 7. O termo inicial do pensionamento é a data do óbito, uma vez demonstrado que a jovem vítima tinha vida econômica ativa já anos antes de seu falecimento. 8. Considerada a humilde situação financeira da autora (mulher de prendas domésticas, sem vínculo empregatício ou profissão, cavando a sobrevivência por “bicos” esporádicos), não seria razoável supor, no caso concreto, que a vítima, de promissora carreira, viesse encerrar as contribuições ao sustento da mãe quando completasse seus vinte e cinco anos de idade (faixa etária em que, presume-se, constituiria núcleo familiar próprio). Assim sendo, inatacável a sentença em prever, a partir da data de vigésimo quinto aniversário de nascimento da finada, não o fim do pensionamento, mas sua redução à metade. 9. Sentido não há em fixar o termo final do pensionamento, na data em que a autora tornar-se septuagenária, já que precisamente aí é que mais precisará de apoio, sendo razoável supor que a boa filha, viva, maior razões teria para prover ou colaborar com o sustento da mãe. 10. Desprovimento do apelo. Confirmação da sentença.

Esta orientação também encontra amparo na doutrina. Segundo Rui Stoco:

São comuns hoje os confrontos entre policiais e marginais nas favelas, na via pública ou interior de estabelecimentos e residências. Nesses casos, embora os policiais possam ter como moderação e cometimento, procedido segundo as normas de conduta estabelecidas para as circunstâncias do momento, responderá o Estado, objetivamente pelos danos que essa ação legítima causar a terceiros.

Para esse autor, nem mesmo o estado de legítima defesa ou estado de necessidade vivenciado pelo agente da autoridade retira do Estado o dever de reparar, pois como se verá no próximo capítulo, tais hipóteses poderiam afastar a obrigação indenizatória:

São acontecimentos não queridos e fruto muito mais do recrudescimento da violência dos marginais que do comportamento dos agentes policiais, mas que impõe uma resposta mais severa destes.

Nem por isso, entretanto, ficará o Estado acobertado pela indenidade civil, pois vige – como regra constitucional – a teoria do risco administrativo, que obriga o Estado a indenizar, sem indagação de culpa em seu sentido amplo.

Assim, não pode o Estado alegar legitimidade quando a tarefa que lhe compete foi realizada com falha ou falta. Este também é o entendimento das decisões abaixo transcritas:

Ação indenizatória. Morte de menor que se encontrava em um bar comprando doces, vitimado por disparos de arma de fogo de agentes públicos, durante uma operação policial (blitz), próxima a favela do Jacarezinho, nesta cidade. Sentença que julga procedente em parte o pedido, condenando o réu ao pagamento de danos morais arbitrados em R$

50.000,00 e honorários advocatícios. Agravo retido. Alegação de suspeição da testemunha ouvida em Juízo. Rejeição. A hipótese não se enquadra nas disposições legais pertinentes ao tema (artigo 405, § 3º do CPC), posto que a testemunha em questão possui interesse apenas indireto no desfecho da lide, reconhecendo a Jurisprudência que: Não é testemunha legalmente suspeita: (.) - a pessoa arrolada por um das partes, que também demanda, em outro processo, contra a outra (JTAERGS 97/351). Estado-réu que invoca a licitude da conduta de seus agentes, baseando-se, principalmente, no dever de combate a criminalidade, o que o desobriga a qualquer indenização. Se a conduta comissiva do agente do Estado engendrou de forma direta ou concorrente o resultado danoso injusto a terceiro inocente, como no fato - espécie de bala perdida, a conduta ativa de agente policial na troca de tiros com bandidos evidencia no próprio fato o nexo de causalidade necessário à imposição da responsabilidade civil objetiva do Estado (artigo 37,§ 6º da CR/88). Ora, o que o Estado pretende é que a força se sobreponha ao direito, que os fins justifiquem os meios e que as falhas nas tarefas que lhe são próprias sejam legitimadas, sob alegações de combate a criminalidade e estado de necessidade. Fatos que em si mesmos implicaram em sérios sofrimentos aptos a abalar não só o psiqué de sua mãe, pessoa pobre e humilde, vítima da desigualdade em nosso País, como também a sua honorabilidade, gerando inafastável dever de indenizar, máxime porque a Carta Federal garante a proteção da dignidade humana (artigo 1º, III da CRFB/88). Dano moral indenizável. Majoração do quantum a fim de adequá-lo aos Princípios da Proporcionalidade e Razoabilidade. Danos materiais. Na hipótese, além de não existir prova cabal quanto à atividade laborativa desempenhada pela autora, bem como de seus ganhos, não há como mensurar período para sua recuperação, o que acarretaria na subjetivação do dano material, colocando-o no mesmo plano do moral, o que não é possível. Inaplicabilidade da Sumula n. 491 do STF. Desprovimento do primeiro apelo e parcial provimento do segundo recurso, apenas para majorar a verba fixada a título de danos morais para R$ 100.000,00 (cem mil reais), mantida, no mais, a sentença monocrática.

DILIGENCIA POLICIAL COM TROCA DE TIROS. BALA PERDIDA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. OBRIGAÇÂO DE INDENIZAR. Responsabilidade civil do Estado. Artigo 37, par. 6. da CRFB/88. Ato lícito da administração. Troca de disparos de arma de fogo em via pública. Bala perdida. Dever de indenizar. O artigo 5., X da Lei Maior positivou o princípio impositivo do dever de cuidado ("neminem laedere") como norma de conduta, assegurando proteção à integridade patrimonial e extrapatrimonial de pessoa inocente, e estabelece como sanção a obrigação de reparar os danos, sem falar em culpa. A CRFB/88, em seu artigo 37, par. 6, prestigiou a Teoria do Risco Administrativo como fundamento para a responsabilidade civil do Estado, seja por ato ilícito da Administração Pública, seja por ato lícito. A troca de disparos de arma de fogo efetuada entre policiais e bandidos conforme prova dos autos impõe à Administração Pública o dever de indenizar, sendo irrelevante a proveniência da bala. A conduta comissiva perpetrada, qual seja, a participação no evento danoso causando dano injusto à vítima inocente conduz à sua responsabilização, mesmo com um atuar lícito, estabelecendo-se, assim, o nexo causal necessário. Desprovimento do recurso.

DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. PERSEGUIÇÃO. TROCA DE TIROS ENTRE POLICIAIS E BANDIDOS. "BALA PERDIDA". AUTOR ATINGIDO POR PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO. AVARIAS EM SEU VEÍCULO. INCAPACIDADE TOTAL TEMPORÁRIA PARA O TRABALHO. PERDA TEMPORÁRIA DOS MOVIMENTOS DA MÃO. AUSÊNCIA DE PLANEJAMENTO NO ATUAR ESTATAL. DEVER DE INDENIZAR. É indiferente se o disparo que atingiu a vítima foi deflagrado por policial ou pelos meliantes que eram perseguidos. O nexo de causalidade está na atuação despreparada dos agentes estatais, que causaram a situação de perigo a todos os administrados que circulavam em horário de intenso movimento por local de grande circulação. A função do Estado é garantir genericamente a segurança pública, ao passo que a reiterada omissão transmuda a natureza desse dever em específica. Responsabilidade objetiva do Estado. Danos materiais e morais que devem ser reparados. Redução da verba compensatória. Conhecimento e parcial provimento do recurso.

Direito Processual Civil. Embargos de declaração. Contradição. Omissão. Inexistência. Direito Administrativo. Lesão. Bala perdida. Troca de tiros entre policiais e supostos marginais. Sentença condenando o Estado do Rio de Janeiro a pagar indenização por danos morais. Nexo causal. Aplicação da teoria da causalidade adequada, isto é, a responsabilidade somente recairá sobre aquela condição que poderia concretamente concorrer para a produção do resultado, excluindo-se as demais condições que concorriam, mas que não eram as mais adequadas para produzir o dano. Responsabilidade do Estado. A conduta de seu agente público se não foi aquela que efetivamente deu causa ao resultado - alvejando o apelado com o disparo da arma de fogo -, contribuiu em muito para a causação do dano, já que falhou com o seu dever de segurança. Efeito modificativo. Descabimento. Cognição restrita à omissão, contradição e obscuridade do acórdão. Precedentes: STF, 1ª Turma, REED 255071/SP, Min. Moreira Alves; STF, 2ª Turma, AGAED 265905, Min. Celso de Mello. Rejeição dos embargos.

Nesta linha de entendimento, o Superior Tribunal de Justiça, já se manifestou na lavra do Ministro Luiz Fux, de que nas atividades perigosas desenvolvidas pelo Estado, como é a ação policial, a causalidade entre a ação e o dano deriva do agravamento do risco geral da vida aumentado pelo agente do Estado. Segundo o Ministro, “se a sociedade pós-moderna é uma sociedade de riscos, incube aos agentes o controle do gerenciamento deste risco”. Agravado este além do limite aceitável pela comunidade, a conduta se torna possível de ser atribuída como causadora do dano pela agravação do risco. Deste modo, no dizer dessa decisão, na responsabilidade objetiva a imputação do dano ao Estado se dá pela prova do agravamento do risco inerente à atividade por sua conduta em detrimento do lesado. Assim, inverte-se o ônus probatório quanto à ocorrência do agravamento ilícito do risco especifico, incumbindo ao Estado provar que a procedência do disparo de arma de fogo não foi dos seus agentes:

“Consoante cediço, a responsabilidade objetiva do Estado em indenizar, decorrente do nexo causal entre o ato administrativo e o prejuízo causado ao particular, prescinde da apreciação dos elementos subjetivos (dolo e culpa estatal), posto que referidos vícios na manifestação da vontade dizem respeito, apenas, ao eventual direito de regresso, incabível no caso concreto.

Destarte, as razões expendidas no voto condutor do acórdão hostilizado revelam o descompasso entre o entendimento esposado pelo Tribunal local e a jurisprudência desta Corte, no sentido de que nos casos de dano causado pelo Estado, se aplica o artigo 37, § 6º da Constituição Federal.

Ressalte-se ainda, que nos termos do artigo 927, § único, do Código Civil, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, conceito que abrange, lato sensu, a própria Carta Magna.

(...) Deveras, consoante doutrina José dos Santos Carvalho Filho: A marca da responsabilidade objetiva é a desnecessidade de o lesado pela conduta estatal provar a existência da culpa do agente ou do serviço. O fator culpa, então, fica desconsiderado com pressupostos da responsabilidade objetiva (...), sendo certo que a caracterização da responsabilidade objetiva requer, apenas, a ocorrência de três pressupostos: a) fato administrativo: assim considerado qualquer forma de conduta comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva, atribuída ao Poder Público; b) ocorrência de dano: tendo em vista que a responsabilidade civil reclama a ocorrência de dano decorrente de ato estatal, latu sensu; c) nexo causal: também denominado nexo de causalidade entre o fato administrativo e o dano, consectariamente, incumbe ao lesado, apenas, demonstrar que o prejuízo sofrido adveio da conduta estatal, sendo despiciendo tecer considerações sobre o dolo ou a culpa.

Assim, caracterizada a hipótese de responsabilidade objetiva do Estado, impõe-se ao lesado demonstrar a ocorrência do fato administrativo (invasão de domicílio), do dano (morte da vítima) e do nexo causal (que a morte da vítima decorreu de errôneo planejamento de ação policial).

Consectariamente, os pressupostos da responsabilidade objetiva impõem ao Estado provar a inexistência do fato administrativo, de dano ou ausência de nexo de causalidade entre o fato e o dano, o que atenua sobremaneira o princípio de que o ônus da prova incumbe a quem alega. Contudo, na hipótese vertente, o acórdão deixou entrever que os autores deixaram de produzir prova satisfatória e suficiente de que o óbito da vítima resultou de imperícia, imprudência ou negligência do policial militar que invadiu a casa da vítima, consoante se infere do voto de fls. 184/191, o que revela o provimento do recurso especial.

Nesta esteira, vale-se ressaltar mais uma vez o magistério de Luiz Guilherme Marinoni, no sentido de admitir recurso especial que verse acerca da inversão do ônus da prova, in verbis:

(...) Não se diga, como já fez o STJ, que “o indeferimento do pedido de inversão do ônus da prova na origem, por não se tratar de hipossuficiência, mas, também, pela impossibilidade de se aferir da razoabilidade da verossimilhança das alegações do consumidor, conceito de índole fático-porbatório, atraia a censura da súmula 7 do STJ, impedindo o conhecimento do especial, manejado sob o fundamento de maltrato ao artigo 6º, VIII do CDC”. Lembre-se de que os critérios da hipossuficiência, deve considerar apenas a dificuldade de produção de prova. Portanto, a decisão a respeito de hipossuficiência não pode impedir o especial sob o argumento de impossibilidade de reexame de prova. Além disso, como dito no item anterior, não há como confundir exame de prova para a formação da convicção de verossimilhança com redução das exigências de prova para a procedência do pedido ou para a inversão do ônus da prova na sentença.

Decidir sobre a inversão do ônus da prova requer a consideração do direito material e das circunstâncias do caso concreto, ao passo que a formação da convicção nada mais é que a análise da prova e dos demais argumentos.Inverter o ônus da prova não está sequer perto de formar a convicção com base nas provas. Assim, o recurso especial pode afirmar que a decisão que tratou do ônus da prova violou a lei, o que evidentemente não requer o reexame das provas. (grifou-se) (Reexame de prova diante dos recursos especial e extraordinário, publicado na Revista Genesis - de Direito Processual Civil, Curitibanúmero 35, págs. 128/145).
Saliente-se ainda que, a Constituição Federal não assegura a inviolabilidade do domicílio (artigo 5º, inciso XI) de modo absoluto, inserindo, no rol das exceções à garantia, o caso de flagrante delito, desastre, prestação de socorro ou determinação judicial, inocorrentes na presente hipótese.

Destarte, esta Corte, apesar de adstrita a averiguação de ofensa à legislação federal infraconstitucional dentro dos estreitos limites da indicação feita por parte do recorrente, não está com isto impedida de aplicar o direito à espécie. Esta é justamente a ratio do artigo 257 do RISTJ, in verbis:

Artigo 257. No julgamento do recurso especial, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não conhecerá do recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.

Infere-se dos autos que o Policial Militar invadiu o domicílio da vítima, que restou assassinada por bala perdida no interior de sua própria residência, justamente quando procurava saber quem estava no teto da sua casa, não tendo o Estado logrado êxito em demonstrar a procedência do tiro de arma de fogo, disparado de “cima para baixo” no seu crânio, ônus que lhe incumbia, a fim de eximir-se da responsabilidade objetiva.

Ademais, extrai-se dos autos, que os autores às fls. requereram a exumação do cadáver da vítima para exame de balística e verificação do calibre da arma que realizou o disparo fatal, o qual não fora realizada no momento oportuno porque o raio X do Instituto Médico Legal estava quebrado, pedido que restou indeferido pelo juízo a quo.

