Os Contratos Eletrônicos e o Ordenamento Jurídico Brasileiro

RESUMO

Contrato eletrônico é aquele, onde duas ou mais pessoas utilizam a internet como meio para manifestar suas vontades e concluir um contrato. O presente estudo tem como objetivo principal explicitar as peculiaridades que envolvem esse instituto, delimitar o caráter da internet como meio de comunicação e, analisar a aplicabilidade da legislação brasileira vigente aos contratos firmados por meio da internet, tendo em vista a escassez de legislação sobre o assunto em nosso país. Os princípios balizadores de tais são contratos são, além daqueles aplicáveis aos contratos em geral, os princípios da equivalência funcional dos contratos eletrônicos com os tradicionais, neutralidade e perenidade das normas reguladoras do ambiente digital, conservação e aplicação das normas jurídicas existentes aos contratos eletrônicos e boa-fé objetiva. Eles se classificam em contratos intersistêmicos, interpessoais e interativos. Em especial, no tocante aos contratos eletrônicos de consumo, aplicam-se as normas do Código de Defesa do Consumidor. Por fim, no tocante à legislação cabível, quando tratar-se de contrato firmado por partes que residem em países diferentes, há uma relativização do princípio da territorialidade, podendo ser aplicada a lei estrangeira no território brasileiro, desde que de acordo com os princípios e direitos fundamentais nacionais. O presente estudo monográfico traz ainda os conceitos pertinentes aos contratos em geral e um breve histórico da internet.

PALAVRAS-CHAVE: Contratos. Internet. Civil.

ABSTRACT

Electronic contract is the contract in which two or more parties use the internet as a mean to externalize their interest in contracting. This study has the main goal to explain the peculiarities regarding this subject, to establish the internet as a mean of communication as opposed to a new form of contract, and analyze the possibility to apply brazilian existing laws to electronic contracts, seeing that there are very few rules about this subject in our country. The more important principles of those contracts, besides the ones applied to traditional contracts, the principles of functional equivalence of electronic contracts with traditional ones, neutrality and durability of the rules regarding the digital area, conservation and applicability of existing laws to the electronic contracts, and good faith objectively unfolded. Theirs are categorized in intersystemic, interpersonal and interactive contracts. Mainly, regarding the electronic contracts of consume, the rules of the Consumer’s Defense Code are applicable. At last, in the area of applicability of laws when the parties of the contract are residents of different countries, there is a relativization of the principle of territoriality, with the possibility to apply a foreigner law in the brazilian territory, but only if it respects national principles and fundamental rights. This monographic study also presents definitions regarding the contracts in general and a brief summary of internet.

KEYWORDS: Contracts. Internet. Civil.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO

12

2 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

15
2.1 Considerações gerais 15
2.2 Conceito 15
2.3 Histórico 17
2.4 Princípios fundamentais 20
2.4.1 Autonomia da vontade 21
2.4.2 Função Social 22
2.4.3 Consensualismo 23
2.4.4 Obrigatoriedade das convenções 23
2.4.5 Relatividade dos efeitos do contrato 24
2.4.6 Boa-fé 25
2.5 Pressupostos e requisitos 26
2.5.1 Pressupostos 26
2.5.2 Requisitos 29
2.6 Classificação 31
2.6.1 Contratos atípicos e contratos coligados 35
2.6.2 Contratos de adesão 36
2.7 Formação dos contratos 37
2.7.1 Negociações Preliminares 38
2.7.2 Proposta 39
2.7.3 Aceitação 41
2.7.4 Retratação 43
2.7.5 Momento da conclusão dos contratos entre ausentes 43

3 INTERNET

46
3.1 Histórico 46
3.2 Conceito e natureza jurídica 49
3.3 Funcionamento e sistemas de comunicação 52
3.4 Aspectos constitucionais, liberdade de acesso e proteção do usuário 55
3.5 Delitos e responsabilidade na rede 57
3.6 Principais características jurídicas da internet 59
3.6.1 Relativização das noções de espaço e tempo 59
3.6.2 Liberdade de uso e vazio de regulamentação 60
3.6.3 Tendência à dispensabilidade dos documentos físicos 62

4 CONTRATOS ELETRÔNICOS

63
4.1 Conceito 63
4.2 Princípios específicos da contratação eletrônica 65
4.2.1 Princípio da equivalência funcional dos contratos realizados em meio eletrônico com contratos realizados por meios tradicionais 65
4.2.2 Princípio da neutralidade e da perenidade das normas reguladoras do ambiente digital 66
4.2.3 Princípio da conservação e aplicação das normas jurídicas existentes aos contratos eletrônicos 67
4.2.4 Princípio da boa-fé objetiva e os contratos eletrônicos 68
4.3 Classificação 69
4.3.1 Contratos eletrônicos intersistêmicos 70
4.3.2 Contratos eletrônicos interpessoais 71
4.3.3 Contratos eletrônicos interativos 72
4.4 Validade dos contratos eletrônicos 74
4.4.1 Elementos subjetivos 74
4.4.2 Elementos objetivos 77
4.4.3 Elementos formais 79
4.4.4 Requisitos de validade dos documentos eletrônicos 80
4.4.5 Valor probante 82
4.5 O Código de Defesa do Consumidor nos contratos eletrônicos de consumo 83
4.6 Formação e conclusão dos contratos eletrônicos 85
4.6.1 Local de formação 88
4.7 Legislação aplicável aos contratos eletrônicos 89

5 CONCLUSÃO

93

REFERENCIAS

95

1 INTRODUÇÃO

Os contratos sempre fizeram parte do ordenamento jurídico brasileiro, porém, devido ao surgimento da internet, e com ela a facilidade de troca de informações entre as pessoas, nasceu o instituto dos contratos eletrônicos, como tem sido chamado pela doutrina moderna, trazendo consigo a problemática de sua normatização diante dos eventuais conflitos.

A presente monografia trata especificamente da situação dos contratos eletrônicos no direito brasileiro, tendo em vista a inexistência de legislação específica pertinente ao tema e a necessidade de regulamentar tais contratos, por representarem uma realidade cada vez mais presente no dia-a-dia da população pátria.

Em razão do surgimento dos contratos firmados por meio eletrônico, surgem as seguintes questões: seria a internet um meio ou um local? Os contratos eletrônicos possuem os requisitos dos contratos em geral? Qual a legislação aplicável a eventuais conflitos decorrentes de contratos eletrônicos?

O tema proposto justifica-se tendo em vista a necessidade de solucionar conflitos decorrentes dos contratos celebrados virtualmente, especialmente no Brasil, bem como, esclarecer pontos importantes que regem esse tema, com o intuito de propiciar o seu crescimento com cada vez mais segurança nas transações eletrônicas.

Por sem um tema bastante atual, os doutrinadores ainda não se manifestaram em grandes proporções sobre o tema. Uma das pessoas que mais escreve sobre o tema é a autora Sheila do Rocio Cercal Santos Leal, com a obra intitulada Contratos Eletrônicos: validade jurídica dos contratos via internet, publicada no ano de 2007.

Mundialmente, os Estados Unidos deram o pontapé inicial para a regulamentação do tema no âmbito jurídico, com a edição da Lei Modelo da UNCITRAL (United Nations Commission on Internet Trade Law) sobre o comércio eletrônico, influenciando a edição de normas em diversos países, inclusive o Brasil, que possui vários projetos de lei em andamento, tais como o Projeto 1.589/99 da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional São Paulo.

A razão para a escolha deste tema é a atualidade e iminência do assunto no mundo jurídico e a inexistência de informações acerca da contratação eletrônica de forma sistematizada e didática.

Contribui, nesse sentido, para a sociedade, por ser esta o público alvo da presente pesquisa. Assim, os contratos eletrônicos são uma realidade fática e jurídica, que os indivíduos utilizam cada vez mais, porém, encontram dificuldade em compreender as especificidades trazidas pelo mundo virtual.

O método é a forma escolhida pelo autor para expor a sua tese, o qual, no caso em análise foi utilizado o método científico dedutivo. É um método lógico que analisa a existência dos contratos em geral no ordenamento jurídico, partindo para a verificação dos pressupostos de existência dos contratos eletrônicos e a sua compatibilização com o ordenamento jurídico brasileiro, resolvendo assim a problemática que envolve o tema.

Quanto à técnica, o presente trabalho se utilizou de pesquisa bibliográfica, por meio de livros, legislações nacionais e estrangeiras, e artigos obtidos na internet.

O projeto foi divido em três capítulos redigidos de forma dissertativa. No primeiro capítulo, tratou-se do instituto dos contratos em geral, abordando seu aspecto histórico, classificação, pressupostos e requisitos, bem como o arcabouço principiológico que os cercam.

No segundo capítulo, foi abordado surgimento da internet e como esse meio virtual vem crescendo, influenciando e modificando a forma dos indivíduos de contratar.

O terceiro e último capítulo, trata especificamente dos contratos eletrônicos, com todas as suas especificidades, principalmente quanto à possibilidade aplicação da legislação vigente no ordenamento jurídico pátrio aos contatos firmados via internet, e à equiparação de tais contratos, no que couber, aos contratos em geral, concluindo, assim, a presente monografia com uma análise dos contratos eletrônicos de consumo e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

2 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

2.1 Considerações gerais

Para entender o surgimento do contrato, necessário se faz compreender o conceito de negócio jurídico, qual seja, o ato jurídico lícito que decorre de uma ou mais vontades, criando, modificando, transferindo o extinguindo direitos.