Destaque-se, por sua vez, o teor do parecer ministerial, acostado aos autos às fls. 117/120, no sentido de condenação do Estado, à luz do artigo 37, § 6º da Constituição Federal, in verbis:

(...) Pois bem, a vítima era pessoa que trabalhava, tinha família, e por infelicidade, morava perto de local em que havia tráfico. Por infelicidade sua, acreditando na inviolabilidade de seu domicílio, subiu na laje, e foi atingida por disparo de arma de fogo, situação de risco criada a partir de desastrada operação policial no local onde habitava.

Pergunta-se: Será que o Estado é isento de qualquer responsabilidade, por não garantir àquela pessoa sequer o direito à inviolabilidade de seu domicílio, dizendo que foi imprudente ao subir na laje de sua própria casa. Parece-nos que não.

(...)
Frise-se que em nenhum momento houve qualquer afirmação pelos policiais em depoimento de que teriam subido na casa da vítima porque ali se estaria praticando qualquer crime, ou porque lá havia qualquer traficante.

Ao contrário, um dos policiais ouvidos, às fls. 97, inclusive declarou que “soube pelo sargento Firmo que ele teria subido na laje da casa da vítima para vasculhar a área”.

(...)
Com efeito, a ação dos agentes do Estado contribuiu de forma decisiva par ao evento ocorrido, e neste particular, independentemente da perquirição de culpa ou dolo dos agentes, para o particular que se viu lesionado por bala perdida, sem qualquer participação na perseguição, existe a possibilidade de reparação dos danos sofridos. Isto porque há a responsabilidade civil do Estado face à comprovação indiscutível de que o ato do agente policial foi concausa para os danos patrimoniais e morais de que hoje sofrem os autores da presente ação indenizatória.

Tendo em vista ser cabível a condenação de indenização a título de danos morais e materiais, ratifico o teor da parte dispositiva da sentença, fl. 125, para adotar suas razões de decidir, in verbis:

(...)
Ante o exposto, julgo procedente, em parte, o pedido indenizatório, para condenar o réu a pagar aos autores. ”

Sendo o Superior Tribunal de Justiça, órgão de instância superior e competente para reexaminar as questões decididas pelos juízes de primeiro grau e Tribunais estaduais (artigo 105, III, da Constituição Federal), suas decisões têm o condão de firmar a orientação superior, possibilitando, inclusive, a conseqüente reforma dos julgamentos das instancias inferiores. Vale dizer, servem como norte, como referencia da evolução dos julgamentos pretorianos.

Nessa linha de raciocínio, percebe-se uma franca e forte orientação no sentido de não permitir falha nas tarefas ligadas à segurança pública, com críticas severas à imperícia policial e à inabilidade política do Estado, como acervou, entre outros, a desembargadora Helda Lima Meirelles, no acórdão acima transcrito.

Trata-se de uma evolução, que aos poucos vai abandonando a noção de irresponsabilidade do Estado – baseada na tese da hipossuficiência financeira (segurador universal) – tendo em vista o elevado custo social acarretado por sua incompetência funcional, como melhor será apontado no capítulo seguinte.

CAPÍTULO II

RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1. O DANO E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

É certo que, quando causado um prejuízo em razão do descumprimento de um dever jurídico, surge a obrigação de indenizar que tem por finalidade tornar o lesado ressarcido, isto é, colocar a vítima na situação em que estaria antes da ocorrência do fato danoso. Prejuízo ou dano são expressões adotadas pela doutrina com significados semelhantes52 e configura-se no primeiro pressuposto da responsabilidade civil, de tal forma que, sem a sua existência, inexiste qualquer dever de reparação.

No sentido jurídico, o dano se restringe ao fato humano e envolve um comportamento contrário ao jurídico. Assim, de maneira geral, a antijuridicidade o caracteriza. Contudo, é possível que nenhuma infração ocorra, mas subsista o dever indenizatório, em virtude do dano realizado. No dano contratual, por exemplo, não se fala em infração a uma norma jurídica, mas em inadimplemento de uma obrigação inserida na convenção. Por outro lado, uma lesão determinada por uma conduta impelida pelo estado de necessidade não isenta da indenização, apesar da ausência de ilicitude, como será visto posteriormente. Igualmente ocorre a possibilidade de indenização sem ofensa ao direito nas hipóteses de responsabilidade objetiva, que também será estudada adiante.

Por antijuricidade entende-se o que é contrário ao direito, sendo que a palavra direito indica um conjunto de normas ou de regras jurídicas dispostas com a finalidade de “dirigir o comportamento humano, coordenar os interesses e solucionar os conflitos” 53, que surgem entre os indivíduos. O conjunto de ações ou negócios, ajustados ao direito integram a esfera dos atos lícitos, ressalvadas as situações traçadas acima. O ato ilícito decorre da conduta humana anti-social, manifestada intencionalmente ou não, por comissão ou omissão, ou ainda, por descuido ou imprudência. E mais, o direito tem por fim uma utilidade comum, na medida em que regula as ações humanas, não no sentido individualista, mas de modo geral. Isso não significa que exclui a proteção dos interesses individuais. O interesse comum é objeto de tutela da lei e o que fere o interesse em si é o dano. “Por meio do dano se impede a possibilidade de que o bem satisfaça uma necessidade humana, ou se retira a aptidão geral para satisfazer um valor almejado e procurado pelo homem”.De acordo com o interesse protegido, nasce à espécie de dano.

Sérgio Cavalieri Filho conceitua dano como “a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trata de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc.”

Em virtude das transformações sociais, especialmente à aparição de novos bens jurídicos, merecedores de tutela, é possível definir dano como toda ofensa a bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.

Contudo, não é qualquer dano que permite a indenização. Para um dano ser indenizável é preciso que ele seja certo e atual. Atual é o dano que já existe ou já existiu no momento da ação de responsabilidade civil, e certo é o dano fundado sobre um fato preciso e não sobre hipótese. Não havendo nem a atualidade e nem a certeza, o dano não poderá ser indenizado.56 Ressalte-se que o dano futuro é indenizável, como dispõe a parte final do próprio artigo 402, do Código Civil pátrio “o que razoavelmente deixou de lucrar”. O que não se indeniza são os danos hipotéticos, isto é, aquele que pode não vir a se realizar.

A doutrina ainda estabelece outras classificações de dano, mas, por ora, as aqui apontadas são as que nos interessam.

É importante afirmar que a responsabilidade civil vem disciplinada no Livro I da Parte Especial do Código Civil, que trata das obrigações. O regramento está no Título IX, Capítulos I e II – “Da obrigação de indenizar” e “Da indenização”, respectivamente.

A responsabilidade civil do particular é tratada no artigo 927 do Código Civil, que dita que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. É aquela que decorre, em regra, da reunião de três elementos: a conduta culposa do agente; a ocorrência de dano; e o nexo causal entre a conduta do agente e o dano causado.

Segundo Sergio Cavalieri Filho, para que haja conduta culposa do agente, deve haver conduta voluntária com resultado involuntário, previsão ou previsibilidade, e ainda, falta de cuidado, cautela, diligência e atenção. Ainda de acordo com douto jurista, o ato ilícito:

é sempre um comportamento voluntário que infringe um dever jurídico, e não que simplesmente prometa ou ameace infringi-lo, (...). É o conjunto de pressupostos da responsabilidade, que em sede de responsabilidade subjetiva a culpa integrará esses pressupostos.

O nexo causal é a relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado, estabelecendo o vínculo entre um determinado comportamento e um evento, que permite concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não a causa do dano.

Dessa forma, a responsabilidade civil subjetiva, está atrelada à noção de conduta culposa do agente causador do dano, no que se aplicam todas as considerações acima sobre os elementos que devem ser reunidos para a configuração da responsabilidade. Neste regime de responsabilidade subjetiva, a vítima deve provar que o agente do dano agiu com culpa, indicando o nexo causal existente entre a conduta do agente e o dano causado, e, finalmente, o dano efetivamente ocorrido.

Ao lado da responsabilidade subjetiva (aquela que depende da prova de culpa do agente), a lei brasileira também prevê a responsabilidade objetiva (ou sem culpa). Esta prevista no parágrafo único do artigo 927 e no artigo 932 e seguintes do Código Civil e é assim considerada pelos doutrinadores porque a obrigação de indenizar decorre do mandamento legal e não da prova de culpa.

Tal teoria surgiu em meados do século XIX, quando esboçou-se o movimento jurídico contrário a fundamentação subjetiva da responsabilidade, percebendo-se que a culpa não abarcava os numerosos casos que exigiam reparação. “Foi à origem da teoria objetiva, que encontrou campo favorável na insipiente socialização do direito, em detrimento do individualismo incrustado nas instituições.”59 Partiu-se de um pressuposto largamente aceito hoje em dia, que é o da responsabilidade do proprietário pelos danos causados por seus bens, ou pelo risco da atividade que exercia, organizava ou patrocinava.

A lei brasileira somente a consagrou no atual Código Civil (de 2002), muito embora a jurisprudência e a doutrina já a defendessem há algumas décadas.

Em seguida, verifica-se a responsabilidade objetiva nas seguintes classificações: a) por ato impróprio, quando o agente provoca o dano (artigo 927); b) por fato de terceiro, se existe vinculo jurídico causal com o terceiro (artigo 932), e; c) pelo fato das coisas, quando o dano é causado por um objeto ou animal, cuja vigilância ou guarda é imposta a uma pessoa (artigos 936, 937 e 938).

Isto porque o conceito de culpa é insuficiente para justificar o dever de satisfazer muitos prejuízos. Assim, todos os danos são decorrentes de atitudes desarrazoadas ou culposas. Basta, para obrigar, a causalidade entre o mal sofrido e o fato provocador. Tal tese defende o dever de indenizar pela simples verificação do dano, sem necessidade de se cogitar do evento culposo do agente.

Na teoria objetiva, para gerar o direito à indenização, basta a vítima provar o nexo causal, ou seja, a ligação entre o comportamento do ofensor e o resultado do dano sofrido. Dispõe o parágrafo único do artigo 927 do diploma civil pátrio, “que a obrigação de reparar o dano, independe de culpa nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano, implicar por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Daí dizer-se que o Direito Civil pátrio atual acolhe ambas as teorias, sendo a objetiva adotada em caráter excepcional e nos casos específicos em que a lei estabelece.

Atualmente, no que se refere à responsabilidade civil do Estado, ela é objetiva, ou seja, decorre da imposição da lei. Está prevista no artigo 37, §6º, da Constituição Federal: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” e no artigo 43 do Código Civil: “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.

Nesse espeque, verifica-se que a responsabilidade objetiva do Estado reconhece a desigualdade jurídica existente entre o particular e o ente da Administração Pública, decorrente das prerrogativas de direito público a este inerentes, prerrogativas estas que, por visarem a tutela do interesse da coletividade, sempre assegurarão a prevalência jurídica destes interesses ante os do particular.

O estudo a seguir, analisará a evolução que permitiu ao tema chegar a estas considerações.

2.2. EVOLUÇÃO DAS TEORIAS E DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Para caracterizar a responsabilidade civil sempre se buscou apontar o causador do dano. Mesmo no Império Romano, e até antes, quando da república, se impunham limitações aos atos governamentais, incutindo o sentimento do dever de reparar por certos prejuízos causados. Contudo, não há registros de que os pretores foram procurados para impor obrigações ao imperador, ou exigir que este indenizasse os danos causados por si ou por seus servidores.

Quando o responsável pelos danos era o Estado, prevalecia, inicialmente, a idéia de que, em razão da sua soberania, revelada através de expressões como L’État c’est moi (o Estado sou eu), não caberia responsabilidade por qualquer ato danoso oriundo de suas ações.

Pela teoria da irresponsabilidade do Estado, originada do Direito francês e que prevaleceu na época do absolutismo, os agentes públicos, como representantes do rei, não poderiam ser responsabilizados por seus atos, pois estes realizavam atos do próprio rei. Recorda José Cretella Junior, que “houve longo período na história da humanidade em que o Estado jamais pagou os danos que seus agentes causavam ao cidadão. Nem se cogitava, aliás, do tema, já que predominava a teoria do direito divino, pela qual o soberano estaria acima de quaisquer erros (The King can do no wrong). A infabilibidade do chefe transmitia-se a seus funcionários.” 61 A ausência total de responsabilidade constituía verdadeira negação ao direito, e isso não poderia continuar a ocorrer, uma vez que o Estado possui o dever de tutelar o direito. Essa concepção foi aos poucos perdendo força, abrindo espaço para um novo modelo.

Entre nós, os exemplos de irresponsabilidade do Estado podem ser verificados nos desmandos da Família Real quando se mudou para o Brasil, em 1808, quando tomou posse de imóveis residenciais de maior valor na cidade do Rio de Janeiro, arbitrariamente desalojando seus moradores. Na época o direito brasileiro se baseava nas Ordenações de Portugal e recorria subsidiariamente ao Direito Romano, através da Lei da Boa Razão, de 18 de agosto de 1769.63 Porém mesmo após a independência do país, em 1822, a legislação portuguesa continuou a vigorar, entre nós, sem que houvesse qualquer previsão da responsabilidade civil do Estado.

É sabido que, com a Revolução Francesa surgiram as reações, impondo-se freios ao poder absoluto. Formaram-se alguns princípios da responsabilidade do Estado por certos atos, mas de cunho eminentemente subjetivo ou baseado na culpa, expandindo-se na segunda metade do século XIX e estendendo-se até a segunda metade do século XX. A obrigação do Estado passou a possuir natureza subjetiva, ou seja, haveria o dever de indenizar se seus agentes agissem com culpa ou dolo, estabelecendo, ainda, a diferença entre atos de império e atos de gestão. Nesse sentido, leciona Maria Sylvia Di Pietro:

Os primeiros seriam os praticados pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes; os segundos seriam praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços.

No Brasil, com a Constituição do Império, de 1824, ocorreu a primeira previsão acerca da responsabilidade civil do funcionário público, prevista no artigo 178. Esse preceito figurava dentro do rol que dispunha sobre os direitos políticos fundamentais, o que levou Pimenta Bueno, um dos seus mais autorizados comentadores, a enfatizar a circunstância de que a responsabilidade do servidor público ingressou em nosso ordenamento constitucional como uma garantia básica do cidadão.

Contudo, os primeiros pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal atribuindo a responsabilidade do Estado pelos atos dos funcionários públicos que, no exercício de suas funções, lesarem terceiros ocorreram em 20.04.1898 e em 27.07.1898, conforme historia José Cretella Júnior.

E mais, estudos realizados por Arnold Wald demonstraram que a responsabilidade do Estado diante dos atos lesivos que seus agentes causassem já era apregoada por Rui Barbosa, já sem falar em culpa, ainda no ano de 1898, em publicação no jornal O Comércio de São Paulo, onde expôs: “Princípio corrente foi sempre o de que o poder em cujas mãos se ache a autoridade policial responde pelo dano cometido no seu território pelos ajuntamentos armados ou desarmados”. (Obras Completas de Rui Barbosa. Ed. de Casa de Rui Barbosa. Vol. XXV, Tomo IV/168).

Além disso, anteriormente à Constituição Federal de 1946, em 29.11.1916, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento a favor da reparação pelo Estado, especialmente em casos de prejuízos causados pelas forças policiais ou militares em bens particulares, ou na omissão em prevenção:

Responde o Estado pelos danos causados à tipografia e oficinas de um órgão de imprensa, não importando averiguar, no caso, se o ato lesivo do patrimônio particular foi praticado por funcionários ou empregados públicos, no exercício de suas atribuições, porque, na falta de medidas tendentes a prevenir a alteração da ordem, a violação da propriedade, a descobrir e punir os delinqüentes, o Estado é obrigado, pela culpa in vigilando, a satisfazer o dano.

Cabe ressaltar que o advento do Código Criminal de 1830, também previa o instituto da satisfação, que estabelecia o dever de reparação do dano causado, preceituado em seu artigo 21. Assinale-se que o Código Criminal inspirou-se na escola clássica (Beccaria) e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 27 de agosto de 1789. Em tema de responsabilidade civil, essa constituiu significativa evolução do direito brasileiro, apesar de codificada penalmente. Isso porque, durante alguns séculos não se distinguiu claramente o ilícito civil do ilícito penal. Há, contudo, grandes diferenças quanto à regulamentação de cada um, tanto no que se refere ao efeito produzido (sanção), quanto à natureza do bem tutelado. Assim, enquanto o ilícito penal gera como sanção uma pena, que inicialmente se dividia em privar a liberdade do individuo ou atingir-lhe o corpo até a morte, o ilícito civil tenha como conseqüência normal o cumprimento de uma obrigação, que, por vezes importava em ressarcimento do dano.

Tal norma reingressou no Código de Processo Penal em 2008, com o advento da Lei nº 11.719, que possibilitou novamente ao juiz penal estabelecer o quantum indenizatório (artigo 387, IV, do Código de Processo Penal). O fim aqui estabelecido é o de aplicar juntamente com a pena, a obrigação de indenizar, permitindo que a vítima, desde logo, proceda ao cumprimento da sentença, através da ação de execução ex delicto, (artigo 63 do Código de Processo Penal), minimizando-lhe os dissabores vivenciados, pelo ingresso e acompanhamento de duas ações (cível e penal).

Com a promulgação da Constituição de 1934, a responsabilidade civil do Estado passou a constar expressamente no ordenamento jurídico brasileiro. A referida Constituição, em seu artigo 171, tratava da responsabilidade civil do Estado, ainda com base na culpa, nos casos de negligência, omissão ou abuso de direito no exercício de cargo público, onde o funcionário público seria solidariamente responsável, podendo o Poder Público, depois de ter sido executado, promover execução contra o funcionário público culpado.

Esta era a configuração da teoria da culpa administrativa, também chamada de teoria da culpa ou falta do serviço (faute du service), que surgiu a partir do conflito de jurisdição suscitado na França, em 1873, decidindo-se que era de competência do Tribunal Administrativo, julgar e processar as ações de indenização em que o Estado estivesse como pólo passivo, considerando que não poderiam ser aplicadas as regras do Código Civil. Essa teoria representou o primeiro estágio da transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a responsabilidade objetiva, atualmente adotada. Objetivava que o dever do Estado em indenizar somente existiria caso fosse comprovada objetivamente a existência da falta de serviço, isto é, as precariedades, as implicações, a inexistência, o mau funcionamento, a demora na prestação, a baixa finalidade, de modo a acarretar prejuízo. Dessa forma, exigia-se também uma espécie de culpa, não subjetiva, mas sim administrativa.

Como exemplo dessa concepção, cita-se o julgado abaixo:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. MORTE. CULPA DO PREPOSTO. IMPERICIA. PROVA SEGURA. DANO MORAL. DANO MATERIAL. INDENIZACAO. FIXACAO DO VALOR. Indenização - Dano material e moral responsabilidade objetiva do estado - morte de cidadão provocada por ato de agente da autoridade - falha ou culpa do serviço - disparo acidental e fatal de arma de fogo ocorrido no interior do veículo da vítima onde eram conduzidos policiais atuação insuficiente e carente de critério e conduta adequada do agente da autoridade de molde a propiciar corretamente o dever indenizatório fixado na sentença estabelecido o liame causal entre a falta acometida e o prejuízo superveniente sem culpa ou dolo da vítima cabe a administração recompor os danos causados - apelo não provido decisão confirmada.

Em 1916, o Código Civil, em seu artigo 15, ensejava a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público com base na culpa: “as pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.”

Em seguida, a Constituição de 1946, em seu artigo 194, apontou para a responsabilidade objetiva não fazendo qualquer condicionamento à culpa: “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros”, entendimento que se manteve nas Constituições de 1967 e 1988. Assim, finalmente, surgiu e se firmou a teoria da responsabilidade objetiva, que obriga o Estado a indenizar o dano independentemente de culpa.

Como espécie de responsabilidade objetiva, a teoria do risco administrativo foi imaginada originalmente por Léon Duguit,73 e representa a obrigação econômica do Estado de reparar o dano sofrido injustamente pelo particular, independentemente de culpa, seja subjetiva ou administrativa. Por ela, exige-se somente a existência do dano e o nexo de causalidade entre eles, presumindo-se, assim, a culpa do Estado. Dessa feita, o ônus de provar que não houve dano, cabe a Administração, por meio das excludentes de responsabilização, que serão analisadas em seguida. No Brasil, essa teoria foi adotada a partir da Carta Magna de 1946 e repetida em 1967, nos artigos 194 e 105, respectivamente. Afirmava-se que o Poder Público responderia por ato de seus funcionários, cabendo ação regressiva somente nos casos de culpa ou dolo do servidor.

A teoria do risco administrativo também alcançou a legislação brasileira. O artigo 37, §6º, da atual Constituição seguiu a linha traçada nas constituições anteriores e manteve a responsabilidade civil objetiva da Administração, sob a modalidade do risco administrativo. O dispositivo deixa claro que a Constituição previu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente de prova de culpa no cometimento da lesão.

Uma novidade trazida pela nova Carta foi a substituição de expressão “funcionário público”. Tal alteração tem em vista o caráter amplo da expressão agente, ai se incluindo no conceito atual mesmo aqueles que não investidos na função pública mediante um ato próprio (investidura). Assim, todo individuo que participa de maneira permanente, temporária ou acidental, da atividade do Estado, que editando atos jurídicos, que executando atos de natureza técnica material, conforme leciona José Cretella Junior, é considerado agente público. Segundo esse autor, todos os que, sem distinção de função, são chamados, de um modo ou de outro, para colaborar no funcionamento dos serviços dos corpos públicos são agentes públicos.

São os seguintes exemplos de jurisprudência baseados na teoria do risco administrativo, destacadas nas últimas décadas:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO DE AGENTE POLICIAL. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. INDENIZACAO. Responsabilidade civil. Pedido de indenização fundado em lesão causado por projétil de arma de fogo proveniente de tiroteio entre policiais militares e marginais. Teoria do risco administrativo (artigo 107 da Constituição Federal). Rejeição de embargos infringentes, correto o reconhecimento da responsabilidade do Estado.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. POLICIAL MILITAR. HOMICIDIO. DENUNCIACAO DA LIDE AO FUNCIONARIO. INDEFERIMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. Agravo de Instrumento. Denunciação da lide. Ação ordinária movida por casal contra o agravante, objetivando indenização por homicídio, que teria sido vitima filho, por ação cometida por policiais militares. O Estado do Rio de Janeiro responde objetivamente, em razão da Teoria do Risco Administrativo. Despacho correto, que impede chamar-se os denunciados a lide, quando a responsabilidade dos mesmos, sendo subjetiva, implicaria na alteração da discussão da causa. Direito dos agravados de elegerem contra quem pretendem a indenização. Improvimento do recurso.

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. TRANSEUNTE FERIDO EM TIROTEIRO ENTRE POLICIAIS E MELIANTES EM VIA PÚBLICA. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. 1 – A constituição da república imputou as pessoas jurídicas de direito público responsabilidade objetiva, através da teoria do risco administrativo, para os danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem terceiros (art. 37, §6°, CR/88). 2 - Para que desponte o dever de indenizar do estado basta que se comprove o fato, o dano e o nexo de causalidade. 3- Se o ato praticado pelo agente da administração pública acarretou lesão a direito, deve o estado responder pelo pagamento de indenização por danos morais, irrefutavelmente demonstrados ante os ferimentos provocados na autora durante a incursão policial, que culminou no tiroteio em via pública, circunstância que independe da pesquisa de culpa do agente direto. 4- A quantificação da indenização por danos morais, arbitrada em 40.000,00, não retrata correspondência a extensão do dano, devendo ser reduzida para o montante de 30.000,00, equivalentes a 100 salários mínimos. Provimento parcial de ambos os recursos.

ARMA DE FOGO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. OBRIGACAO DE INDENIZAR. Ação de Indenização. Lesões sofridas pelo Autor como conseqüências de disparos efetuados com arma de fogo em troca de tiros mantida entre policiais militares e grupo de criminosos, durante operação policial. Responsabilidade objetiva do Estado. Configuração. Teoria do risco administrativo que exige a presença do dano e do nexo de causalidade. Requisitos presentes a ensejar o dever de indenizar. Danos materiais. Como base de cálculo, deve ser utilizado o último salário percebido pela vítima antes do evento danoso. Danos morais. Fixação do valor. A condenação deve atender aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, impondo-se, assim, sua majoração. Desprovimento do recurso interposto pelo Réu. Provimento parcial do segundo apelo.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACAO POLICIAL. DANOS CAUSADOS A TERCEIRO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. OBRIGACAO DE INDENIZAR. Administração Publica. Cidadã pega como refém e baleada por assaltante. Perseguição por policiais. Teoria do risco administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Danos materiais e morais. 1. A Constituição da Republica imputou às pessoas jurídicas de direito público responsabilidade objetiva, através da teoria do risco administrativo, para os danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros (art. 37, par. 6., CR/88). 2. Para que desponte o dever de indenizar do Estado basta que se comprove o fato, o dano e o nexo de causalidade. 3. A perseguição de policiais militares a meliante que mantém refém como escudo, ensejando seu ferimento, mesmo que pela arma do próprio bandido, constitui causa eficiente para a lesão experimentada, acarretando o dever de reparação. 4. A indenização por dano moral deve se aproximar, vez que o reparo total e' impossível, de uma compensação capaz de amenizar o constrangimento experimentado. Negado provimento ao recurso. Vencido o Des. Miguel Angelo Barros.

AÇÃO ORDINÁRIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONFRONTO POLICIAL. FALECIMENTO DE MENOR VÍTIMA DE DISPAROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. DEVER DE INDENIZAR. CORREÇÃO DA VERBA INDENIZATÓRIA. RECURSO DESPROVIDO. O constituinte originário, no art. 37, § 6º da Carta Magna, estabeleceu a responsabilidade objetiva da administração pública. Aplica-se ao caso a teoria do risco administrativo, sendo irrelevante verificação da autoria do disparo que levou ao falecimento do filho da autora da ação. É dever do Estado prestar Segurança Pública, que consiste em conjunto de medidas e esforços da administração. Neste diapasão, afigura-se correta a condenação do réu, por verificar-se deficiente a atuação estatal em assegurar a integridade física de seus tutelados. Com relação à verba indenizatória, a situação fática enseja a manutenção do quantum fixado na primeira instância. Tratava-se de menor de apenas 10 (dez) anos de idade, situação traumática que se coaduna com a fixação de pena pecuniária elevada, no intuito de compelir a autoridade administrativa a evitar acontecimentos semelhantes. Manutenção da sentença guerreada, in totum.

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. VÍTIMA ATINGIDA POR PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO DE POLICIAL CIVIL.TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. 1 - A Constituição da república imputou as pessoas jurídicas de direito público responsabilidade objetiva, através da teoria do risco administrativo, para os danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem terceiros (art. 37, §6°, CR/88).2 - Para que desponte o dever de indenizar do estado basta que se comprove o fato, o dano e o nexo de causalidade.3-A condenação penal do policial civil corrobora a obrigação do estado indenizar a vítima de crime de lesões corporais praticado em serviço.4-Mas, se entre o fato gerador desse direito e a data de seu efetivo exercício, decorrem 9 anos, o próprio decurso de tão longo tempo já se encarrega de minimizar esses sofrimentos, embora não faça desaparecer o fundamento da reparação se não transcorrido o lapso prescricional. 5- Assim, a verba há de ser fixada em valor que corresponda a justa reparação pelo prejuízo imaterial do ofendido. 6- Pensionamento deve ser fixado em um salário mínimo, devido pelo período de tempo que o autor ficou impossibilitado de exercer atividade laborativa, a ser apurado em liquidação de sentença.7-Juros de mora devem incidir a partir da ocorrência do evento danoso.Provimento parcial do primeiro recurso.provimento parcial do segundo recurso.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACAO POLICIAL. DISPARO DE POLICIAL MILITAR. DISPARO DE ARMA DE FOGO. LESAO CORPORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL. INDENIZACAO. VALOR. ELEVACAO. Apelação cível. Ação de procedimento comum ordinário. Indenização. A Constituição de 1988 disciplinou a responsabilidade civil do Estado no parágrafo 6. do seu art. 37, que tem a seguinte redação: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadores de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Duas outras conclusões podem ser extraídas do texto constitucional em exame. O Estado só responde pelos danos que os seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros. A expressão grifada - seus agentes, nessa qualidade esta' a evidenciar que o constituinte adotou expressamente a teoria do risco administrativo como fundamento da responsabilidade da Administração Publica, e não a teoria do risco integral, porquanto condicionou a responsabilidade objetiva do Poder Público ao dano decorrente da sua atividade administrativa, isto e', aos casos em que houver relação de causa e efeito entre a atividade do agente público e o dano. Soldado da Policia Militar autor de disparos de arma de fogo contra policial civil, atingindo-o, e causando-lhe lesões que lhe causaram tetraplegia, inutilizado e incapacitado para o serviço público. Dano moral. O sofrimento, a dor, constrangimento e vexame sofridos pela vitima estão estampados nas fotos constantes dos autos e revelam, a irreversibilidade do quadro deplorável em que o mesmo se encontra. A verba arbitrada na sentença é módica e irrisória em relação ao estado em que se encontra o primeiro apelante. Elevação. Eleva-se a verba a titulo de dano moral de 500 (quinhentos) para 1000 (mil) salários mínimos. Provimento do primeiro apelo e improvimento do segundo.