Os negócios jurídicos podem ser unilaterais, quando é necessária apenas a manifestação da vontade de uma das partes, ou bilaterais, quando necessita de mais de uma vontade para que se aperfeiçoe o negócio. É nessa última espécie que se encontram os contratos.

Assim, podemos dizer que o contrato é uma espécie do qual o negócio jurídico é gênero, se distinguindo especificamente deste pela exigência do encontro das vontades de duas ou mais pessoas.

2.2 Conceito

Contrato é, pois, um negócio jurídico bilateral particular onde prevalece a vontade das partes, devendo estar de acordo com o ordenamento jurídico, para criar, modificar ou extinguir direitos.

Clóvis Beviláqua citado por Silvio Rodrigues afirma que “o contrato é o acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos” (RODRIGUES, 2004, p. 09).

Percebe-se que o contrato tem por objetivo produzir efeitos jurídicos e, possui também, a função de “ato regulamentador de interesses privados”, trazida por Maria Helena Diniz. Ou seja, a criação do contrato surge a partir conjunção dos interesses particulares que através dele se auto-regulamentam.

Essencialmente, o contrato cria uma norma individual entre as partes, e o seu descumprimento não gera sanção, pois não o mesmo constitui uma norma autônoma, mas é pressuposto para aplicação de sanção pela norma jurídica geral.

Maria Helena Diniz define o contrato como:

[...] o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial (DINIZ, 2005, p. 24).

Analisando o seguinte conceito verifica-se a presença de dois elementos essenciais para a existência dos contratos: o estrutural e o funcional.

O elemento estrutural trata da necessidade de existir mais de dois sujeitos com vontades opostas, que chegam a um consenso, não podendo nenhum dos contraentes alterar individualmente o que foi acertado quando da formação do contrato.

Apenas em uma hipótese pode existir o autocontrato, ou seja, contrato consigo mesmo, quando a mesma pessoa figura em um dos pólos da relação em seu próprio nome e no outro pólo representando a vontade de outrem. Neste caso, não se trata de uma única vontade, mas de vontades distintas, mesmo que expressadas pela mesma pessoa.

O elemento funcional, diz respeito à função econômica do contrato. Ele é o instrumento através do qual as diferentes partes, inicialmente, com interesses opostos, harmonizam-se para atingir uma finalidade econômica que resultará em reflexos patrimoniais.

2.3 Histórico

A doutrina contratual moderna surgiu a partir da influência de diversas escolas clássicas, em especial a escola dos canonistas e a escola do Direito Natural.

Os canonistas nos trouxeram os princípios da autonomia da vontade e do consensualismo ao valorizarem o consenso e a fé jurada. Assim, para essa escola, a vontade é cerne da obrigação.

Orlando Gomes nos ensina acerca da corrente de pensamento dos canonistas que:

A estimação do consenso leva à idéia de que a obrigação deve nascer fundamentalmente de um ato de vontade e que, para criá-lo, é suficiente a sua declaração. O respeito à palavra dada e o dever de veracidade justificam de outra parte, a necessidade de cumprir as obrigações pactuadas, fosse qual fosse a forma do pacto, tornando necessária a adoção de regras jurídicas que assegurassem a força obrigatória dos contratos, mesmo os nascidos do simples consentimento dos contraentes (GOMES, 1998, p. 05).

Outra escola que muito contribuiu para a disciplina do direito contratual moderno foi a escola do Direito Natural, cuja ideologia repousava nas idéias de racionalismo e individualismo, e com isso, defendeu que o fundamento do obrigacional do contrato estava na livre vontade, bastando o consentimento para que surgisse a obrigação.

Pufendorf, um dos pensadores da escola do Direito Natural, transcrito na obra de Orlando Gomes, sustenta com argumentos que “o contrato é um acordo de vontades, expresso ou tácito, que encerra compromisso a ser honrado sobre a base do dever de veracidade, que é de Direito Natural” (GOMES, 1998, p. 05 e 06).

Infere-se, pois, que o acordo de vontades cria um vínculo jurídico entre as partes, as quais devem aceitar o princípio defendido por Pothier de que o contrato tem força de lei entre as partes, o qual foi expresso como norma no Código Napoleônico.

O desenvolvimento econômico trouxe consigo a necessidade de regulamentação das relações de troca entre os indivíduos, surgindo, assim, o conceito de negócio jurídico, o qual, como já vimos, é gênero do que o contrato é uma espécie.

Desta forma, surge o contrato como instrumento a ser utilizado por todas as pessoas, independentemente de classe social e regulando todos os tipos de obrigações. Nesse sentido, Orlando Gomes assevera com propriedade a seguinte idéia:

Não se levava em conta a condição ou posição social dos sujeitos, se pertenciam ou não a certa classe, se eram ricos ou pobres, nem se consideravam os valores de uso mas somente o parâmetro da troca, a equivalência das mercadorias, não se distinguia se o objeto do contrato era um bem de consumo ou um bem essencial, um meio de produção ou um bem voluptuário: tratava-se do mesmo modo a venda de um jornal, de um apartamento, de ações ou de uma empresa (GOMES, 1998, p. 06).

Apesar de ser esta a base do surgimento do contrato, atualmente, o instituto tem se desvirtuado de sua origem, não sendo mais tão generalista como quando surgiu no período clássico.

Contemporaneamente, a descoberta de que a igualdade preconizada pela escola clássica não possuía aplicação prática, motivou a mudança da noção de contrato. Em razão do notório desequilíbrio estabelecido entre as partes, especialmente em contratos trabalhistas, o Estado se viu na obrigação de interferir nas relações contratuais, modificando a sua estrutura.

A partir dessa intervenção estatal, a autonomia particular traduzida pela liberdade de contratar, se viu prejudicada ao sofrer restrições, em grande parte, na liberdade de determinar o conteúdo do contrato.

Como expõe Orlando Gomes,

Determinado a dirigir a economia, o Estado ditou normas impondo o conteúdo de certos contratos, proibindo a introdução de certas cláusulas, e exigindo, para se formar, sua autorização, atribuindo a obrigação de contratar a uma das partes potenciais e mandando inserir na relação inteiramente disposições legais ou regulamentares (GOMES, 1998, p. 07).

Surgiu, com isso, um novo modelo de contratação que tem por base a despersonalização das relações jurídicas, através da elaboração de contratos em massa.

As novas técnicas de contratação trazem o tratamento desigual como forma adotada, principalmente no Direito do Trabalho, a crescente intervenção estatal, limitando e restringindo a vontade dos contratantes e a criação de diversas leis de proteção ao hipossuficiente, ou seja, aquela parte mais fraca economicamente ou socialmente.

É nesse momento que surge a dissociação entre o acordo de vontades e negócio jurídico particular estabelecido pelas partes e mudança do foco do legislador para criar contratos mais rígidos.

Fazendo um comparativo entre o período contratual clássico e o contemporâneo, Orlando Gomes conclui que

Em relação ao contrato nos moldes clássicos, empresta maior significação às normas sobre o acordo de vontades, detendo-se na disciplina cuidadosa da declaração de vontade e dos vícios que podem anulá-la, e limitando a proteção legal aos que não têm condições de emiti-la, livre e conscienciosamente (menores e enfermos). Em relação aos contratos nos moldes contemporâneos, que se realizam em série, a preocupação é a defesa dos aderentes (contratos de adesão), mediante normas legais quer proíbam cláusulas iníquas, até porque as regras sobre a declaração da vontade e os vícios do consentimento quase não se lhe aplicam (GOMES, 1998, p. 08).


A partir de então, a nova estrutura contratual caminha para o sentido de dissociar-se cada vez mais da autonomia privada e traz em seu bojo situações que refletem o antagonismo das partes, tais como empregados e empregadores, produtores e consumidores, etc.

Sobre esta nova concepção de contrato, Orlando Gomes cita Barcellona, o qual afirma:

[...] em virtude da política interventiva do Estado hodierno, o contrato, quanto instrumento de relações entre pessoas pertencentes a categorias sociais antagônicas, ajusta-se a parâmetros que levam em conta a dimensão coletiva dos conflitos sociais subjacentes. (GOMES, 1998, p.15)

É o funcionamento do contrato como forma de conciliar os interesses das partes contratantes, pertencentes a classes diversas. Isso só possível, com a intervenção estatal, conferindo equilíbrio à relação jurídica estabelecida entre as partes.

2.4 Princípios Fundamentais

São seis os princípios norteadores do direito contratual: autonomia da vontade, função social, consensualismo, obrigatoriedade das convenções, relatividade dos efeitos do negócio jurídico e boa-fé.

2.4.1 Autonomia da vontade

Esse princípio pressupõe a supremacia da vontade dos contratantes, ou seja, a liberdade de contratar. Tanto o conteúdo quanto a forma são livres para a escolha das partes, as quais também podem escolher com quem querem contratar.

Assim, toda pessoa capaz poderá ser sujeito de direitos e contrair obrigações, exercendo assim os poderes de auto-regência dos interesses.

São três os aspectos em que se apresenta a liberdade de contratar: liberdade de contratar propriamente dita, liberdade de escolher o outro contraente e liberdade de determinar o conteúdo do contrato.