APELAÇÃO CÍVEL. VÍTIMA ATINGIDA POR DISPARO DE ARMA DE FOGO, EM MEIO À INCURSÃO POLICIAL NA LOCALIDADE EM QUE MORAVA FALECENDO, EM CONSEQÜÊNCIA DO EVENTO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO QUE SE FAZ MANIFESTA, EM DECORRÊNCIA DA ADOÇÃO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO VIGENTE DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA, COM FULCRO NA TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. AÇÃO QUE GERA RISCO A TERCEIRO, DEVENDO O RESPECTIVO ÔNUS SER SUPORTADO PELO ESTADO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DANO MORAL INCONTESTE, TENDO O MONTANTE SIDO FIXADO COM ADEQUAÇÃO. INCABÍVEIS OS PEDIDOS DE REDUÇÃO E MAJORAÇÃO. PENSIONAMENTO QUE SE FAZ DEVIDO AO 2º AUTOR, ATÉ QUE O MESMO ATINJA A IDADE DE 18 (DEZOITO) OU 24 (VINTE E QUATRO) ANOS, DESDE QUE COMPROVADAMENTE ESTEJA MATRICULADO EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO. PENSIONAMENTO ESTIPULADO EM ½ SALÁRIO MÍNIMO MENSAL. JUROS FIXADOS ACERTADAMENTE NA SENTENÇA. RECURSOS CONHECIDOS, NEGANDO-SE PROVIMENTO AO PRIMEIRO, DANDO-SE PARCIAL PROVIMENTO AO SEGUNDO.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DISPARO DE ARMA DE FOGO OCASIONADA POR ATUAÇÃO DOS POLICIAIS MILITARES. DANO E NEXO DE CAUSALIDADE COMPROVADO NOS AUTOS. DEVER DE INDENIZAR. RESPONSABILIDADE PELOS RISCOS CRIADOS. ATO ILÍCITO QUE ENSEJA O DEVER DE REPARAÇÃO. Autora atingida por disparo de arma de fogo, em meio à incursão policial realizada na localidade em que reside.Considerando que o dano experimentado pela autora foi causado em razão do desempenho por agentes estatais do poder de policia, depreende-se que, conquanto não se tenha a certeza de que o disparo tenha sido realizado por um policial militar, a responsabilidade do estado é manifesta, já que a atuação estatal gerou o risco de dano a terceiro.A cumulação entre indenização por danos morais e por danos estéticos é perfeitamente cabível, sendo admitida tranqüilamente pela jurisprudência dos Tribunais Superiores e neste Tribunal de Justiça Recurso parcialmente provido.

A segunda teoria relativa à responsabilidade objetiva do Estado, a do risco integral, constitui uma exceção ao que se tem hoje em matéria de responsabilidade civil objetiva. Esta teoria foi concebida no século XVIII, pelos juristas franceses, Saleilles e Josserrand, com o intuito de consignar que aquele que exerce atividade perigosa, deve-lhe assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente. Assim, risco significa dizer que existe probabilidade de dano.

Por esta teoria, a relação entre a vontade, a ação do Estado e de seus agentes é uma relação de imputação direta dos atos destes para com aquele. Neste giro, basta a ocorrência do dano resultante da atuação administrativa, independentemente de culpa, para que o Estado responda pelos prejuízos causados, conforme leciona o mestre Carvalinho:

O mais importante, no que tange à aplicação da teoria da responsabilidade objetiva da Administração, é que, presentes os devidos pressupostos, tem esta o dever de indenizar o lesado pelos danos que lhe foram causados sem que se faça necessária a investigação sobre se a conduta administrativa foi, ou não, conduzida pelo elemento culpa.

Essa teoria não recebeu ampla aceitação entre nós, sendo pouco os autores que a acolhem (Nelson Nery Junior e Carlos Roberto Gonçalves).

Na legislação pátria, foi exemplo de aplicação da teoria do risco integral, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938, de 31-8-1991), que estabeleceu a exclusiva existência do dano e a relação de causalidade entre ele e o comportamento do agente público, (mesmo que este decorra de culpa exclusiva da vítima, para obrigar o Estado a indenizar), como pressupostos suficientes. Segundo Nelson Nery Junior, nos casos de dano ecológico, o poluidor será submetido a esta teoria, subsistindo o dever de indenizar ainda quando o dano seja oriundo de caso fortuito ou força maior.87 Igualmente é a posição de Carlos Roberto Gonçalves, que aduz ser “irrelevante a demonstração do caso fortuito ou da força maior como causas de excludente da responsabilidade civil por dano ecológico. Segue-se daí que o poluidor deve assumir integralmente todos os riscos que advêm de sua atividade”.

Pela teoria do risco integral, qualquer fato que importe em lesão aos interesses, desde que dentro da esfera dos serviços prestados pelo Estado, constitui razão para se buscar a reparação. Assim, os prejuízos sofridos em roubos, furtos, ou outras espécies de delitos conduzem a responsabilizar o Estado, eis que lhe compete o serviço de proteção aos cidadãos e vigilância. No entanto, a doutrina majoritária tem afastado o dever ressarcitório do Estado, nessas e em outras hipóteses, fundada no alto custo orçamentário, que acarretaria inviabilidade da atividade estatal.

No mesmo entendimento é o Tribunal de Justiça carioca. Majoritariamente os julgados aceravam que a responsabilidade estatal esta assentada na teoria do risco administrativo, conforme adotou a Constituição Federal em seu artigo 37, §6º, não podendo ser imputado ao Estado o dever de segurança nos casos de omissão genérica.

2.3. RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA MÁ ATUAÇÃO OU OMISSÃO DOS SEUS AGENTES

Em sede de responsabilidade civil do Estado, como já se viu, tem se sustentado serem aplicáveis em nosso sistema jurídico tanto a teoria objetiva (risco administrativo) quanto a teoria subjetiva da culpa anônima, sendo esta última reservada aos atos omissivos. Ou seja, parte da doutrina entende que para os atos comissivos, aplica-se o artigo 37, §6º da Constituição de 1988, que reza “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Para os atos omissivos, teria aplicação o artigo 43 do Código Civil, segundo o qual “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”. Os atos omissivos ainda se dividem em omissivos genéricos e específicos, exigindo-se para os primeiros a prova de culpa da Administração e, em relação aos segundos, admitindo-se a responsabilidade objetiva, já que estaríamos diante de hipótese em que teria havido violação de “dever individualizado de agir”, a que Celso Antônio Bandeira de Mello acrescenta outra condição: a de que só responderá o Estado se houver demonstração de que o evento danoso poderia ser por ele impedido.

Entre os doutrinadores que sustentam a primeira corrente está Gustavo Tepedino, que entende que a partir da leitura da Constituição Federal, não há como, de um ponto de vista eminentemente técnico, sustentar-se a responsabilidade subjetiva, mesmo que a culpa seja anônima (falta do serviço). Segundo o autor, isso não levaria, porém, a uma panresponsabilização do Estado (onerosidade excessiva ao erário público), visto que mesmo a teoria objetiva comporta excludentes de responsabilidade, podendo haver situações que comportem o rompimento do nexo causal entre a ação preventiva do Estado e o evento danoso.

Com relação aos doutrinadores que defendem a responsabilidade subjetiva do Estado nos atos omissivos se posiciona o professor Sérgio Cavalieri Filho, ao registrar:

Também em nosso entender, quando o dano resulta da omissão específica do Estado, ou, em outras palavras, quando a inércia administrativa é a causa direta e imediata do não impedimento do evento, o Estado responde objetivamente, como nos casos de morte de detento em penitenciária e acidente de colégio público durante o período de aula.

Dispondo o artigo 37, § 6º, da Constituição que "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros(...)", resta evidente que o dever do Estado de indenizar surge independentemente de culpa ou dolo, seja em face de condutas comissivas, seja em face de omissões. Aliás, a própria ressalva feita pela Constituição Federal quanto ao direito de regresso contra o agente, em que deverá ser verificada a culpa ou dolo, está a confirmar que em face da Administração não se levará em conta qualquer aspecto subjetivo da conduta do agente ou mesmo da regularidade da prestação do serviço (culpa anônima da administração).

Segundo Arnaldo Rizzardo, para gerar a responsabilidade são necessários que se configure os seguintes elementos: a) que se verifique o caráter delituoso ou contrário à ordem pública ou ao dever de diligencia do agente que pratica o ato ou fato capaz de gerar lesões; b) que seja presenciado o fato lesivo, ou o delito, ou que haja a notificação do Estado de uma irregularidade, de um perigo, ou de um caso apto a gerar prejuízos ou lesões a pessoas; c) que existam meios capazes de acorrer e evitar os danos que estão acontecendo ou para acontecer.

Aduz ainda o mestre que, no caso de se ter um serviço de prevenção, estruturado, e sendo a autoridade chamada a intervir e este não funcionando configura-se a responsabilidade pelos danos que acontecerem. “Desde que estruturado e capaz o Estado de fazer frente a determinados eventos, como na repressão de crime, no combate aos incêndios, na prestação de socorro médico, no atendimento a flagelados de intempéries, na repressão a badernas e desordens, na perseguição de assaltantes, a falta de atuação acarreta o dever de indenizar”.

Em outra posição, na defesa da subjetividade na responsabilização estatal por omissão, tem-se por arauto o maior administrativista brasileiro da atualidade, Celso Antônio Bandeira de Mello, seguido de perto por Maria Sylvia Zanella di Pietro94 e José dos Santos Carvalho Filho95. Desde 1981, quando publicou artigo na Revista dos Tribunais, edição n. 552, tornou-se o maior defensor de tal vertente. Sustenta sua posição na diferenciação preliminar que faz entre causa e condição e na preexistência de um dever legal de atuação que foi omitido pelo agente estatal, à similitude da omissão qualificada ou imprópria do artigo 13, § 2º, do Código Penal brasileiro. Assim, há previsão de responsabilidade objetiva do Estado, mas, para que ocorra, cumpre que os danos ensejadores da reparação hajam sido causados por agentes públicos. Se não foram eles os causadores, se incorreram em omissão e adveio dano para terceiros, causa é outra; não decorre do comportamento dos agentes. Terá sido propiciada por eles. A omissão haverá condicionado sua ocorrência, mas não a causou. Donde não há cogitar, neste caso, responsabilidade objetiva (...). A responsabilidade por omissão é responsabilidade por comportamento ilícito. E é responsabilidade subjetiva, porquanto supõe dolo ou culpa em suas modalidades de negligência, imperícia ou imprudência, embora possa tratar-se de uma culpa não-individualizável na pessoa de tal ou qual funcionário, mas atribuída ao serviço estatal genericamente. É a culpa anônima ou faute de service dos franceses, entre nós traduzida por “falta do serviço”.

Daí não decorre que a Administração Pública deva assumir um dever geral de indenizar, sendo responsável por qualquer fato ou ato, comissivo ou omissivo no qual esteja envolvida, direta ou indiretamente, transformando-se naquilo que Gilmar Ferreira Mendes espirituosamente chama de segurador universal.

Afirmar-se que a responsabilidade do Estado, em face da Constituição é sempre objetiva, mesmo em face de atos omissivos, não implica em advogar-se a teoria do risco integral, vez que ainda assim seria necessária a comprovação, por parte do lesado, da existência de dano e de nexo causal.

Da mesma forma, Celso Antonio Bandeira de Mello, erigindo o Estado como segurador universal, entende que se a cada pequeno furto, se a cada mínimo incidente, ocorrido muitas vezes em circunstâncias de extrema rapidez e súbita violência, o Estado fosse convocado a indenizar o particular, estaria se criando uma situação insustentável:

Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.

(...) Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E sendo responsabilidade por comportamento ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo).

Para o autor, caso fosse dada solução diversa, haveria absurdos. Em princípio, cabe ao Estado “prover a todos os interesses da coletividade”. Diante de qualquer “evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em local público, o lesado poderia sempre argüir que o serviço não funcionou”. Daí porque o autor entende que nestas hipóteses o Estado se transformaria em segurador universal.

(...) Razoável que o Estado responda por danos oriundos de uma enchente se as galerias pluviais e os bueiros de escoamento das águas estavam entupidos ou sujos, propiciando o acúmulo da água. Nestas situações, sim, terá havido descumprimento do dever legal na adoção de providências obrigatórias. Faltando, entretanto, este cunho de injuridicidade, que advém do dolo, ou da culpa, tipificada na negligência, na imprudência ou na imperícia, não há cogitar de responsabilidade pública.

Assim, prevalece o entendimento, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência de que não se pode atribuir tal extensão à responsabilidade do Estado. Alegam que, com base unicamente na competência genérica de garantidor da segurança pública não é possível se argüir a responsabilidade estatal, sob pena de inviabilizar-se o próprio funcionamento do Poder Público.

No entanto, as vozes que se levantam contra tal argumento são também credenciadas, legítimas e especificamente adequadas aos princípios formadores do Estado Democrático de Direito e às garantias constitucionais, diante do caos social imposto gravemente pela criminalidade e os desmandos do Estado.

São exemplos dessa postura, entre outras, as decisões da desembargadora Helda Lima Meirelles, (já vista no capítulo I) e a do desembargador Benecdito Abicair, abaixo transcrita:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO POLICIAL. DISPAROS DE ARMAS DE FOGO. 1. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR FALECIMENTO DE ESPOSA E MÃE DOS APELADOS, VÍTIMA DE PROJETIL DE ARMA DE FOGO, OCORRIDO EM VIA PÚBLICA. 2. CONDUTA ATIVA DOS POLICIAIS NA TROCA DE TIRO COM MARGINAIS. NEXO DE CAUSALIDADE EVIDENCIADO. 3. SOLIDARIEDADE SOCIAL. 4. VERBAS FIXADAS A TÍTULO DE DANOS MORAIS QUE DEVEM SER REDUZIDAS, EM CONSONÂNCIA COM AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO. 5. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. Tem-se a hipótese de ação indenizatória proposta pelo marido e filho menor de uma cidadã que veio a falecer, segundo os autores, vitimada por “projétil de arma de fogo disparado por polícias militares lotados no 22° DPM e que realizavam operação policial nas proximidades da favela de Manguinhos”. A r. sentença julgou procedente em parte os pedidos formulados na inicial, condenando o Estado do Rio de Janeiro no pagamento de danos materiais e indenização por danos morais, estes fixados em R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) para cada autor, além de juros, correção monetária e honorários sucumbenciais. O relator vencido mantinha a sentença na sua integralidade, do qual, atuando como revisor, divergi, tão somente, para reduzir o valor envolvendo os danos morais para o patamar de R$10.000,00 (dez mil reais) para o primeiro autor (marido) e R$20.000,00 (vinte mil reais) para o segundo autor (filho), no qual fui acompanhado pelo eminente Vogal, Desembargador Nagib Slaibi Filho, após este ter vista dos autos (fls. 351/353). Fato é que vivemos, no país, em especial no Estado do Rio de Janeiro, uma grave crise na Segurança Pública, o que, de certo, decorre não apenas da omissão dos governos estaduais, mas, ao meu ver, da falta de uma vontade verdadeira da política nacional no enfrentamento das causas do crescimento da violência em todos os setores da vida pública. Inexiste um sistema de educação, saúde e segurança pública minimamente estruturados, em que pese a elevadíssima carga tributária imposta à sociedade. Na verdade, o Estado é a sociedade, e esta, além de não receber os serviços que lhe são constitucionalmente garantidos ainda se vê compelida a arcar com condenações envolvendo elevados valores, à título de inúmeras indenizações, em especial as oriundas dos danos morais. Oportuno recorrer à de Plácido e Silva, Vocabulário jurídico 28ª edição, pg.558, que define Estado: “no sentido do Direito Público, Estado, segundo conceito dado pelos juristas, é o agrupamento de indivíduos, estabelecidos ou fixados em um território determinado e submetidos à autoridade de um poder público soberano, que lhes dá autoridade orgânica”. Induvidosamente, a sociedade é composta por todos os indivíduos que recolhem ou não os tributos que lhes são impostos pelo Poder soberano, este composto pelas autoridades do Poder Executivo, que gerem os valores arrecadados. Ora, o que se tem visto, conforme expressão usada na sessão pelo eminente Desembargador Nagib Slaibi Filho e lido em voto do não menos eminente Ministro Joaquim Barbosa, é uma solidariedade social, diga-se de passagem, frequente, sem que as autoridades responsáveis pela gestão do dinheiro público sofram qualquer mínima punição por não fornecerem, adequadamente, os serviços que devem prestar. É certo que a Segurança Pública ao ser exercida, naturalmente, gera um risco administrativo que pode ser maior ou menor dependendo da formação e reciclagem dos agentes dela incumbidos. O que se tem visto, no caso específico, são policiais forjados de forma inadequada nas academias que os instruem, sem estarem equipados com a tecnologia de última geração, disponibilizada no mercado, para melhor exercerem suas atividades e sendo, constantemente, alvos de críticas por suas atuações, sem que se leve em consideração as precárias condições de trabalho e, o que é mais grave, os irrisórios ganhos salariais que somente podem acarretar na instabilidade emocional, numa atividade em que a técnica, preparo e serenidade são imprescindíveis para reduzir-se os riscos de qualquer operação policial. Aliado a todas as mazelas acima, tem-se parte da mídia exaltando as atividades criminosas, quando divulgam, com sensacionalismo, a morte de marginais e desabonam a atuação de policiais, antes de qualquer diligência para apuração dos fatos. Não há dúvidas de que a vida humana não pode ser avaliada através de valores materiais, sendo, também, impossível, por mais sensíveis que sejamos julgar o grau de sofrimento de cada um que perde um ente familiar. O termo supra citado, solidariedade social, é muito apropriado para as circunstâncias do caso, pois nem o relator vencido, nem o voto vencedor podem ousar pensar que estão fazendo justiça, pois qualquer quantia será insuficiente para suprir a falta dos que se vão. Entretanto, no meu sentir, é injusto que o Estado seja equiparado a uma empresa que tem fim lucrativos, e a sociedade assemelhada aos sócios que se beneficiam com os lucros daquelas empresas. Portanto, não pode a sociedade permanecer arcando com os custos decorrentes da omissão dos governantes, que não agem com as cautelas necessárias antes de liberarem os agentes das autoridades policiais para suas atribuições, bem como não os provêem com os mecanismos imprescindíveis para atuarem com presteza, sem que sofram a mais mínima sanção por gerirem mal os tributos arrecadados. Diante do exposto, lamentando mais uma dentre tantas tragédias semelhantes, dou parcial provimento ao recurso, reduzindo a prestação da solidariedade social, consistente das verbas fixadas à título de danos morais, para o patamar de R$10.000,00 (dez mil reais) para o primeiro autor (marido) e R$20.000,00 (vinte mil reais) para o segundo autor (filho). Finalmente, independente das medidas administrativas e penais interpostas contra os agentes envolvidos no evento, os quais não devem ser os únicos a responder pela tragédia, determino extração de peças para o Ministério Público, a fim de promover outros atos que entender pertinentes.

Estas orientações, contudo, ainda representam uma corrente minoritária em nosso Estado.

2.4. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil pode ser afastada em hipóteses denominadas de excludentes de responsabilidade. São elas: força maior, caso fortuito, fato de terceiro e culpa exclusiva da vítima. Como explica Alexandre de Moraes “nessas hipóteses, estará afastado um dos requisitos indispensáveis para a aplicação do artigo 37, §6º da Constituição Federal: nexo causal entre a ação ou omissão do Poder Público e o dano causado”.

Com o sentido de limitar o estudo ao tema aqui proposto, os casos de excludentes de responsabilidades relativos ao estado de necessidade, à legítima defesa, o exercício regular do direito e ao estrito cumprimento do dever legal serão examinados somente sob a ótica das atividades ligadas à segurança pública estadual (das polícias civis e militares).

O caso fortuito é um fato imprevisível ligado a conduta humana. Já a força maior é também um fato imprevisível, porém ligado a conduta natural. O artigo 393, do Código Civil praticamente os considera como sinônimos, na medida em que caracteriza o caso fortuito ou força maior, como sendo o fato necessário, cujos efeitos não seria possível evitar ou impedir. A doutrina costuma apresentar as mais variadas compreensões dos dois fenômenos. Para alguns autores, caso fortuito estaria ligado aos critérios de imprevisibilidade e irresistibilidade. De acordo com VENOSA (2008), o caso fortuito “seria aquela situação normalmente imprevisível, fato da natureza ou fato humano. A força maior seria caracterizada também por algo natural ou humano, a que não se poderia resistir, ainda que possível prever a sua ocorrência”.

No mesmo entendimento leciona CAVALIERI (2008):

estaremos em face do caso fortuito quando se tratar de evento imprevisível, e, por isso, inevitável; se o evento for inevitável, ainda que imprevisível, por se tratar de fato superior as forças do agente, como normalmente são os fatos da natureza, como as tempestades, enchentes, estaremos em face da força maior.

Nesse sentido:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. UTILIZAÇÃO, PELA FORÇA POLICIAL DE UNIDADE DESOCUPADA EM IMÓVEL RESIDENCIAL, PARA DALI REPRIMIR ATUAÇÃO CRIMINOSA LIGADA AO TRÁFICO DE ENTORPECENTES, ENVOLVENDO-SE EM TIROTEIO COM OS INTEGRANTES DAQUELE GRUPO. IMPRUDÊNCIA DA FORÇA PÚBLICA AO SE RETIRAR DO LOCAL SEM FORNECER PROTEÇÃO QUALQUER AOS MORADORES DO LOCAL, PROPICIANDO, APÓS A SUA RETIRADA, REPRESÁLIA DOS CRIMINOSOS, QUE INVADIRAM ALUDIDO IMÓVEL, APROPRIANDO-SE DE BENS NELES ENCONTRADOS E DEPREDANDO AS UNIDADES DO MESMO. AS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO RESPONDEM OBJETIVAMENTE PELOS DANOS QUE SEUS AGENTES, NESSA QUALIDADE, CAUSEM A TERCEIROS (ART. 37, § 6º, DA CF/88), SALVO NAS HIPÓTESES DE CASO FORTUITO, FORÇA MAIOR OU CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. EXCLUDENTES NÃO EVIDENCIADAS. MANIFESTA FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE SEGURANÇA PÚBLICA QUE VEIO POSSIBILITAR A OCORRÊNCIA DE DANOS. DEVER DE INDENIZAR OS DANOS MATERIAIS E MORAIS SUPORTADOS PELOS AUTORES, INCLUSIVE COM O PAGAMENTO DE PENSÃO MENSAL CORRESPONDENTE AO VALOR DO ALUGUEL DE IMÓVEL DE CARACTERÍSTICAS SEMELHANTES AO QUE SE TORNOU INABITÁVEL. REFORMA DO JULGADO APENAS PARA DETERMINAR A DATA DO PAGAMENTO DO PRECATÓRIO JUDICIAL COMO TERMO FINAL PARA O PAGAMENTO DA REFERIDA PENSÃO. Parcial provimento do recurso.

Outra causa de exclusão da responsabilidade do Estado é a da culpa exclusiva da vítima. Diz-se da culpa exclusiva da vítima, quando ela própria dá causa exclusivamente para o evento danoso. Exemplo de orientação dos nossos tribunais ocorreu na decisão que apreciou a invasão da Penitenciária do Carandiru pela Polícia Militar, na década de 1990, fato que ficou mundialmente conhecido como “O Massacre do Carandiru”, devido a morte de mais de uma centena de detentos. Entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo, que restou não configurada a responsabilidade civil do Estado de São Paulo, devido a ocorrência de culpa exclusiva das vítimas:

Responsabilidade Civil do Estado. Morte de detentos em rebelião, que eles iniciaram. Invasão da Penitenciária para impedir sua completa destruição, para garantir a segurança dos demais detentos não amotinados para apagar o incêndio que se apontava como devastador. Atuação legítima da Polícia Militar. Invasão plenamente justificável e reação à atitude agressiva dos presos. Responsabilidade Civil do Estado inexistente. Ação improcedente e recursos providos.

São também exemplos da jurisprudência carioca que ressaltam a culpa exclusiva da vítima:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DILIGENCIA POLICIAL COM TROCA DE TIROS. MORTE DA VITIMA. INDENIZACAO. Ação de indenização proposta por mãe de vitima morta por policial militar. Ante a prova dos autos, de que a morte ocorreu em tiroteio, ocasionado pelo exercício da legitima defesa pelo policial, a culpa exclusiva do falecido, afasta a responsabilidade objetiva. Provimento do segundo e terceiro recursos e desprovimento do primeiro.

RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. POLICIAL MILITAR. DISPARO DE ARMA DE FOGO. MORTE DA VITIMA. CULPA EXCLUSIVA DA VITIMA. DANO MORAL. DANO MATERIAL. INDENIZACAO. EXCLUSAO. Responsabilidade objetiva do Estado. Indenização. Legitima defesa. Legitimidade passiva do Servidor Público. Ocorrência. Perseguição policial. Vitima fatal. Culpa exclusiva da vitima. Embora ocorrendo responsabilidade objetiva do Estado, inexiste vedação legal para permitir ação de regresso em face do servidor causador do dano, quando comprovada a culpa deste no resultado danoso. Preliminar rejeitada. Comprovado o fato, o dano e o nexo causal, emerge a obrigação de indenizar do Estado apenas se incorrer excludente de antijuridicidade na conduta do agressor, servidor público. A conduta da vitima, dando causa à legitima reação do agente do Estado, exclui a obrigação de indenizar. Primeiro apelo não provido. Segundo e terceiro apelos providos.

Quanto ao fato de terceiro, o assunto vem regulado nos arts. 929 e 930 do Código Civil. Terceiro seria aquele estranho a relação jurídica, como por exemplo, o motorista que sobe na calçada e atropela o pedestre e alega em sua defesa que foi obrigado a fazê-lo por uma manobra brusca de outro veículo, cujo condutor se evadiu. Aqui importa verificar se o terceiro foi o causador exclusivo do prejuízo ou se o agente indigitado também concorreu para o dano.

Já em matéria de responsabilidade civil do Estado, diante da hipótese dos atos praticados por terceiros, citam-se o julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. BALA PERDIDA. TIROTEIO ENTRE POLICIAIS E BANDIDOS. MORTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE. NÃO RESPONDE O ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS POR FATO DE TERCEIRO, HIPÓTESE EM QUE A VÍTIMA FOI ATINGIDA DENTRO DE SUA RESIDÊNCIA POR PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO, DE AUTORIA IGNORADA. LAUDO PERICIAL INCONCLUSIVO. INEXISTINDO NOS AUTOS A COMPROVAÇÃO DE QUE O PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO QUE CAUSOU O FALECIMENTO DO PAI E COMPANHEIRO DOS AUTORES TENHA PARTIDO DE ARMAS UTILIZADAS PELOS POLICIAIS MILITARES, NÃO HÁ COMO SE IMPUTAR AO APELANTE A RESPONSABILIDADE PELO DANO CAUSADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA QUE NÃO PODE PROSPERAR. PROVIMENTO DO RECURSO, COM INVERSÃO DOS ONUS SUCUMBENCIAIS”.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ASSALTO NO INTERIOR DE ONIBUS. DISPARO DE ARMA DE FOGO. DANO MORAL. DANO MATERIAL. ATO ILICITO PRATICADO POR TERCEIRO. INDENIZACAO. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO. INEXISTENCIA. IMPROCEDENCIA DO PEDIDO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. VÍTIMA ATINGIDA POR ARMA DE FOGO. CONFRONTO ENTRE POLICIAL E ASSALTANTES. EVENTO OCORRIDO NO INTERIOR DE VEÍCULO COLETIVO. DISPARO NÃO PRODUZIDO PELO AGENTE PÚBLICO. ATO DE TERCEIRO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DESCABIMENTO. INEXISTÊNCIA DO DEVER REPARATÓRIO. PRELIMINAR QUE SE AFASTA. RECURSO PROVIDO. A responsabilidade objetiva do Estado, prevista na regra do artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal, somente se configura em relação aos danos causados diretamente pelos agentes do poder público. Não, porém, quanto aos danos decorrentes de atos ilícitos de terceiros, salvo se, nesta hipótese, demonstrado ficar, de modo inequívoco, a falha do serviço, isto é, a culpa anônima da Administração. Desse modo, tratando-se de pretensão indenizatória por danos materiais e morais, em razão de vítima atingida por projétil de arma de fogo, durante confronto entre policial e assaltantes no interior de veículo coletivo, e não restando demonstrado que o disparo que feriu a vítima foi produzido pelo agente policial, ausente está o nexo de causalidade a impor o afastamento da obrigação reparatória pelo Estado. Por outro lado, em tal hipótese, a legitimidade para integrar o pólo passivo dessa demanda é do Ente Público, descabendo falar em responsabilidade da empresa transportadora quanto ao dever de indenizar, sob alegada prestação deficiente do serviço público, sobretudo porque, concernente à mesma, tem-se a configuração do fato de terceiro não abrangido pelo contrato de transporte.

Em linha de princípio, entregando o Estado ao policial uma arma de fogo, responde a entidade pública pelos disparos por ele direcionados ou acidentais causadores de danos ao particular. Se partirmos da premissa que a função do agente policial é proteger a lei, razoável que somente utilize dos meios legais no desempenho dessa função. De outro modo, estaria este agente público, impedindo a humanidade de ter acesso a lei.

De acordo com o §2º do artigo 13 do Código Penal, assumem a posição de garantidor as pessoas que: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou risco da ocorrência do resultado. O que a lei deseja, nessas situações por elas elencadas, é que o agente atue visando, pelo menos, tentando impedir o resultado.