A primeira se traduz pela livre escolha dos efeitos contratuais pelas partes, sem sofrerem limitações legais, em regra. Ou seja, as normas que regem o direito contratual, são normas de caráter supletivo, pois se aplicam quando houver silêncio das partes ou para substituir a vontade do particular, caso não haja.

De acordo com Orlando Gomes,

Prevalece, desse modo, a vontade dos contratantes. Permite-se que regulem seus interesses por forma diversa e até oposta à prevista na lei. Não estão adstritas, em suma, a aceitar as disposições peculiares a cada contarto, nem a obedecer às linhas de sua estrutura legal. São livres, em conclusão, de determinar o conteúdo do contrato, nos limites legais imperativos (GOMES, 1998, p. 23).

O segundo aspecto é a liberdade de escolher o outro contraente, ou seja, cada um contrata com quem quiser. Porém, em alguns casos não é possível exercer esta escolha, como nas hipóteses de prestação de serviço público monopolizados, os quais só podem ser contratados com as concessionárias prestadoras daquele serviço público.

Por último, existe a liberdade de fixar o conteúdo do contrato, que podem livremente escolher a forma que querem contratar, estipulando as cláusulas e até mesmo criando contratos atípicos, que são modelos de contrato ainda não previstos em lei, desde que não sejam contrários a esta. Existem exceções, como o contrato de adesão, que será estudado mais adiante.

A liberdade contratual, porém, não é absoluta, encontrando limite na ordem pública, ao proteger o interesse coletivo. Por ordem pública, entende-se na concepção de Sílvio Rodrigues, “aquele conjunto de interesses jurídicos e morais que incumbe à sociedade preservar” (RODRIGUES, 2004, p. 16).

Esse fenômeno é chamado de dirigismo contratual, que se justifica para assegurar a igualdade econômica dos contratantes, retratando o intervencionismo estatal nas relações particulares para fazer garantir a supremacia do interesse público.

2.4.2 Função social

O contrato, de acordo com o art. 421 do Código Civil, tem a obrigação de ter por finalidade a função social, qual seja, a utilidade, que os contraentes devem dar ao contrato, preservando os interesses da coletividade. Assim, devem sujeitar a sua vontade e liberdade de contratar aos bons costumes e às normas de interesse público.

De acordo com o Enunciado do STJ n. 23, citado por Maria Helena Diniz,

[...]a função social do contrato, dirigida à satisfação de interesses sociais, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o seu alcance, quando estiverem presentes interesses metaindividuais ou interesse individual coletivo relativo à dignidade da pessoa humana” (DINIZ, 2005, p. 35).

Ou seja, o princípio da autonomia da vontade não perde a sua aplicabilidade em razão da existência do requisito da função social. Ele apenas não será observado de forma absoluta.

A função social do contrato é uma derivação do princípio da função social da propriedade, previsto no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que norteia a ordem econômica.

2.4.3 Consensualismo

Esse princípio trata da não exigência de nada além da manifestação de vontade dos contratantes para que o contrato seja válido e, embora a lei exija forma específica para alguns contratos, a regra é que as partes são livres para pactuarem da forma que desejarem.

2.4.4 Obrigatoriedade das convenções

O contrato é intangível e, portanto, uma vez pactuado, as partes devem cumpri-lo em todos os seus termos, sob pena da parte lesada pedir proteção ao Estado em razão de o contrato representar lei entre as partes. Essa “lei” enseja a provocação do Judiciário, exceto se houver caso fortuito ou força maior.

O princípio do pacta sunt servanda não é absoluto, pois se submete à teoria da imprevisão, que trata da possibilidade de o magistrado rever os termos do contrato, caso haja enriquecimento ilícito superveniente de uma das partes ou até mesmo resolver o contrato.

Apenas não é possível requerer a revisão contratual aquele que estiver em mora, como traz Maria Helena Diniz,

[...] não poderá requerer a revisão contratual aquele que, no momento da alteração da circunstância, estiver em mora, conseqüentemente, nem os efeitos da revisão contratual se estenderão às prestações satisfeitas, mas somente alcançarão as devidas, resguardando-se porém os direitos adquiridos por terceiros (DINIZ, 2005, p. 40)

Disso, infere-se que o contrato é excepcionalmente mutável, só podendo ser alterado por autoridade judiciária com o intuito de restabelecer o equilíbrio entre as partes contratantes.

2.4.5 Relatividade dos efeitos do contrato

O contrato só aproveita e prejudica a quem dele faz parte, não atingindo terceiros, assim entendidos por qualquer pessoa estranha à relação jurídica. Esse princípio trata da eficácia dos contratos, ou seja, a extensão dos seus efeitos.

Cabe ressaltar a diferença entre efeitos internos do contrato e efeitos a existência deste, pois o contrato existe perante a toda e qualquer pessoa, independente de fazer parte dele. Já os seus efeitos, somente atingem as partes contraentes.

Para Silvio Rodrigues, “tal princípio representa um elemento de segurança, a garantir que ninguém ficará preso a uma convenção, a menos que a lei determine, ou a própria pessoa o delibere” (RODRIGUES, 2004, p. 17). Ou seja, o terceiro não poderá fica vinculado de forma obrigacional a uma relação jurídica que não desejou.

Desta forma, podemos falar em relatividade dos efeitos do contrato, porque o mesmo possui uma eficácia relativa, ou seja, inter partes. Tal princípio não é absoluto, admitindo exceções tais como o contrato coletivo de trabalho e o fideicomisso inter vivos.

2.4.6 Boa-fé

A interpretação do contrato não deve ser feita de forma literal, pois prevalecerá a intenção das partes, mesmo que esteja expressa ou que tenha sido transmitida de forma oposta no contrato. É nesse sentido que se fala de condições subentendidas.

É importante mencionar que deve haver uma colaboração mútua entre as partes, as quais devem guardar os conceitos de confiança, respeito e lealdade entre si, para fazer valer a segurança dos negócios jurídicos.

Desta forma, conforme explicita Maria Helena Diniz,

As partes deverão agir com lealdade, honestidade, honradez, denodo e confiança recíprocas, isto é, proceder com boa-fé, esclarecendo os fatos e conteúdo das cláusulas, procurando o equilíbrio nas prestações, evitando o enriquecimento indevido, não divulgado informações sigilosas, etc. (DINIZ, 2005, p. 41 e 42).

Em verdade, estamos falando de boa-fé objetiva, que é aquela que se averigua independente da culpa de qualquer das partes, podendo dar causa ao inadimplemento do contrato.

O princípio da boa-fé está previsto no art. 422 do Código Civil que dispõe que “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como e sua execução, os princípios de probidade e boa fé”.

2.5 Pressupostos e requisitos

Para que o contrato exista de forma válida, deve conter determinados elementos, externos e internos, quais sejam respectivamente, os pressupostos e os requisitos. É neste sentido que repousa a fundamental diferença entre os dois.

2.5.1 Pressupostos

Para Ferrara, citado por Orlando Gomes, “pressupostos são as condições sob as quais se desenvolve e pode se desenvolver o contrato” (GOMES, 1998, p.45).

a) Capacidade das partes

O contrato presume a existência de agente capaz, ou seja, a pessoa que tem aptidão para realizar um negócio jurídico. Tal capacidade se subdivide em genérica e específica.

A capacidade genérica é aquela atribuída de forma geral a todos para realizar os atos da vida civil. De tal forma, a realização de um contrato por um relativamente ou absolutamente incapaz, torna o negócio jurídico nulo ou anulável.

Já a capacidade específica é uma aptidão diferenciada para realizar aquele ato jurídico. Ela é necessária, pois, por vezes, a legislação impõe limitações à liberdade de contratar, por exemplo, quando proíbe que os ascendentes e descendentes realizem entre si contrato de compra e venda (art. 496 do Código Civil).

b) Idoneidade do objeto

O contrato deve ter um objeto lícito, que para Maria Helena Diniz, é aquele “que não pode ser contrário à lei, à moral, aos princípios da ordem pública e aos bons costumes” (DINIZ, 2005, p. 28).

Possível, é aquele que pode existir materialmente e juridicamente, não se confundindo a impossibilidade com a indisponibilidade atual do objeto, pois esta se trata de contrato sobre coisa futura, onde o contrato só será válido se objeto vir a existir. Como exemplo tem-se a contratação da colheita de café que virá a ser plantada.

A impossibilidade do objeto pode ser absoluta ou relativa e, apenas a primeira torna a obrigação inexigível, pois a relativa diz respeito às circunstâncias pessoais do devedor. Quanto à determinação, o objeto deve ter ao menos a possibilidade de ser determinado, já que a indeterminação é causa para tornar inválido o contrato.

Por último, a economicidade se trata da substancialidade do valor do bem a ser contratado. Os bens de valor ínfimo não podem ser apreciados em dinheiro e, portanto, não interessa ao direito contratual.

c) Legitimação

O conceito de legitimação veio importado do direito processual, donde se diz que parte legítima é toda aquela que possui idoneidade para movimentar a relação processual, tendo em vista o seu interesse naquela demanda.

Para o direito material uma pessoa pode ter a prática de certos atos retirada da sua esfera de direitos em decorrência da falta de relação que possui com o objeto do contrato.

Orlando Gomes distingue capacidade de legitimidade da seguinte maneira:

No problema da capacidade, o que se discute são as qualidades intrínsecas da pessoa, que a habilitam ou não, ao exercício dos atos da vida civil, enquanto no problema da legitimação o que conta é a posição da pessoa em relação a determinados bens que podem ser objeto de negócios jurídicos em geral, ou em relação às especiais categorias de negócios (GOMES, 1998, p. 47).

Classifica-se em legitimação direta e indireta, sendo aquela uma competência pessoal para dispor sobre os seus direitos e para contrair obrigações. Esse tipo de legitimidade só será limitada se a pessoa estiver impedida de adquirir algum tipo de direito.

A legitimação indireta é aquela concedida a um terceiro para agir em nome de outrem. Este terceiro dispõe de poderes necessários e específicos, para, por meio de representação ou autorização, agir em virtude de disposição legal ou delegação de um interessado.

2.5.2 Requisitos

Orlando Gomes conceitua requisitos como “condições para o contrato cumprir sua função econômico-social típica” (GOMES, 1998, p. 45)

a) Consentimento

O consentimento, que se traduz pela manifestação da vontade, deve estar livre de vícios, tais como coação, erro e dolo. Há também quem o defina como não apenas a manifestação da vontade, mas o acordo de vontades de cada uma das partes do contrato.

Tais vontades, no contrato, são sempre interesses opostos, devendo haver a comunicação para que se forme o consentimento, que pode se dar de diversas formas, tais como verbal, escrita, direta e por meio de silêncio.

As declarações escritas são feitas por meio de um documento, manuscrito, datilografado ou expresso, que necessita para a sua validação de assinatura daquele que a declara, permitindo-se a sua substituição por impressão digital.

Atualmente, o silêncio também é tido como forma de consentimento de forma circunstanciada. Para o direito Canônico, prevalecia o preceito de “quem cala consente”, já para o direito Romano, se dizia que “quem cala nem sempre consente, mas também é certo que não nega”.

Na doutrina moderna, o silêncio poderá ser interpretado como consentimento, dependendo das circunstâncias em que será interpretado, atribuindo-o valoração “quando quem cala tem o dever de falar” (GOMES, 2004, p. 52).

Existe também uma distinção entre consentimento expresso e tácito, que repousa na forma que de expressão. Assim, o consentimento poderá ser tácito, exceto se por determinação legal se exija a forma expressa.

b) Objeto

Todo contrato deve possuir um objeto que não se confunde com a prestação, pois esta seria o objeto da obrigação enquanto aquele,

[...] é o conjunto de atos que as partes se comprometeram a praticar, singularmente considerados, não em seu entrosamento finalístico, ou, por outras palavras, as prestações das partes, não o intercâmbio entre elas, pois esta é a causa (GOMES, 1998, p. 54).

Assim, o objeto do contrato deve ser visto como um todo, ou seja, um conjunto de atos, e não como costumeiramente se diz o que na verdade seria o objeto da prestação, tal qual a entrega de algo ou a prestação de um serviço.

c) Forma

No tocante ao requisito formal, a regra é a liberdade da forma contratual. De forma excepcional, a lei pode exigir forma específica, como diz o art. 107 do Código Civil.

Orlando Gomes traz um exemplo, afirmando que “Nulo é, por exemplo, o contrato de compra e venda de bem imóvel de valor superior a certa quantia, se não celebrado por escritura pública” (GOMES, 1998, p. 53).

Apesar de não ser obrigatória, a forma escrita, sempre que possível, será preferida às demais, em razão da maior facilidade de provar o contrato. Sua autenticidade goza de presunção relativa, também chamada de juris tantum.

2.6 Classificação

Diversas são as classificações doutrinárias existentes, porém, decidimos por adotar àquela trazida na obra de Orlando Gomes, por entendermos tratar de forma mais abrangente as espécies de contrato e, assim, poderá ser feita uma distinção entre elas sob diversos aspectos.

a) Unilaterais e bilaterais

Muita divergência existe acerca desta classificação, porém, fundamentalmente de distinguem por ser o contrato unilateral, em sua formação, gerador de obrigações para apenas uma das partes, enquanto o bilateral forma obrigações recíprocas.

No bilateral, ambas as partes têm direitos e obrigações e, segundo Orlando Gomes, “ocupam, simultaneamente, a dupla posição de credor e devedor” (GOMES, 1998, p. 71). Já no unilateral, os efeitos passivos e ativos são divididos separadamente para cada lado.

b) Onerosos e gratuitos

No contrato gratuito apenas uma das partes afere vantagens e outra só terá desvantagens, enquanto no oneroso, ambas as partes possuem vantagens e desvantagens. Para Orlando Gomes, nos contratos gratuitos, “via de regra, à vantagem corresponde um sacrifício, [...] e o sacrifício nem sempre importa diminuição patrimonial” (GOMES, 1998, p. 73).

Temos como exemplos de contratos gratuitos o comodato e o mútuo, onde não há diminuição patrimonial, e a doação, onde há tal diminuição.

Alguns autores admitem ainda uma terceira categoria chamada de natureza mista, onde se enquadram o depósito e o mandato, que eventualmente, podem ser onerosos ou gratuitos.

Fazendo um paralelo, todo contrato bilateral é oneroso, porém, nem todo contrato unilateral é gratuito, como exemplo, o mútuo feneratício.

Os contratos onerosos podem ser comutativos ou aleatórios. Naquele, as prestações são subjetivamente equivalentes e, neste, nem sempre se sabe se a vantagem será proporcional ao sacrifício.

c) Consensuais e reais

Consensual, é o contrato que se torna perfeito e acabado com a unificação das vontades das partes, como os contratos de mandato e locação. Já os contratos reais, necessitam além da manifestação de vontade, da entrega da coisa, para que se dêem por finalizados, como no comodato e depósito.

Na dicção de Orlando Gomes,

Em princípio, o consentimento é bastante para formar o contrato, mas alguns tipos contratuais exigem que se complete com a entrega da coisa que será objeto de restituição (GOMES, 1998, p. 75).

Vale ressaltar que a existência desta classificação não vai de encontro ao princípio do consensualismo, onde ensina que para a formação do contrato, o consentimento de ambas as partes é suficiente.

d) Solenes e não solenes

Em atendimento ao princípio da liberdade das formas, em geral os contratos são não solenes, ou seja, não necessitam de forma específica para que se conclua validamente.

Excepcionalmente, quando a lei exigir, os contratos poderão obedecer à determinada forma, como por exemplo o contrato de compra e venda de um bem imóvel necessita do registro no cartório do registro de imóveis para que se constitua o direito real sobre o imóvel.

Assim, para os contratos solenes, caso não obedeça a forma prescrita em lei, serão nulos, desde que “[...] a solenidade se exigir na declaração de vontade” (GOMES, 1998, p. 78).

e) Principais e acessórios

O contrato principal é aquele que possui existência própria e do qual outros dependem, chamados acessórios, cuja principal função é assegurar o cumprimento das obrigações do principal.

São exemplos de contratos acessórios ou dependentes, o penhor e a anticrese. Desta forma, a extinção do contrato principal, fatalmente afeta o contrato acessório, porém, o contrário não ocorre.

f) Instantâneos e de duração

Em linhas gerais, os contratos instantâneos se resolvem em um só momento, enquanto que os contratos de duração, são aqueles que pela sua natureza, não é possível satisfazer a prestação em um só momento.

Como ensina Orlando Gomes,

É a natureza da prestação que determina a existência dos contratos de duração. Tais serão, tão-só, aqueles nos quais a execução não pode cumprir-se num só instante. Por esse motivo, somente há contratos de duração por sua própria natureza (GOMES, 1998, p. 79).

Os contratos de duração podem ser de execução periódica, quando se perfaz por prestações sucessivas, ou de execução continuada, quando só existe uma prestação, porém ela é exercida de forma continuada.

Por sua vez, os contratos instantâneos se dividem em contratos de execução imediata, quando a execução ocorre no mesmo momento da conclusão do contrato e, de execução diferida, onde o momento da execução é retardado. Esses últimos são também chamados de contratos à prazo.

g) Típicos e atípicos

Os contratos típicos são aqueles estão previstos na lei, enquanto os atípicos não têm existência prevista, porém, não significa dizer que a existência deles é inválida.

Os contratos típicos são também chamados de nominados e os atípicos de contratos inominados.

h) Pessoais e impessoais

Contratos pessoais ou intuitu personae, são aqueles que em que a pessoa com que se contrata é essencial para a validade do contrato, ou seja, ela é insubstituível, e o contrato é efetuado especificamente para ela.

Já os contratos impessoais, são aqueles em que não importa quem seja a pessoa contratada por não serem resguardadas suas características pessoais.

Orlando Gomes reconhece uma terceira categoria intermediária, trazendo da seguinte forma:

Entre as categorias dos contratos pessoais e impessoais, poder-se-ia admitir classe intermediária, na qual se incluiria, dentre outros, o contrato de trabalho. Deste, embora, se considere personalíssima a obrigação fundamental do empregado, decorrendo dessa circunstância as conseqüências próprias do contrato intuitu personae, a rigor, não se conclui as mais das vezes, tendo em vista as qualidades pessoais do trabalhador (GOMES, 1998, p. 83).