E mais, conforme é sabido, durante a atividade policial pode haver a necessidade do uso da força ou de armas de fogo, a exemplo do que ocorre com a situação em que o agente resiste à ordem de prisão e tenta fugir do local em que se encontrava, ou mesmo quando a vida do policial corre risco. Para se saber quando a atividade é legitima, deve se inserir nas hipóteses legais do artigo 23 do Código Penal, bem como o artigo 42 do Código Penal Militar. Existem quatro causas que afastam a ilicitude da conduta do agente público, transformando, assim, o fato por ele cometido em conduta lícita.

São consideradas lícitas, porque revestidos do mando da legalidade. Contudo, em matéria de responsabilidade civil, nem sempre conseguem afastar a obrigação de indenizar. Assim, embora inexistente a responsabilidade penal, permanece a civil. São elas: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de um direito.

2.4.1. Estado de necessidade

Para que se caracterize o estado de necessidade é preciso a presença de todos os elementos objetivos, previstos nos tipos dos artigos 24 do Código Penal e 43 do Código Penal Militar, bem como o elemento de natureza subjetiva, que se configura no fato de saber ou pelo menos acreditar que atua nessa condição. São eles: perigo atual; ameaça a direito próprio ou de terceiro, cujo sacrifício era irrazoável exigir-se; situação não provocada pela vontade do agente; conduta inevitável de outro modo; conhecimento do fato; inexistência do dever legal de enfrentar o perigo.

O Código Penal adotou a teoria unitária, estabelecendo que todo o estado de necessidade é sempre justificante. Já o Código Penal Militar, adotou a teoria diferenciada (artigos 39 e 43), prevendo dois tipos de estado de necessidade. O primeiro é reconhecido como um estado de necessidade exculpante, que tem por finalidade eliminar a culpabilidade. Remete-se a teoria da inexigibilidade da conduta diversa, ou seja, nas condições, não era razoável exigir-se do agente outro comportamento. Já o segundo, estado de necessidade justificante, não tendo o Estado como garantir, simultaneamente, dois bens juridicamente tutelados, pode o agente dispensar um deles, para garantir o outro, afastando a ilicitude do comportamento praticado pelo agente.

Segundo DELMANTO (2002), boa parcela da doutrina estrangeira (Luis Jimenez de Asura e Juan Bristos Ramírez) entende que só pode admitir a exclusão da ilicitude quando o bem sacrificado seja de menor valor do que o bem que o agente buscou preservar. Outros (Winfried Hansemer), só admitem a justificativa para bens de igual valor, quando o bem sacrificado pelo agente, esteja em situação de menor perigo do que a do bem preservado.

Como exemplo, Rogério Greco leciona que na hipótese de policiais que durante uma troca de tiros, são obrigados forçosamente, a entrar em alguma residência para se protegerem, não poderiam ser responsabilizados criminalmente, pois estariam agindo amparados pela causa de justificação do estado de necessidade.

Igualmente ocorre quando policiais encurralados à noite por traficantes locais, atiram em lâmpadas existentes em postes públicos para evitar de se transformar em alvos fáceis. Nessa hipótese também estariam agindo numa situação evidente de estado de necessidade, pois de um lado teríamos o patrimônio público como um bem a ser preservado e; de outro, a vida dos policiais que correria risco caso não tomassem essa atitude.

Em matéria de responsabilidade civil, ao contrário, o dever indenizatório ocorre mesmo diante de uma causa que torne o ato lícito, como prescreve o artigo 188, inciso II, do Código Civil. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já decidiu que mesmo que os agentes atuarem em estado de necessidade, porém causando danos pela atividade policial, restará o dever do Estado em indenizar a vítima:

Civil. Responsabilidade civil. Responsabilidade do civil Estado. Disparos de arma de fogo entre policiais e traficantes. Ação de policiais que se utilizaram da residência da vitima para se abrigarem dos tiros desferidos pelos traficantes. Dano sofrido pela atividade policial exercida pelo Estado. Presença do nexo causalidade. Responsabilidade objetiva. Aplicação das normas do artigo 37 § 6º da Constituição Federal e do parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002, das quais resulta a responsabilidade objetiva do ente público independentemente da prova da culpa de seus agentes, responsabilidade essa que somente pode ser elidida mediante a prova da culpa exclusiva da vítima ou da ocorrência de caso fortuito ou força maior. Dever de indenizar. Configuração da indenização por dano moral. Desprovimento do recurso voluntário e parcial reforma da sentença em reexame necessário.

2.4.2. Legitima defesa

Tanto o Código Penal, quanto o Código Penal Militar preocuparam-se em fornecer o conceito de legitima defesa, trazendo, respectivamente, nos tipos permissivos dos artigos 25 e 44, todos os seus elementos caracterizadores. Para que se possa reconhecer a legitima defesa, devem estar presentes a agressão injusta, a utilização dos meios necessários, a atualidade ou iminência da agressão e a defesa própria ou de terceiros.115 A ausência de um deles descaracteriza essa causa de exclusão da ilicitude, abrindo-se a possibilidade de punição do agente. Dessa feita, podemos apontar duas espécies de legitima defesa: autêntica (real) e putativa (imaginária).

A primeira pode ser vista quando a situação de agressão injusta está efetivamente ocorrendo no mundo concreto. Quando existe realmente uma agressão injusta que pode ser repelida pela vítima, atendendo-se aos limites legais. Assim, imagine-se a hipótese em que os policiais estejam incursionando por uma comunidade carente a procura de armas e drogas. Durante a atividade, são recebidos a tiros por um grupo de traficantes fortemente armados. Ato continuo, os policiais reagem ao ataque e atiram em direção aos traficantes, causando a morte de dois membros integrantes do grupo criminoso.

Neste caso os policiais agem sobre o manto da legitima defesa real, uma vez que a agressão praticada pelos traficantes é injusta, o que permite aos policiais agir em sua própria defesa.

Segundo o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, não considera caso de legítima defesa quando o policial pratica o fato fora do exercício de suas funções:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. POLICIAL MILITAR. DISPARO DE ARMA DE FOGO. CULPA ANONIMA DO SERVICO PÚBLICO. NAO CARACTERIZACAO. Administrativo e Constitucional. Apelação cível. Ação indenizatória em face do Estado, alegando a responsabilidade civil deste. Assalto em coletivo. Reação de policial militar de folga, com troca de tiros, vindo a apelante a ser atingida. Pedido de reparação de danos material, moral e estético, em razão da lesão. Sentença de improcedência do pedido. Não se enquadra a hipótese no par. 6. do art. 37 da CF, por não estar configurada a falta anônima do serviço público. Aplicação da teoria do risco administrativo. Descaracterização da condição do policial de folga como agente público. O policial que não se acha em serviço, ao reagir a assalto com arma particular, age como cidadão comum, em legitima defesa, não em cumprimento de dever legal (interpretação da Lei 433/81). Logo, afastada esta' sua condição de servidor. Afastado também o nexo causal, não comprovado. Recurso conhecido e desprovido.

CIVIL. Ação indenizatória por danos materiais e morais, onde o autor afirma que seus dois filhos foram alvejados por projéteis de arma de fogo em decorrência de troca de tiros entre o segundo réu, policial militar do Estado do Rio de Janeiro, e meliantes que tentavam furtar um automóvel. A única questão que realmente enseja indagação é a que diz respeito a precisa configuração de ter agido o 2º réu no exercício de suas funções quando da ocorrência do dano. Observando-se a dinâmica do evento é difícil não enxergar que a atuação do 2º réu está intrinsecamente ligada às funções que desempenha junto ao Estado, no combate ao crime. Estava ele armado, por força da função, atuando em sintonia com seu mister. A troca de tiros somente desencadeou-se diante de especial vinculação existente entre a tarefa desempenhada pelo 2º réu e a natureza do fato delituoso em que se envolveu como vítima. Responsável, pois, o Estado pelo dano causado por seu agente, mesmo ante a excludente de criminalidade. Quanto à responsabilidade civil do 2º réu, igualmente afastou-a com acerto o Douto Juiz sentenciante. Não se pode imputar responsabilidade a quem agiu legitimamente, não só em sua defesa própria, como também, para combater uma ação criminosa. Dano material. Inocorrência por se tratar de vítima menor. Dano moral concedido com verba indenizatória razoável. DESPROVIMENTO DE AMBOS OS APELOS.

Vê-se no primeiro julgado que a legítima defesa foi estabelecida porque o policial encontrava-se de folga do serviço e, portanto, agindo em caráter pessoal. O mesmo entendimento não se percebe na segunda decisão, que estendeu o alcance do desempenho da função, até quando o policial é vítima do fato delituoso.

Desta forma, não há unanimidade nas decisões pretorianas, quanto a configuração da legítima defesa, associada à condição de quando o policial de folga do serviço, embora represente a maioria dos julgados.

2.4.3. Estrito cumprimento do dever legal

Diz a primeira parte do inciso III do artigo 23 do Código Penal, bem como o inciso III do Código Penal Militar que não há crime quando o agente pratica o fato em estrito cumprimento do dever legal.

Primeiramente, é preciso que haja um dever legal imposto ao agente, que conforme preleciona Cleber Masson:

o dever legal engloba qualquer obrigação direta ou indiretamente resultante de lei, em sentido genérico, isto é, preceito obrigatório e derivado da autoridade pública competente para emiti-lo. (...) também pode originar-se de atos administrativos, desde que de caráter geral, pois se tiverem caráter específico, o agente não estará agindo sob o manto da excludente do estrito cumprimento do dever legal, mas sim protegido pela obediência hierárquica, causa de exclusão da culpabilidade, se presentes os requisitos exigidos pelo artigo 22 do Código Penal.

São os seguintes julgados cariocas que cuidam desse tema:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL. OPERAÇÃO POLICIAL. VÍTIMA ENCONTRADA POR POLICIAIS MILITARES, APÓS O CONFRONTO COM TRAFICANTES EM BOCA DE FUMO, BALEADA, COM DROGAS E ARMA. ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL. NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA. RECURSO CONHECIDO. PROVIMENTO NEGADO.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. AUSENCIA DE CULPA. ATO DE AGENTE POLICIAL. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL RESPONSABILIDADE CIVIL. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. ARTIGO 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OMISSÃO ESTATAL GENÉRICA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. CULPA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS DE EX-TERIORIZAÇÃO. ESTRITO CUMPRIMENTO DE UM DEVER LEGAL. POLICIAIS. PERSEGUIÇÃO DE MARGINAIS FORTEMENTE ARMADOS. TENTATIVA DE FUGA DESTES. ASSALTO DE VEÍCULO EM VIA PÚBLICA, PARA FACILITAR A FUGA. DISPARO DE PROJÉTIL NA FACE DA MOTORISTA. AUSÊNCIA DE CULPA. DEVER DE CUIDADO OBSERVADO. FORTUITO EXTERNO. AUSÊNCIA DE DEVER INDENIZATÓRIO. RECURSO PROVIDO.

Como estudado no capítulo referente à atividade policial, é dever do Estado a segurança pública, cabendo aos seus agentes o desempenho de suas atividades com o intuito de alcançá-la. Assim, os julgados citados demonstram a inexistência da responsabilidade do Estado, em razão do cumprimento de um dever legal.

2.4.4. Exercício regular e o abuso de direito

O Código Penal, na segunda parte do seu artigo 23, inciso III, considera o exercício regular de direito como sendo causa de exclusão da antijuridicidade. Assim sendo, a expressão “direito” é utilizada em sentido amplo. Quem está autorizado a praticar um ato, reputado pela ordem jurídica como exercício de um direito, age licitamente, ou seja, desde que a lei (penal ou extrapenal) permita a prática de uma conduta, essa mesma não poderá ser punida pela legislação. Imaginemos o investigador de polícia, munido de mandado de busca e apreensão e que exerce sua função pública no exercício regular de seu direito (em absoluta legalidade) pode provocar lesões corporais em terceiro que injustamente resista à apreensão de um bem. É evidente que não responderá pelo crime previsto no artigo 129 do Código Penal por exclusão da ilicitude da sua conduta.

Nesse sentido:

Ação de indenização por danos materiais e morais. Falecimento do filho do autor, atingido por projétil de arma de fogo durante tiroteio entre policiais militares e traficantes de drogas. Sentença de procedência parcial. Responsabilidade objetiva do Estado, fundada na teoria do risco administrativo. Art. 37, § 6º, CF. O verdadeiro fundamento da responsabilidade civil está no dano injusto, que atinge bens da pessoa inocente, aquela que não deu causa ao evento danoso. Vítima fatal que integrava a quadrilha de traficantes e trocou tiros com policiais, recebidos à bala no local da diligência encetada. Legítima defesa e exercício regular do direito dever de defender a sociedade. Inteligência do art. 188, NCC. Obrigar o Estado a indenizar familiares do malfeitor é ir de encontro ao princípio da razoabilidade e tolher a atuação da polícia. Provimento do recurso do Estado (primeiro). Desprovimento do autoral (segundo) .

Como já mencionado, não se pode olvidar no que tange à responsabilidade civil, mesmo quando o comportamento é licito, há possibilidade de indenizá-lo.

E ainda, mesmo agindo inicialmente em legítima defesa, ou no estrito cumprimento do dever legal, poderá ocorrer o chamado excesso. Todo o excesso se configura em uma agressão injusta podendo o policial ser por ele responsabilizado criminalmente.

Isso porque o excesso do policial transformou sua repulsa em injusta, permitindo ao agressor inicial agir em legitima defesa, o que não afasta, por outro lado, o comportamento criminoso inicial que desencadeou toda a reação em legítima defesa.

Como ensina Julio Fabbrini Mirabete:

O excesso pode ser doloso, hipótese em que o sujeito, após iniciar sua conduta conforme o direito, extrapola seus limites na conduta, querendo um resultado antijurídico desnecessário ou não autorizado legalmente. Excluída a descriminante quanto a esse resultado, responderá o agente por crime doloso pelo evento causado no excesso. Assim, aquele que, podendo apenas ferir, mata a vítima, responderá por homicídio; o que podia evitar a agressão através de vias de fato e causou lesão responderá por esta etc.

Assim como no direito penal, a doutrina civilista entende que o agente deve responder pelo excesso na legítima defesa, isto é, quando sua conduta ultrapassa os limites da ponderação. Segundo Silvio de Salvo Venosa "deverá responsabilizar-se, proporcionalmente, pelo excesso cometido, pois subsiste a ilicitude em parte da conduta".

Não discrepa dessa idéia Carlos Roberto Gonçalves:

Preleciona Pontes de Miranda que, se o ato praticado em legítima defesa for excessivo, no que ele é excesso torna-se contrário ao direito. Entretanto, mesmo assim pode o agente alegar e provar que o excesso resultou do terror, do medo, ou de algum distúrbio ocasional, para se livrar da aplicação da lei penal. Na esfera civil, a extrapolação da legítima defesa, por negligência ou imprudência, configura a situação do artigo 186 do Código Civil.

Portanto, mesmo presentes a legítima defesa ou o estrito cumprimento de dever legal, havendo excesso doloso ou culposo por parte do policial num ato ilícito, haverá responsabilização do Estado pelo ato danoso, mas tão-somente no que corresponde ao excesso cometido.

Será possível a ação regressiva pelo Estado contra os policiais se houver o chamado excesso, pois todo excesso se configura agressão injusta, sendo considerado ilícito tal comportamento.

CAPÍTULO III

EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL

Conforme analisado no capítulo anterior, as decisões dos tribunais brasileiros seguem, de maneira nem sempre linear, as orientações doutrinárias. Contudo, no que tange a opção pela teoria do risco administrativo, a jurisprudência é bastante clara. Por esta teoria a responsabilidade civil não é genérica, nem indeterminada. Em relação ao Rio de Janeiro, inicialmente, quando a responsabilidade do Estado em face do fenômeno “bala perdida”, inicialmente, nosso tribunal adotava com freqüência a tese de exclusão de responsabilidade, por não considerar correto atribuir ao Estado a finalidade de segurador universal, pelas razões que Celso Antonio Bandeira de Mello destacou e já foi objeto de análise no capítulo anterior, como relata o seguinte julgado.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. LESÃO EM VÍTIMA CAUSADA POR BALA PERDIDA. DEVER DE SEGURANÇA DO PODER PÚBLICO. OMISSÃO GENÉRICA. 1)Não se pode, com arrimo no artigo 37, §6º da CRFB, conferir ao Estado a qualidade de segurador universal, uma vez que o referido dispositivo constitucional não consagrou a teoria do risco integral. 2) Somente restaria caracterizado o nexo de causalidade entre o dano e a inação estatal na hipótese de omissão específica do Poder Público, a qual pressupõe ter sido este chamado a intervir, ou se o disparo tivesse ocorrido por ocasião de confronto entre agentes estatais e bandidos, o que não restou comprovado na hipótese. 3) Ainda que se perfilhasse o entendimento de que no caso de omissão a responsabilidade do Estado é subjetiva, não se tem por caracterizada a culpa, se não comprovada a ausência do serviço ou sua prestação ineficiente, vez que não se pode esperar que o Estado seja onipresente. 4) Provimento do primeiro recurso. Prejudicada a segunda apelação.

Vê-se pelos julgados abaixo que a indenização do Estado está associada à prova da autoria do disparo do projétil de arma de fogo. Sendo de policiais, a obrigação se impõe. Do contrário, ela é afastada.

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. BALA PERDIDA. OMISSÃO ESPECÍFICA DO ESTADO. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. Em havendo omissão específica por parte de agentes do Estado, a responsabilidade civil exsurge objetivamente. Todavia, se para sua configuração é irrelevante o exame da culpa, nem por isso fica o demandante dispensado da prova da conduta do agente, do evento danoso e do nexo causal entre eles existente. Portanto, inexistindo nos autos comprovação de que o projétil de arma de fogo causador do ferimento sofrido pela Apelante tenha partido de uma das armas utilizadas pelos Policiais Militares que participaram do confronto narrado na exordial, não há como se imputar ao Estado a responsabilidade pelo dano a ela causado. Não restando estabelecido o nexo, impossível a cogitação acerca de eventual responsabilidade. Recurso desprovido, nos termos do voto do Desembargador Relator.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. BALA PERDIDA. OMISSAO GENERICA DO PODER PÚBLICO INEXISTENCIA DE DOLO OU CULPA. Apelação Cível. Responsabilidade civil do Estado. Bala perdida. Apelante que foi atingido na porta de seu bar, sem saber de onde veio o tiro. Sentença que julgou o pedido improcedente, adotando entendimento de ser a responsabilidade subjetiva, no caso de omissão do Estado. O par. 6. do art. 37 da CF/88 estabelece a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público, sem distinção entre a conduta comissiva ou omissiva de seus agentes, mas não adota a teoria do risco integral, não sendo o Estado garantidor universal. No caso, não há provas de que houvesse troca de tiros entre policiais e marginais, ou de onde teria sido efetuado o disparo, afastando a conduta de algum agente estatal. Analisada a omissão quanto à segurança pública, não pode o Estado estar onipresente, pelo que não havendo prova de que foi chamado a agir e se omitiu, não é de se reconhecer a responsabilidade pela omissão genérica, por ausência de culpa e de nexo causal. Em qualquer dos entendimentos doutrinários ou jurisprudenciais, a pretensão do apelante não merece prosperar, embora se lamente e seja motivo de revolta a ocorrência de fatos como o que lesionou. Sentença de improcedência que merece ser mantida. Recurso não provido.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. AUTOR ATINGIDO POR "BALA PERDIDA". INEXISTÊNCIA NOS AUTOS DE PROVA CABAL NO SENTIDO DE IMPOR RESPONSABILIDADE AO RÉU. A responsabilidade do Estado, ainda que objetiva, em razão do disposto no artigo 37, §6°, da Carta Magna, exige a comprovação do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano, não podendo ele ser responsabilizado por "bala perdida" que atingiu ao autor quando não trazido aos autos elementos probatórios que a tanto conduzam. Inexistindo nos autos qualquer prova técnica, ou testemunhal, que comprove que o projétil de arma de fogo que causou o ferimento sofrido pelo autor tenha partido de armas utilizadas por policiais, não há como se imputar ao réu a responsabilidade pelo dano causado. Aquele que pretender indenização do Poder Público em razão da ação de seus agentes deve trazer provas aos autos capazes de evidenciar o nexo de causalidade entre a ação e o dano causado. Não o fazendo, impõe-se a rejeição da pretensão. Sentença de improcedência que não merece reforma. Artigo 557, caput do CPC. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. AUTOR ATINGIDO POR BALA PERDIDA. TROCA DE TIROS ENTRE POLICIAIS MILITARES E BANDIDOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE. A responsabilidade do Estado, ainda que objetiva, em razão do disposto no artigo 37, §6°, da Carta Magna, exige a comprovação do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano, não podendo ele ser responsabilizado por bala perdida que atingiu o autor quando não trazido aos autos elementos probatórios que a tanto conduzam.Laudo pericial inconclusivo. Inexistindo nos autos comprovação de que o projétil de arma de fogo que causou o ferimento sofrido pelo autor tenha partido das armas utilizadas pelos policiais militares, não há como se imputar ao réu a responsabilidade pelo dano causado. Aquele que pretender indenização do Poder Público em razão da ação de seus agentes deve trazer provas aos autos capazes de evidenciar o nexo de causalidade entre a ação e o dano causado. Não o fazendo, impõe-se a rejeição da pretensão. Sentença que condenou o réu ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 19.000,00, além de pensão mensal pelo período de incapacidade laborativa no valor e período a serem apurados em liquidação de sentença que merece reforma.Agravo retido não conhecido, na forma do art. 523, caput e §1°, do CPC.Artigo 557, §1° - A, do CPC. PROVIMENTO DO SEGUNDO APELO, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, PARA REFORMA A SENTENÇA E JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL, COM INVERSÃO DOS ONUS SUCUMBENCIAIS, OBSERVADO O ART. 12, DA LEI Nº 1.060/50, FACE A GRATUIDADE DE JUSTIÇA, RESTANDO, EM CONSEQUÊNCIA, PREJUDICADO O PRIMEIRO RECURSO, DO AUTOR.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. AUTORA ATINGIDA POR "BALA PERDIDA". TROCA DE TIROS ENTRE POLICIAIS E BANDIDOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE. INEXISTÊNCIA DE PROVA TÉCNICA OU TESTEMUNHAL A CORROBORAR AS ALEGAÇÕES INICIAIS. A responsabilidade do Estado, ainda que objetiva, em razão do disposto no artigo 37, §6°, da Carta Magna, exige a comprovação do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano, não podendo ele ser responsabilizado por "bala perdida" que atingiu a autora quando não trazido aos autos elementos probatórios que a tanto conduzam. Inexistindo nos autos qualquer prova técnica que comprove que o projétil de arma de fogo que causou o ferimento sofrido pela autora tenha partido das armas utilizadas pelos policiais, não há como se imputar ao réu a responsabilidade pelo dano causado.Aquele que pretender indenização do Poder Público em razão da ação de seus agentes deve trazer provas aos autos capazes de evidenciar o nexo de causalidade entre a ação e o dano causado. Não o fazendo, impõe-se a rejeição da pretensão. Sentença que condenou o réu ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) que merece ser reformada. Artigo 557, §1° - A, do CPC. PROVIMENTO DO RECURSO PARA REFORMAR A SENTENÇA E JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL, COM INVERSÃO DOS ONUS SUCUMBENCIAIS, OBSERVADO O ART. 12, DA LEI Nº 1.060/50, EM FACE DE PARTE AUTORA SER BENEFICIÁRIA DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA.

AGRAVO INTERNO. PROVIMENTO DO APELO DO ORA AGRAVADO PARA REFORMAR A SENTENÇA, JULGANDO IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. "BALA PERDIDA". TROCA DE TIROS ENTRE POLICIAIS E BANDIDOS. NEXO DE CAUSALIDADE NÃO COMPROVADO. INEXISTÊNCIA DE PROVA TÉCNICA OU TESTEMUNHAL A CORROBORAR AS ALEGAÇÕES INICIAIS DE QUE TERIA SIDO A AUTORA, ORA AGRAVANTE ATINGINDA POR UMA BALA QUE TERIA PARTIDO DA ARMA DE POLICIAL. A responsabilidade do Estado, ainda que objetiva, em razão do disposto no artigo 37, §6°, da Carta Magna, exige a comprovação do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano, não podendo ele ser responsabilizado por "bala perdida" que atingiu a autora, ora agravante, quando não há nos autos elementos probatórios que a tanto conduzam. E, desta forma, não havendo qualquer prova técnica, ou mesmo testemunhal, que comprove que o projétil de arma de fogo que causou o ferimento sofrido pela agravante tenha partido das armas utilizadas pelos policiais, não há como se imputar ao réu/agravado a responsabilidade pelo dano causado. Aquele que pretender indenização do Poder Público em razão da ação de seus agentes deve trazer provas aos autos capazes de evidenciar o nexo de causalidade entre a ação e o dano causado. Não o fazendo, impõe-se a rejeição da pretensão. E, ainda, não se pode achar como razoável e normal que a autora, à época dos fatos com 08 (oito) anos de idade, estivesse na rua por volta das 21h00min horas, acompanhada de dois outros menores, um contando com 03 (três) anos de idade, se dirigindo a um bar, não se sabe com que finalidade, principalmente por ser o local bastante conhecido devido à ocorrência de vários confrontos entre policiais e meliantes. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

Ação de Indenização. Bala perdida. Autor atingido por projétil de arma de fogo em razão da troca de tiros entre policiais e marginais. Sentença que não reconheceu o nexo de causalidade, reconhecendo a improcedência da pretensão deduzida em Juízo. Daí o inconformismo do autor. Manifesta ausência de comprovação a respeito dos elementos configuradores da responsabilidade civil do Estado o que afasta eventual dever reparatório. Não resta evidenciado nos autos se o autor foi atingido por disparo de arma de fogo de algum policial militar ou se de algum marginal. Manifesto rompimento do nexo de causalidade. Sentença mantida por sua própria fundamentação. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

E mais, para o acolhimento do pedido, nosso tribunal entendia que não bastavam as “referencias genéricas sobre o abandono da cidade, que embora notório”, não seria suficiente (TJRJ, 5ª Câmara. AC nº3590/93, julgado em 26/10/1993, DJRJ, de 03/02/1994, p.160). Este também é o sentido do acórdão seguinte:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - BALA PERDIDA – VÍTIMA ATINGIDA NO INTERIOR DE COLETIVO A dogmática do Direito Administrativo enquadra a situação em exame na chamada omissão genérica, não geradora de responsabilidade civil, porque o aparelho de segurança do Estado não se omitiu diante da situação concreta, sendo essa a configuração da responsabilidade por omissão, por falta ou deficiência do serviço público. Entender a responsabilidade civil nos termos pretendidos pela autora reconduziria à consagração de uma espécie de responsabilidade sem nexo de causalidade entre uma conduta e o respectivo resultado lesivo, amplitude conceitual não admitida, seja em sede doutrinária, seja em sede jurisprudencial. A documentação carreada aos autos demonstra que o marido da autora teria sido atingido fatalmente por munição de arma de fogo às 10:00 horas da manhã do dia 08 de março de 2005, não havendo prova nos autos de que no momento do sinistro havia qualquer troca de tiros no local. Na verdade, o confronto entre policiais e criminosos ocorreu somente às 19:00 horas daquele mesmo dia, segundo procedimento instaurado pelo Comando do competente Batalhão de Policia Militar. Improvimento ao recurso.

Ao contrário das decisões acima, há julgados, no entanto, que não exigem a comprovação de que o projétil da arma de fogo que atingiu a vítima pertença a policial, para efeito de responsabilização do Estado. São eles:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - CONFRONTO ENTRE POLICIAIS E TRAFICANTES - BALA PERDIDA MORTE DA FILHA DOS AUTORES - NEXO DE CAUSALIDADE DEVER DE INDENIZAR - PENSIONAMENTO - DANO MORAL. Havendo confronto entre o Estado-polícia e traficantes, trazendo a morte de menor, que nada tinha haver com o fato, impõe-se o dever de indenizar ao Estado, independentemente da bala ter sido desferida por arma de policial ou de traficantes. Risco da atividade que dá causa ao dano, impondo o dever de indenizar. Precedentes. Reparação material - pensionamento - que impõe prova. Ausência de presunção de dano. Reparação moral bem mensurada. Conhecimento e provimento parcial do recurso.

Direito Administrativo. Lesão. Bala perdida. Troca de tiros entre policiais e supostos marginais. Sentença condenando o Estado do Rio de Janeiro a pagar indenização por danos morais. Apelação. Recurso pleiteando a reforma total da sentença. No que tange ao nexo causal, aplica-se a teoria da causalidade adequada, isto é, a responsabilidade somente recairá sobre aquela condição que poderia concretamente concorrer para a produção do resultado, excluindo-se as demais condições que concorriam, mas que não eram as mais adequadas para produzir o dano. Caso se adotasse a teoria aplicada pelo Supremo Tribunal Federal da interrupção do nexo causal, a solução seria a mesma, visto que segundo esta teoria, o nexo causal existirá sempre que a conduta for considerada a causa direta e imediata para a ocorrência do dano.Assim, o apelante deve ser responsabilizado pelo infortúnio experimentado pelo apelado, pois a conduta de seu agente público se não foi aquela que efetivamente deu causa ao resultado - alvejando o apelado com o disparo da arma de fogo -, contribuiu em muito para a causação do dano, já que falhou com o seu dever de segurança.Dano moral. Redução. Atenção aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista o dano e o sofrimento causado no caso concreto. Provimento parcial do recurso.