Assim, verifica-se que a categoria em que se incluiriam, como exemplo, os contratos de trabalho, se caracteriza como sendo o meio termo entre os contratos pessoas e impessoais, pois apesar de ser contato personalíssimo, em tese, na prática não ocorre a verificação dos aspectos pessoas do trabalhador para que se firme o contrato de trabalho.

i) Autocontrato

Esta é uma forma peculiar de contrato, pois ambos os pólos da relação jurídica, serão ocupados pela mesma pessoa. A princípio, pode-se pensar que há uma afronta ao próprio conceito de contrato, quando diz ser este um negócio jurídico bilateral, porém, o autocontrato é aquele em a mesma pessoa ocupa ambos os pólos da relação jurídica, representando,porém, duas vontades distintas.

Isso só é possível por meio da representação. Deve-se, porém, proceder com cautelar quando do uso dessa forma de contrato. Orlando Gomes assevera com propriedade que

[...] graves perigos que encerra em vista da contraposição de interesses conciliados pela mesma pessoa colocada em posições antagônicas. Se esses perigos não justificam sua proibição, contudo, só muito prudentemente se deve permiti-lo (GOMES, 1998, p. 85)

Desta forma, a utilização do autocontrato só será lícita quando o sujeito que o está firmando e ao mesmo tempo representando a parte contrária, não possa dispor sobre o conteúdo deste, ou seja, não deverá haver interesses opostos na proposta, apenas mera adesão.

2.6.1 Contratos atípicos e contratos coligados

São aqueles contratos que, de forma sintética, são criados, com fundamento no princípio do consensualismo e no princípio da liberdade de contratar, para disciplinar interesses que não foram ainda regulados pela lei.

Não se confundem com contratos inominados, pois estes são somente aqueles que não possuem nomes próprios. Já os atípicos, modificam elementos característicos de um contrato típico, e assim, desfigurando-o.

Os contratos atípicos se subdividem em mistos e atípicos propriamente ditos. Os primeiros, se formam pela junção elementos de contratos típicos.

Neste âmbito, vale ressaltar a diferença entre contratos mistos e contratos coligados, já que nestes, a junção não forma um contrato unitário, como ocorre naqueles.

Como trata Orlando Gomes,

Em resumo, distinguem-se na estruturação e eficácia as figuras dos contratos coligados e dos contratos mistos. Naqueles há combinação de contratos completos. Nestes, de elementos contratuais, enquanto possível a fusão de um contrato completo com simples elemento de outro. Pluralidade de contratos, num caso; unidade, no outro (GOMES, 1998, p. 105).

Existem, também, os contratos com cláusulas atípicas, ou seja, são contratos plenamente típicos, com a inserção de uma cláusula que não é própria daquele contrato. Temos como exemplos a venda de controle acionário e, de fundamental importância para o nosso estudo, os contratos da informática.

2.6.2 Contratos de adesão

Constitui figura peculiar no âmbito contratual, tendo em vista o seu principal traço que é a indiscutibilidade da proposta por parte do aceitante, o qual deverá aderir às cláusulas previamente estabelecidas pelo policitante.

Isto, por si só, gera discussões, já que estaria afrontando o princípio autonomia da vontade, pois, o policitante estaria limitando a liberdade de discutir as cláusulas contratuais por parte do oblato.

2.7 Formação dos contratos

Em linhas gerais, o contrato nasce no momento em que há o encontro das vontades livres das partes contratantes. Porém, não basta apenas a manifestação das vontades, é preciso um consentimento recíproco.

Existem duas fases na formação dos contratos, a proposta e a aceitação, mas antes, os contratantes passam por uma negociação preliminar. Sobre esse tema, Maria Helena Diniz ensina:

Como na formação do contrato temos que considerar duas declarações de vontade sucessivas, e é sempre uma das partes que toma a iniciativa, manifestando à outra seu desejo de celebrar o contrato, sua declaração recebe o nome de proposta, enquanto a da outra parte chama-se aceitação. Portanto, a oferta e a aceitação são elementos indispensáveis à formação de qualquer contrato, visto que o consentimento de cada um dos contratantes, convergindo para um ponto, se encontra e forma o nexo contratual; assim, manifesta-se, de um lado, pela proposta, o ponto inicial do contrato, e, de outro, pela aceitação, o seu ponto final (DINIZ, 2005, p. 48).

Em relação ao momento da formação do contrato, importa saber se o mesmo fora realizado entre presentes ou entre ausentes. No primeiro caso, ocorre quando, proponente e o aceitante emitem o consentimento no mesmo ato, independentemente da distância física entre eles. Ou seja, pode ocorrer contrato entre presentes por telefone ou por outro meio qualquer de comunicação, de acordo com o disposto no art. 428, I, do Código de Processo Civil.

Excepcionalmente, em caso de oferecimento de prazo por parte do proponente para que o aceitante se manifeste, desde que a manifestação se dê dentro do prazo, considera-se o contrato ocorrido entre presentes.

O contrato entre ausentes, leva em consideração a ausência jurídica, e não a mera ausência física, ou seja, é aquele realizado por meio de qualquer meio de comunicação, como cartas, telegramas, entre outros.

2.7.1 Negociações Preliminares

Antes da formação do contrato, ocorrem as negociações preliminares ou tratativas, onde os contratantes trocam informações sobre suas possibilidades econômico-financeiras, sem estabelecer vínculo jurídico entre as partes. Ou seja, a mera existência de negociações preliminares não cria direitos nem obrigações para os contratantes.

Com fundamento nos princípio da autonomia, o Código Civil permite que as partes realizem prévios acertos, sem, contudo, possuir força vinculante. Ou seja, para Maria Helena Diniz,

Dessas negociações não decorre, portanto, a obrigação de contratar. Logo, não se poderá imputar responsabilidade civil àquele que houver interrompido essas negociações, pois, se não há proposta concreta, se nada existe de positivo, o contrato ainda não entrou em seu processo formativo, nem se iniciou (DINIZ, 2005, p. 51).

As partes podem fazer uma minuta dos pontos já esclarecidos por elas, que poderá servir, posteriormente, de modelo para o contrato propriamente dito. Ainda nesse momento, não há vinculação nem responsabilidade entre os contratantes.

Vale ressaltar que, a responsabilidade civil aquiliana é possível quando for criada uma expectativa de contrato em que uma das partes tenha tido prejuízo em virtude desta expectativa, aquele que o causou será obrigado a reparar independentemente de culpa, com fundamento no princípio da boa-fé objetiva e nos artigos 186 e 927 do Código Civil.

2.7.2 Proposta

Também chamada de policitação, a proposta é a manifestação de vontade inicial do contrato, direcionada à parte contrária, para esta aceite ou não, e no primeiro caso, vir a formar definitivamente o contrato. Se, contudo, o recipiente aceitá-la com reservas ou alterando-a, estará surgindo uma nova proposta.

Orlando Gomes, citado por Maria Helena Diniz define proposta, policitação ou oferta como,

[...] uma declaração receptícia de vontade, dirigida por uma pessoa a outra (com quem pretende celebrar um contrato), por foca da qual a primeira manifesta sua intenção de se considerar vinculada, se a outra parte aceitar (DINIZ, 2005, p. 58).

O ato inicial do contrato possui cinco características. Primeiramente, a proposta é a expressão unilateral de uma vontade, devendo conter todas as informações necessárias para que aceitante por meio de um simples ato, seja capaz de aderir à tal oferta.

Possui força vinculante para o proponente apenas, tendo vista que nesse momento, ainda não existe contrato, mas os eventuais prejuízos causados ao aceitante pela retirada da oferta podem ser passíveis de perdas e danos.

A proposta faz parte das declarações de vontade receptícias, que, nas palavras de Orlando Gomes, “são [...] somente eficazes no momento em que chegam ao conhecimento da pessoa a quem se dirigem” (GOMES, 1998, p. 57). Desta forma, é um negócio jurídico receptício, pois precisa do recebimento pela outra parte, para produzir efeitos.

Vale ressaltar que a policitação é uma oferta de caráter pessoal, e, o fato de ser dirigida ao público não a desnaturaliza. Este tipo de proposta se diferencia das demais por possuir um número indeterminado de oblatos ou aceitantes, mas, o Código Civil prevê em seu artigo 429, abaixo transcrito, que ela se equipara a uma policitação comum, desde que estejam presentes todos os seus requisitos.

Art. 429. A oferta ao público equivale à proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos.

Na oferta ao público, para ter o direito de revogar a oferta, o policitante deverá fazer a ressalva de possibilidade de revogação, sob pena de responder, caso um terceiro venha manifestar a sua aceitação.

Além disso, a proposta, apesar de ainda não forma negócio jurídico, deve conter todos os elementos do negócio cujo objetivo é firmar com o aceitante, sem induzi-lo a erro no momento da aceitação.

Por último, nas palavras de Maria Helena Diniz, a proposta deve ser “séria, completa, precisa ou clara e inequívoca” (DINIZ, 2005, p. 61), possibilitando ao aceitante ter uma noção real do negócio jurídico que formará, caso decida aceitá-la.

Importante mencionar que a proposta poderá ser obrigatória, ou seja, o ofertante fica impedido de revogá-la por um certo período de tempo, mesmo em casos de morte, onde os herdeiros assumem as conseqüências jurídicas, podendo apenas exercer a retratação, que será explicada em tópico específico posteriormente.

Segundo Maria Helena Diniz

A obrigatoriedade da proposta consagrada pelo Código Civil, art. 427, tem por escopo assegurar a estabilidade das relações sociais, pois se fosse permitido ao ofertante retirar, arbitrária e injustificadamente, a oferta, ter-se-ia insegurança no direito, poder-se-ia causar prejuízo ao outro contratante, que de boa-fé estava convicto da seriedade da policitação (DINIZ, 2005, p. 62).

Os artigos 427, 2ª parte e 428 e seus incisos do Código Civil enumeram as hipóteses em que a proposta não será obrigatória, quais sejam, quando houver uma cláusula expressa no contrato que retire esta possibilidade, quando pela natureza do negócio carecer de obrigatoriedade ou, nas circunstâncias específicas de cada caso, previstas no artigo 428 do Código Civil.

2.7.3 Aceitação

Finalizado o papel o proponente, inicia-se a fase final das manifestações de vontade, com a aceitação, que ocorre quando o oblato aceita a oferta em todos os seus termos.

Em caso de morte ou incapacidade do aceitante após a manifestação da vontade pela aceitação da proposta, finalizado está o contrato, porém, se a aceitação não tiver sido feita antes de morrer ou se tornar incapaz, ao contrário do que ocorre na proposta, o contrato não se formará, independentemente do prazo que resta para que os herdeiros se manifestem.

A vinculação que decorre da aceitação se dá, tanto por parte do oblato quando do policitante, ou seja, a partir dela, o ato jurídico está perfeito e acabado, formando um negócio jurídico bilateral, que é o contrato.

Nos dizeres de Silvio Rodrigues citado por Serpa Lopes e trazido por Maria Helena Diniz em sua obra,

A aceitação vem a ser a manifestação da vontade, expressa ou tácita, da parte do destinatário de uma proposta, feita dentro do prazo, aderindo a esta em todos os seus termos, tornando o contrato definitivamente concluído, desde que chegue, oportunamente, ao conhecimento do ofertante (DINIZ, 2005, p. 65).

A aceitação possui como requisitos a desnecessidade de forma específica, exceto nos contratos solenes, caso contrário poderá ser tácita, como ensina Washington de Barros Monteiro no exemplo transcrito por Maria Helena Diniz,

[...] certo viajante telegrafa a um hotel para reservar acomodações dizendo que chegará em tal dia; se não receber aviso contrário, se o hoteleiro não expedir a tempo a negativa, o contrato estará concluído. Salvo essas hipóteses, o proponente não poderá impor a falta de resposta como aceitação de sua proposta (RF, 74: 64). (DINIZ, 2005, p. 66)

Também é preciso que seja feita dentro do prazo concedido pelo policitante, se houver. Tal prazo pode ser arbitrário, quando o ofertante o impõe, ou moral, quando é dado um tempo para que oblato reflita sobre a proposta.

Após o decurso do prazo, a oferta se extingue naturalmente, exceto por causas alheias à vontade do aceitante. Neste caso, caso o proponente não tenha interesse em continuar com a oferta, deverá imediatamente comunicar ao oblato, sob pena de responder por perdas e danos, nos termos do artigo 430 do Código Civil.

Vale ressaltar que para ser válida, a aceitação deverá ser feita em todos os termos da proposta, havendo uma coincidência total entre as vontades do oblato e do policitante. Ademais, Maria Helena Diniz ensina que, “Se porventura a oferta for alternativa, o oblato deverá indicar, na resposta, a sua opção, pois do contrário o ofertante poderá entender que consentiu em qualquer delas” (DINIZ, 2005, p. 67).

Por fim, o último requisito é que seja a aceitação feita de forma conclusiva, pois a imposição de condições caracteriza nova oferta.

2.7.4 Retratação

Maria Helena Diniz assevera que “[...] retratação vem a ser a recusa oportuna do negócio aceito, pois se chegar tardiamente a seu destino, o remetente continuará vinculado ao contrato” (DINIZ, 2005, p. 69).

Desta forma, o instituto da retratação nada mais é do que a possibilidade de arrepender-se por parte do oblato, desde que a comunicação do arrependimento chegue ao conhecimento do policitante antes ou em momento igual ao da aceitação.

2.7.5 Momento da conclusão dos contratos entre ausentes

É de grande dificuldade, por parte da doutrina, determinar o momento exato em que o contrato reputa-se formado quando o contrato é realizado entre ausentes, pois no contrato entre presentes, não há qualquer dúvida, já que os momentos da oferta e da aceitação coincidem, formando o contrato desde então.

Para tentar solucionar tal celeuma, surgiram duas teorias de grande importância, que tomam por base o momento da aceitação. São elas a teoria da informação ou cognição e a teoria da declaração ou agnição.

a) Teoria da informação ou cognição

Os defensores desta teoria acreditam quem o contrato se forma apenas quando o ofertante toma conhecimento da aceitação por parte do oblato, pois antes disso não se pode dizer que existe acordo de vontades.

Maria Helena Diniz afirma sobre esta teoria, que

[...] apesar de ser a que melhor corresponde à lógica jurídica, encontra-se, atualmente, em franca decadência, por ter o inconveniente de deixar ao arbítrio do policitante o momento de abrir a correspondência e tomar conhecimento da resposta, positiva e geradora do vínculo obrigatório, favorecendo, assim a fraude e a má fé do ofertante, que p. ex., conhecendo uma aceitação num momento que lhe seria desfavorável, em razão de alta no mercado, quando propusera uma venda na baixa, poderia dar como não lida a resposta do oblato (DINIZ, 2005, p. 70).

Ademais, essa situação se prolongaria ao infinito, já que o oblato iria exigir que tomasse conhecimento se o policitante recebeu a sua aceitação e assim, sucessivamente.

b) Teoria da declaração ou agnição

Esta teoria, adotada pelo Código Civil pátrio, defende que o contrato entre ausentes estará concluído no momento que o oblato aceita a proposta. Além disso, deve enviar a sua resposta ao policitante, adquirindo assim uma presunção de que o aceitante já fez tudo que lhe era possível para que a aceitação chegasse ao conhecimento do proponente, como infere-se da sub-teoria da expedição.

Nas palavras de Bassil Dower, citado por Maria Helena Diniz,

[...] poder-se-á afirmar que o vínculo contratual se torna obrigatório, em nosso direito, no momento da expedição da aceitação, salvo algumas exceções, quando se aplica a teoria da recepção (DINIZ, 2005, p. 72).

Nesse sentido, o artigo 434 do Código Civil traz algumas exceções, à teoria da declaração, tais como quando a aceitação não chega no prazo convencionado ou se o proponente tiver se comprometido de aguardar a resposta. Porém, em geral, aplica-se a teoria da declaração.

3 INTERNET

3.1 Histórico

A descoberta dos meios de comunicação de massa, tais como o telégrafo em 1838, demarca o surgimento de uma nova área denominada de universo da informação. Por conta disso, ficou constatada a necessidade de difundir tais informações pode meio de aparelhos que unissem a comunicação com o processamento de informações.

Neste contexto social surgiu a internet, tendo como instrumento necessário para o seu uso o computador, que por sua vez, data da época da Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos da América, período em que o difusão de informações começou a ser feita pelos militares, através do envio de mensagens para altos comandos. Esse primeiro computador foi denominado de ENIAC (Eletronic Numeral Integrator Analyzer and Computer).

No ano de 1951 foi lançado na Inglaterra o LEO – Lyons Eletronic Office, o primeiro computador para uso comercial. A partir de então, a evolução do mundo virtual se deu de forma mais rápida, tendo sido projetada a primeira rede de computadores nos anos 60.

É uma tendência social a organização em torno de redes e, nesse contexto, surgiu a ARPAnet (Advanced Research Project Agency Network), com o intuito de descentralizar o armazenamento de informações militares, evitando assim, que uma possível invasão à capital norte-americana de Washington, colocasse em risco a segurança nacional.

No final dos anos 80, ARPAnet foi perdendo seu caráter militar, passando a ser financiada pela NASA, instituição americana responsável por pesquisas espaciais e, em 1990 foi oficialmente denominada de Internet.

Apenas oito anos depois do seu lançamento, a internet agora disponibilizada para uso comercial, atingiu a marca de 148 milhões de usuários no mundo inteiro, surgindo assim, o comércio eletrônico através da utilização de contratos eletrônicos.

No Brasil, a internet foi inicialmente restringida às universidades e centros de pesquisa, passando em 1995 para o uso comercial e, logo depois, com a disponibilização do acesso à rede através dos provedores de acesso, a movimentação comercial atingiu a casa dos bilhões.

Para Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia,

O barateamento dos equipamentos de informática e a constante melhora de qualidade nos serviços de telecomunicações têm atraído milhares de brasileiros à rede mundial de computadores que, com o passar do tempo, vem se tornando economicamente mais acessível a todos (GARCIA, 2002).

Desta forma, a internet possibilitou o surgimento de uma nova forma de comunicação entre as pessoas, onde alguém de dentro de usa própria casa poderá receber uma mensagem de outra pessoa do outro lado do mundo em questão de segundos, e com um baixo custo.