Ação Indenizatória. Responsabilidade do Estado. Incursão de policiais militares em favela. Bala perdida. Menor baleado. Mutilação de membro. Lesão corporal gravíssima e perene (amputação da perna esquerda). Fato não negado pelo Réu e corroborado pela prova testemunhal produzida. Ainda que não tenha sido comprovado através de prova técnica que o projétil que atingiu o Autor tenha partido da arma de policial militar, é indiscutível que o dano sofrido pelo ora Apelado decorreu da atividade policial exercida pelo aparelho estatal, o que acarreta a aplicação das normas do art. 37, § 6º da Constituição Federal e do parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002, das quais resulta a responsabilidade objetiva do ente público independentemente da prova da culpa de seus agentes, responsabilidade essa que somente pode ser elidida mediante a prova da culpa exclusiva da vítima ou da ocorrência de caso fortuito ou força maior, prova essa cujo ônus incumbia ao Réu, na forma preconizada no art. 333, II, do CPC, por se tratar de fato impeditivo ou modificativo do direito do Autor, ônus esse do qual o Apelante não se desincumbiu na hipótese em tela. Verbas indenizatórias pelos danos morais e estéticos fixadas de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade levando em conta as circunstâncias de fato constatadas no laudo pericial. Conhecimento e desprovimento do recurso. Manutenção da sentença em reexame necessário”.

DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. PERSEGUIÇÃO. TROCA DE TIROS ENTRE POLICIAIS E BANDIDOS. “BALA PERDIDA”. AUTOR ATINGIDO POR PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO. AVARIAS EM SEU VEÍCULO. INCAPACIDADE TOTAL TEMPORÁRIA PARA O TRABALHO. PERDA TEMPORÁRIA DOS MOVIMENTOS DA MÃO. AUSÊNCIA DE PLANEJAMENTO NO ATUAR ESTATAL. DEVER DE INDENIZAR. É indiferente se o disparo que atingiu a vítima foi deflagrado por policial ou pelos meliantes que eram perseguidos. O nexo de causalidade está na atuação despreparada dos agentes estatais, que causarem a situação de perigo a todos os administradores que circulavam em horário de intenso movimento por local de grande circulação. A função do Estado é garantir genericamente a segurança pública, ao passo que a reiterada omissão transmuda a natureza desse dever em específica. Responsabilidade objetiva do Estado. Danos materiais e morais que devem ser reparados. Redução da verba compensatória. Conhecimento e parcial provimento do recurso.

Pelo cotejo das decisões pretorianas acima transcritas, percebe-se a dicotomia na solução desse problema social.

É certo que o Tribunal do Estado seguiu a posição do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual, para aferir a alegada ofensa ao artigo 37, §6º da Constituição Federal, havia de se provar “a ação ou omissão do ente estatal na prestação do serviço público”, conforme o seguinte julgado:

CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL. VÍTIMA DE TROCA DE TIROS ENTRE ASSALTANTES E POLICIAL. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279. 1. Incidência da Súmula STF 279 para aferir alegada ofensa ao artigo 37, § 6º, da Constituição Federal - responsabilidade extracontatual do Estado. 2. Agravo regimental improvido. Trata-se de agravo regimental em decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário, interposto contra acórdão que condenou o Estado ao pagamento de indenização por danos morais em favor da autora vitima de disparo de arma de fogo, decorrente de troca de tiros entre assaltantes e policial militar no interior de transporte coletivo, nos seguintes termos: o recorrente sustenta que o artigo 37, §6º, da Constituição Federal não agasalha a teoria do risco integral, na qual é desnecessário o liame causal entre a conduta e o dano, e que foi aplicada na espécie, ferindo assim a Carta Magna. Aduz, de outra parte, a inaplicabilidade de tal dispositivo constitucional, pois, no caso, não houve comprovação de ação ou omissão por parte do ente estadual na prestação de serviço público e, ainda, que o dano não foi causado por qualquer agente da Administração, o que não dá ensejo a indenizações por danos morais. (...) Inicialmente, é relevante que, no caso em tela, asseverou o acórdão recorrido que ficara comprovado o dano moral, de forma a responsabilizar o recorrente pelos danos suportados pela parte autora. (...) O apelo extremo, portanto, não merece prosperar, pois, no caso, para concluir se algum agente público deu causa ao dano sofrido pela autora, para ter presente o dever de indenizar da recorrente, é imprescindível a analise dos fatos e das provas, em que se baseou o Tribunal a quo, o que é vedado em sede extraordinária.

Recentemente, contudo, esta mesma Corte proferiu uma decisão relevante sobre o tema: concedendo a tutela antecipada para condenar o Estado de Pernambuco e, assim, afastando pela primeira vez, a ineficiência financeira do Estado como causa para não responsabilizar:

TUTELA ANTECIPADA E RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO - Entendeu-se que restaria configurada uma grave omissão, permanente e reiterada, por parte do Estado de Pernambuco, por intermédio de suas corporações militares, notadamente por parte da polícia militar, em prestar o adequado serviço de policiamento ostensivo, nos locais notoriamente passíveis de práticas criminosas violentas, o que também ocorreria em diversos outros Estados da Federação. Em razão disso, o cidadão teria o direito de exigir do Estado, o qual não poderia se demitir das conseqüências que resultariam do cumprimento do seu dever constitucional de prover segurança pública, a contraprestação da falta desse serviço. Ressaltou-se que situações configuradoras de falta de serviço podem acarretar a responsabilidade civil objetiva do Poder Público, considerado o dever de prestação pelo Estado, a necessária existência de causa e efeito, ou seja, a omissão administrativa e o dano sofrido pela vítima, e que, no caso, estariam presentes todos os elementos que compõem a estrutura dessa responsabilidade. Além disso, aduziu-se que entre reconhecer o interesse secundário do Estado, em matéria de finanças públicas, e o interesse fundamental da pessoa, que é o direito à vida, não haveria opção possível para o Judiciário, senão de dar primazia ao último. Concluiu-se que a realidade da vida tão pulsante na espécie imporia o provimento do recurso, a fim de reconhecer ao agravante, que inclusive poderia correr risco de morte, o direito de buscar autonomia existencial, desvinculando-se de um respirador artificial que o mantém ligado a um leito hospitalar depois de meses em estado de coma, implementando-se, com isso, o direito à busca da felicidade, que é um consectário do princípio da dignidade da pessoa humana.

Tal decisão é importante não só pelo resultado pretendido, senão pela mudança de entendimento da Corte na interpretação da realidade da segurança pública no Brasil. Levando em conta o histórico do Supremo Tribunal Federal em questões que envolvam a responsabilidade civil do Estado por omissão nessas matérias, percebe-se o grande marco deste julgado, em que pese o fato de que o mérito ainda não recebeu tratamento.

Ao condenar o Estado de Pernambuco por omissão do dever de zelar pela ordem pública, o ministro Celso de Mello abriu um precedente importante na concretização deste direito, ao sinalizar que o artigo 144 da Constituição da República de 1988 não confere apenas ao particular o encargo de zelar pela segurança, mas também e precipuamente ao Estado.

A decisão desse Tribunal, que também funciona como Corte Constitucional (artigo 102, da Constituição Federal), pode representar um marco também no próprio desenvolvimento da atividade da segurança pública, na medida em obrigará o Estado a melhor qualificar seus agentes.

Hoje, o que se tem visto, são policiais capacitados profissionalmente de forma inadequada nas academias e atuando sem as ferramentas apropriadas para o desempenho de suas atividades, por falta de investimento público dirigidos a esses fins. Os equipamentos tecnológicos de última geração disponibilizados no mercado, não chegam às mãos desses profissionais, ao contrário do que se percebe com os criminosos. Além das precárias condições em que esses agentes públicos trabalham principalmente relativas à sua própria segurança, os salários são irrisórios. Todos esses fatores contribuem para a instabilidade emocional, que, neste caso, aliada à ausência de tecnicismo e preparo profissional, tendem a aumentar as situações de riscos que as operações policiais desencadeiam.

É preciso salientar a lição de Luiz Eduardo Soares de que as ”nossas polícias são máquinas pesadas e lentas, nada inteligentes e criativas, que não valorizam seus policiais nem os preparam adequadamente; não planejam nem avaliam o que fazem; não aprendem com os erros porque não os identificam; não conhecem os problemas sobre os quais atuam (os policiais, individualmente, sabem muito; a polícia, como Instituição, nada sabe); não cultivam o respeito e a confiança da população; cada vez mais só prendem em flagrante, porque pouco investigam; limitam-se a reagir depois que os crimes já ocorreram; cometem um número imenso de crimes, quando sua tarefa é evitá-los ou conduzir à Justiça os perpetradores”.

Com a nova decisão do Supremo Tribunal Federal, a responsabilidade do Estado adequa-se formal e substancialmente ao perfil político-constitucional previsto na Carta de 1988, ou seja, de um Estado garantidor da ordem, da segurança pública e do resguardo dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Nos termos do preâmbulo da Constituição Federal de 1988, foi instituido um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvércias, como: o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça.

Em um Estado Democratíco de Direito, aplica-se a garantia do respeito das liberdades civis, ou seja, do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, através do estabelecimento de uma proteção jurídica. Isto se torna possível com a devida aplicação da Constituição Federal (colocada no ápice de uma pirâmide escalonada), que representa o interesse da maioria.

CONCLUSÃO

Ao longo da história, desde a época do Império Romano, a responsabilidade estatal sofreu grandes evoluções. Primeiramente o ordenamento jurídico regrava que o Estado era irresponsável pelos atos de seus agentes, quando causassem danos a terceiros. Logo em seguida, na segunda metade do século XIX, passou-se a adotar a culpa como pressuposto desta responsabilidade.

No Brasil, a responsabilidade do Estado passou a constar do ordenamento jurídico somente em 1824, com a promulgação da primeira Constituição pátria, porém ainda muito retraída, pois que a Administração Pública não tinha a total imposição de ser responsável pelos atos de seus agentes. Figurava ainda a responsabilidade subjetiva, com a prova de culpa de seus funcionários. As demais Constituições seguiram o mesmo preceito.

Somente com o advento da Constituição Cidadã, em 1988, o Estado passou a ser responsabilizado pelos atos praticados pelos seus funcionários, adotando a teoria do risco administrativo. Com ela foi criado um novo modelo de regramento jurídico, balizado precipuamente no princípio da dignidade humana, bem como um novo modelo de gestão da Administração Pública, o Estado Democrático, permitindo a sociedade civil passou a possuir direitos e deveres igualitariamente.

A dignidade da pessoa humana e o limite de atuação do Estado constituem os sustentáculos primordiais dos direitos humanos. Como princípio, é a pilastra-mestra de todo o ordenamento brasileiro. Nenhuma norma poderá ser criada e nenhum ato poderá ser propugnado de modo a infringir tal princípio. Deste modo, sua intangibilidade é pressuposto para a consecução de um Estado democrático mais justo e equânime.

Quando dizemos que o Estado é garantidor dos direitos humanos, corremos o risco de considerá-lo como uma entidade ontologicamente independente, dotada de atitudes que norteiam inelutavelmente a vida dos indivíduos, dotada de atitudes que norteiam inelutavelmente a vida dos indivíduos. Contudo, ao afirmarmos que o Estado possui mecanismos que deveriam garantir os direitos primários do homem, definidos pela Constituição e reconhecidos antes dela, somos obrigados a reconhecer o nosso papel enquanto cidadãos, pois todos nós somos atingidos pelo que decidirá nossa vida social.

O direito ao respeito à dignidade da pessoa humana não são antíteses de polícia eficiente, senão de polícia bárbara, violenta, não profissional. Assim, a autoridade e observância indelével do princípio da dignidade humana deve em função do conjunto de todos os humanos, que merecem salvaguarda de seus direitos mínimos, porém essenciais a sua própria existência, e que são garantidos não somente pelo Direito interno, mas também pelo Direito internacional, com virtuais sanções até para Estados violadores e omissos.

A polícia, mecanismo estatal criado no início simplesmente para defender os interesses de elite que governavam o país, com o tempo sofreu uma mudança significativa, passando a ser uma atividade necessária à paz social.

Por outro lado, a história nos ensina que à medida em que as relações sociais evoluíram, também evoluíram com elas a noção do que é inerentemente necessário a todo o homem, e por isso, deveria ser garantido por Direito. Nesse contexto, a polícia que antes era apenas um mecanismo de controle do Estado, passou a ser considerada um dos mecanismos geradores da segurança, uma das necessidades do homem que passou a ser reconhecida como tal. Nesse sentido, falar em segurança como Direito inerente a todo homem, será também reconhecer que “Direitos Humanos é coisa de Polícia”, pois ela é um dos mecanismos garantidores daquela.

Para chegar-se a idéia atual de Estado Democrático foram necessárias inúmeras rupturas e transformações no Estado de Direito. Diferentemente da idéia a que se prendiam os outros modelos de Estado (liberal e social), o Estado Democrático de Direito apresenta a incorporação de conteúdos novos com o aumento de direitos e mudanças no próprio conteúdo do Direito. Verifica-se uma mudança no caráter da regra jurídica, deixando o preceito genérico e abstrato à percepção de um direito interpretado a um conjunto de valores e princípios. A concepção formal é submetida a concepção material ou substancial, o Estado adquire um caráter mais dinâmico e mais forte do que a sua concepção formal, ou seja, as normas devem estar submetidas às variações sociopolíticas, analisando-as de acordo com os princípios democráticos de direito.

É certo que a grave crise na segurança pública em que vivemos atualmente, em especial no Estado do Rio de Janeiro, não é responsabilidade somente do governo estadual, como também a ausência de verdadeiras políticas públicas de segurança em nível federal. Mesmo diante da elevadíssima carga tributária imposta aos cidadãos, inexistem políticas que efetivamente promovam, principalmente, a educação, a saúde e a segurança pública, com o mínimo de estrutura e continuidade.

Além de não dispor de serviços prestados com eficiência e eficácia, o Estado, enquanto, conjunto de indivíduos pertencentes a uma sociedade, se expõe ao arcar com condenações envolvendo elevados valores indenizatórios, em especial oriundas de danos morais. Há um grande equívoco ao se pensar na irresponsabilidade do Estado, em razão da omissão na prestação da segurança pública, pois, como se viu, ela acarreta um pesado ônus ao corpo social.

Por isso, a mudança das decisões dos nossos tribunais abandonando a irresponsabilidade do Estado, nessas hipóteses, mais se aproxima do perfil democrático que se almeja para o nosso Estado, como transformador da realidade, ultrapassando o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem.

Já no que tange a segurança pública em nosso país, este foi sempre um assunto colocado à margem. A sociedade sempre o desprezou e isso se refletiu por muitos anos na ausência dos movimentos sociais e mesmo das academias nas discussões em geral e na formulação teórica sobre esse tema, como se isso fosse de interesse apenas do Estado.

Por fim, presente o trabalho procurou, na limitação de um estudo monográfico, ainda que perspectivo, delimitar os campos em que pode validamente ser argüida a responsabilidade do Estado em matérias de bala perdida, até porque não existe conceito jurídico de que seja “bala perdida”.

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Publicado por: ANA PATRICIA DA CUNHA OLIVEIRA

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