Nos dizeres de Jeremy Rifkin citado por Sheila do Rocio Cercal Santos Leal:

a propriedade sobre as coisas, embora importante, é menos importante do que obter acesso comercial em trabalhos interligados em interesses mútuos, teias de relações humanas e comunidades compartilhadas. Pertencer é estar conectado a muitas redes que fazem parte da nova economia global. Ser um subscritor, membro ou cliente torna-se tão importante quanto ser proprietário. Isto é, maior acesso do que propriedade tem crescentemente determinado o status de alguém nesta era (LEAL, 2007, p. 07)

Assim, na fase pós-moderna em que vivemos, o mundo é não é mais dominado pelos possuidores de terras e meios de produção. Aqueles que detêm a informação possuem o poder de controlar o acesso a esta.

Diante deste fato, o Direito viu-se diante de uma situação fática sem regulamentação, tendo que verificar, de acordo com a legislação já existente e os costumes, se aquela prática estava de acordo com a realidade jurídica do país e, proteger os cidadãos dos riscos trazidos pela nova tecnologia.

Esse novo espaço até então inexistente, que se convencionou chamá-lo de “ciberespaço” ou espaço virtual, para Rodney de Castro Peixoto, transcrito por Sheila Leal, seria “o conjunto de sites, computadores, pessoas, programas e recursos que formar a Internet” (LEAL, 2007, p. 10).

Suas principais características são: intangibilidade, velocidade, quebra das barreiras geográficas e jurisdicionais, interatividade, facilidade de acesso e insegurança.

A intangibilidade significa que o mundo virtual não é um espaço físico perceptível aos nossos sentidos; ele constitui uma ficção do mundo da informática que se traduz por bits e bytes.

Posteriormente, no que tange à velocidade, um dado transmitido pela internet, pode chegar de um lado ao outro do globo terrestre em questão de segundos, emendando assim, na terceira característica, qual seja, a quebra das barreiras geográficas e jurisdicionais, onde as pessoas de diferentes partes do mundo podem transacionar sem precisar sair de suas casas.

Com isto, surge uma dificuldade em determinar qual seria a legislação aplicável às mais diversas situações que ocorrem no ciberespaço.

Essa comunicação de forma rápida e eficiente retrata a característica da interatividade, onde pessoas e sistemas se comunicam, em tempo real ou não, e tendo em vista a facilidade do acesso, com a crescente redução nos preços dos computadores, este meio de comunicação e comércio se tornou popular.

Por fim, quanto a insegurança, apesar dos crescentes avanços, o espaço virtual ainda é um ambiente vulnerável, tendo em vista o surgimento de pessoas, denominadas hackers ou crackers, que têm a intenção de cometer fraudes utilizando-se da falta de regulamentação própria aos crimes cometidos através da internet e facilidade do acesso.

3.2 Conceito e Natureza Jurídica

Para entender o conceito de Internet, primeiro é necessário entender o significado de rede de computadores, tendo em vista a confusão que, por vezes, se faz entre os dois institutos.

De acordo com Paulo césar Bhering Camarão citado por Flúvio Garcia, rede de computadores é “um complexo consistindo de duas ou mais unidades de computação interconectadas” (GARCIA, 2002).

Essas unidades são interligadas por meio de programas (softwares) e outros equipamentos eletrônicos, podendo trocar informações entre si. Como exemplo, pode-se citar uma empresa, onde todos os computadores do local ficam interligados a um servidor principal e compartilham dados entre si.

Dito isto, internet pode ser definida como uma rede de computadores de grande proporção e ilimitado acesso às informações disponíveis no ciberespaço. Observa-se, assim, que nem toda rede de computadores constitui internet, pois a internet proporciona acesso irrestrito, enquanto uma rede de computadores dentro de uma determinada empresa, como citado no exemplo acima, fica limitada àqueles que têm autorização para acessá-la.

A Norma nº 004/95 publicada pelo Ministério das Comunicações, aprovada pela Portaria nº 148/95 do Ministério da Ciência e Tecnologia, que regulamenta o uso da rede pública de telecomunicações para acesso à internet, trouxe uma definição pouco técnica deste termo, no seguinte sentido

Internet: nome genérico que designa o conjunto de redes, os meios de transmissão e comutação, roteadores, equipamentos e protocolos necessários à comunicação entre computadores, bem como o "software" e os dados contidos nestes computadores; (grifo do autor)

Como já foi explicitado anteriormente o conceito de rede de computadores não se confunde com o de internet, sendo assim, autores como Flúvio Garcia criticam tal conceito, afirmando que “a definição dada pelo legislador é falha na medida em que considera qualquer conjunto de redes de computadores interligadas, mesmo particulares e de amplitude restrita, como sendo internet” (GARCIA, 2002).

Coadunamos com o pensamento do citado autor, acrescentando que a internet seria uma espécie de rede de computadores, na modalidade pública, enquanto que uma rede doméstica a seria na espécie privada.

Na comunidade européia, diz-se que a Internet é “a rede das redes”, fazendo surgir um novo ramo do Direito, ora chamado por uns de Direito do Ciberespaço, Direito da Informática ou até mesmo Direito Virtual, tendo em vista a grande proporção que tem tomado e, enquanto não desfruta de autonomia efetivamente reconhecida.

Passando para a análise da natureza jurídica da internet, os pensamentos doutrinários divergem se seria um meio ou um lugar.
O posicionamento de Luiz Henrique Ventura explicitado por Flúvio Garcia é de que:

Se entendermos que a Internet é um lugar, muitas das questões já previamente definidas pelo Direito, tais como o foro competente, deveriam ser redesenhadas. Imagine um contrato celebrado entre uma empresa alemã e outra brasileira. Se a Internet é um lugar, onde seria assinado o contrato? A resposta, então, é nem no Brasil e nem na Alemanha, mas na Internet. A proposta e a aceitação também seriam realizadas na Internet. E, nesse caso, como definir o foro? (GARCIA, 2002)

Tal pensamento levanta a seguinte questão: sendo a internet um lugar, qual o meio utilizado para efetuar contratos “nela”? Por este motivo, entendemos como mais correta a interpretação da Internet como um meio de comunicação, podendo ser utilizado como forma de efetivação de um contrato.

Esta afirmação se fundamenta em um dos requisitos de validade do contrato, qual seja o requisito formal. De acordo com o exposto no Capítulo anterior no que tange ao requisito formal, a regra é a liberdade da forma contratual, desde que não prescrita ou defesa em lei.

Flúvio Garcia cita com propriedade um artigo publicado na Revista Consulex, que diz o seguinte:

Acompanhando o rimo dinâmico e crescente da INTERNET, as informações jurídicas têm conquistado um relevante espaço na rede, tornando a INTERNET um dos mais novos e eficazes instrumentos de cidadania e trabalho jurídico
Diversos serviços, como a declaração de impostos via net, o oferecimento de denúncias nos sites do PROCON e do Ministério Público e o fornecimento, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da certidão negativa da dívida ativa da União pela INTERNET, têm sito criados no sentido de apaziguar a burocracia, evitando que o cidadão gaste horas perambulando por repartições públicas.

Através da INTERNET, tem-se acesso direto a diversos órgãos estatais, possibilitando o acompanhamento de processos e a pesquisa, bem como pode-se, nas centenas de home-pages jurídicas, pesquisar leis, doutrinas e jurisprudências; consultar escritórios de todo o Brasil e do mundo; realizar conferências e discussões virtuais com operadores do Direito, visitar bibliotecas, autores; trocar informações; e permanecer informados sobre as mais recentes novidades do mundo jurídico (GARCIA, 2002).

Assim, entende-se que a natureza jurídica da Internet é de meio de comunicação e, portanto, um contrato celebrado por meio da internet apenas difere de outro contrato qualquer, pelo meio de comunicação escolhido para a sua efetivação.

3.3. Funcionamento e sistemas de comunicação

Para Walter Douglas Stuber e Ana Cristina Paiva Franco, trazidos na obra de Sheila Leal,

a interligação física das redes é feita por meio das linhas dos sistemas telefônicos que podem ser cabos de cobre, fibras óticas, transmissão via satélite ou via rádio, o que interfere na qualidade do funcionamento da rede (LEAL, 2007, p.15).

Ademais, além dos materiais acima trazidos, o usuário para ter acesso à Internet necessita de um modem para converter o sinal emitido pelo telefone em sinal possível de identificação pelo computador, conexão a um servidor de rede e browser, cujo mais conhecido mundialmente é o MS Internet Explorer.

Quanto à conexão, pode ser feita de forma direta pelo usuário, através da linha telefônica ou de forma indireta através de um computador denominado servidor, que por sua vez está conectado à internet.

Sobre os servidores, Sheila Leal assevera:

Estes são chamados de provedores de acesso, que possibilitam o acesso do usuário e de outros provedores à Rede, utilizando-se do serviço de telecomunicações existente (LEAL, 2007, p. 16)

Atualmente, os provedores de acesso fornecem uma infinidade de serviços com a finalidade de angariar mais usuários, tais como correio eletrônico, transferência de arquivos entre outros.

Em relação aos sistemas de comunicação, diversas são as classificações existentes no campo doutrinário. Neste estudo, será adotada a classificação proposta por Paloma Llaneza Gonzáles, presente na obra de Sheila Leal.

São seis os sistemas de comunicação na Internet: correio eletrônico, lista de correio eletrônico, base de dados de distribuição de mensagens, comunicação em tempo real, utilização remota de ordenadores em tempo real e obtenção remota de informações.

O correio eletrônico ou e-mail assemelha-se ao correio convencional, tendo em vista que estabelece uma troca de mensagens interpessoal. Difere, porém, em outros aspectos, pois, segundo Sheila Leal, no correio eletrônico,

as mensagens não encriptadas (escritas em código) podem ser acessadas pelos ordenadores intermediários que as transmitem, não se revestindo do sigilo das cartas enviadas pelo correio, as quais, salvo erro de remessa, chegam fechadas ao destinatário (LEAL, 2007, p. 19).

Ademais, a mensagem passa por vários caminhos antes de chegar ao destinatário ou destinatários e, não necessita que estejam o remetente e os destinatários, necessariamente conectados simultaneamente.

A lista de correio eletrônico funciona, em sua maior parte, de forma automática, possibilitando a troca de informações entre pessoas que compartilhem interesses entre si, bastando apenas estar inscrito nela para enviar e receber mensagens de forma direta ou indiretamente, por meio de um moderador.

Outro sistema de comunicação é a base de dados de distribuição de mensagens (user sponsored newsgroups), que muito se assemelha ao anterior, diferindo apenas na forma de realizar a comunicação.

Segundo Sheila Leal,

Os USENET newsgroups utilizam conexões par a par/ ponto a ponto, entre aproximadamente 200.000 ordenadores, chamados de servidores USENET. Caracterizam-se por discussões abertas que diferem das listas de correio porque os usuários não necessitam inscrever-se previamente, podendo acessá-las a qualquer momento (LEAL, 2007, p. 20)

Os USENET em sua maioria são livres para o acesso, armazenando as mensagens durante um tempo no servidor e, após esse período, são permanentemente excluídas do sistema.

A comunicação em tempo real, cujo programa mais conhecido é o Internet Relay Chat (IRC), onde uma ou mais pessoas conectadas à rede comunicam-se em tempo real, ocorre de forma que esses usuários digitam suas mensagens que se tornam visíveis para os demais usuários quase que instantaneamente.

A utilização remota de ordenadores em tempo real, também é um sistema que proporciona o acesso a informações disponíveis na Rede que se dá por meio de TELNET, um protocolo que permite obter um acesso remoto a um computador.

Por fim, tem-se a obtenção remota de informações por meio de FTP (file transfer protocol), Gopher e World Wide Web. O primeiro, disponibiliza os arquivos localizados em um ordenador remoto, possibilitando a transferência ao ordenador do usuário. O Gopher, é uma forma de acessar a Internet, direcionando as buscas de acordo com as informações disponibilizadas em um ordenador remoto.

O sistema de obtenção remota mais difundido mundialmente é a World Wide Web, popularmente conhecido como WWW. O acesso se perfaz por meio do protocolo de transferência de hipertexto (HTTP), que por sua vez faz a comunicação entre usuário e rede por meio da HTML (Hipertext Markup Language), que é a linguagem padrão geral na Internet.

3.4 Aspectos constitucionais, liberdade de acesso e proteção do usuário

O artigo 220 da Constituição Federal Brasileira atual traz o seguinte:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. (grifo nosso)

Assim, é garantia constitucional o direito à informação sob qualquer forma ou meio, sendo o acesso atualmente tratado como um serviço prestado à pessoa, que muito se assemelha aos institutos previstos no Código de Defesa do Consumidor.

Qualquer legislação nesse âmbito deve ser no sentido de assegurar o direito de escolha pelo consumidor dos seus fornecedores (provedores de acesso) e destes, disporem dos mais amplos meios para disponibilizar o melhor acesso sem superfaturamento.
De acordo com Liliana Minardi Paesani,

O Brasil conta com mais de oito milhões de internautas e previsões de movimentar US$ 100 bilhões no comércio eletrônico futuramente. Entretanto, muitos consumidores têm medo de comprar por esse meio, especialmente de colocar seu número de cartão de crédito na rede mundial. Em conseqüência desse justificado receio, o maior desafio dos fornecedores de produtos e serviços é justamente conquistar e reter o consumidor e estabelecer com ele, de fato, um relacionamento, uma parceria, e investir numa política de confiança (PAESANI, 2006, p. 33)

Essa informação denota que o principal entrave nas negociações pela Internet ainda continua sendo o aspecto de insegurança que ela traz para os usuários. Por isso, está havendo uma grande preocupação com a regulamentação da situação dos contratos eletrônicos, o quanto antes, tendo em vista que o comércio virtual tende a crescer cada vez mais.

Nesse sentido, a OAB seccional São Paulo desenvolveu um projeto de lei por meio de sua Comissão Especial de Informática Jurídica, que visa regulamentar o comércio eletrônico. Tal projeto foi apresentado na Câmara dos Deputados, possuindo como fundamento as leis existentes nesse sentido em diversos países, como Portugal, Estados Unidos e Itália.

As disposições deste projeto incluem a proteção do usuário da Internet que se utiliza do comércio virtual, com base em dispositivos já existentes no Código de Defesa do Consumidor para regular o comércio habitual. Além disso, traz uma proteção especial, tendo em vista a vulnerabilidade da transmissão de informações nas transações virtuais.

Percebe-se o surgimento de medidas protetivas ao usuário, com a introdução da assinatura digital como forma substitutiva da assinatura manual, um instituto ainda não disciplinado em nenhuma lei no Brasil.

Já no âmbito internacional, os Estados Unidos saíram na frente ao aprovar no ano de 2000 uma lei que reconhece como válidos documentos assinados pela internet.

Assim, nos dizeres de Liliana Paesani,

A assinatura produzida com um clique no mouse vale tanto quanto sua versão tradicional. Dessa forma, o governo americano está incentivando o uso da Internet para procedimentos corriqueiros, como realizar contratos, preencher formulários de empresas de seguros etc (PAESANI, 2006, p; 34).

Esta foi a solução mais eficaz encontrada pelos estudiosos do tema, para garantir a segurança jurídica dos documentos virtuais. De fato, o Brasil também “caminhou” no mesmo sentido ao aprovar a MP nº 2.200-2/2001, introduzindo a infra-estrutura das Chaves Públicas Brasil/ CP, atribuindo fé pública e presunção relativa de veracidade à assinatura digital.

3.5 Delitos e responsabilidade na Rede

É de amplo conhecimento que a Internet ainda é um “espaço” desconhecido pelos usuários; ela não pertence a ninguém, não é regulamentada e não se sabe precisar se é um meio ou um lugar.

Eventualmente, podem acontecer situações típicas de crimes na Internet e, então surge o problema da responsabilização dos agentes. Assim, como há uma dificuldade de identificação dos autores ou gestores das redes, a Web se torna uma anomalia no mundo dos meios de comunicação.

Para Liliana Paesani,

A Internet foi programada para funcionar e distribuir informações de forma ilimitada. Em contrapartida, as autoridades judiciárias estão presas às normas e instituições do Estado e, portanto, a uma Nação e a um território limitado. Configura-se o conflito e a dificuldade de aplicar controles judiciais na rede e surge o problema da aplicação de regras (PAESANI, 2006, p. 36).

A questão da soberania é um dos maiores entraves para a criação de uma legislação supranacional, pois, o Direito Internacional não tem caráter punitivo obrigatório; apenas para os Estados que concordarem em firmar tratados.

Devido à difusão da Internet, a privacidade das pessoas passou a ser invadida de forma corriqueira, pois, na Rede podem ser encontradas informações sobre qualquer pessoal em uma quantidade surpreendente.

Começa, então, a surgirem os problemas de crimes virtuais, com a criação da figura dos invasores dos sistemas, denominados hackers. Estes, ora atuam para solucionar os problemas de uma empresa, descobrindo e consertando falhas nos seus sistemas – hackers éticos, ora atuam com o intuito de destruir ou prejudicar pessoas, obtendo informações para as quais não teve autorização – hackers não éticos ou crackers.

São práticas comuns na Internet a ocorrência de crimes de racismo, por meio de sites de divulgação de grupos como os Skinshead, a invasão da privacidade por meio de correntes de sorte, que chegam ao seu e-mail sem autorização, porém não há nenhuma lei que proíba a sua existência, golpes bancários e crimes de pedofilia.

Ao redor do mundo, os países estão preocupados em reprimir essas práticas, como é o caso do Brasil com a criação unidades especiais para o combate de crimes virtuais, tais como a Delegacia de Crimes Praticados por Meios Eletrônicos da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

Já em países como Estados Unidos, Inglaterra e Canadá, as suas unidades policiais têm formado os cypercops, que são agentes da polícia especializados em crimes digitais.

Em 18 de janeiro de 1999 a ONU realizou uma conferência para discutir a disseminação da pornografia infantil e da pedofilia na Internet. Após discussões, os Estados participantes chegaram à conclusão de que é necessário criar um código de ética para minimizar a divulgação de imagens de conotação sexual de crianças na Rede.

Porém, há países, como o Japão, em que não existe nenhuma legislação a esse respeito, causando uma desordem geral da situação. Já no Brasil, a veiculação de imagens de criança para a exploração sexual não é disciplinada por legislação pertinente à internet, mas o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe tal prática.

Desta forma, entende-se que “enquanto não forem criadas leis específicas, as condutas dos crimes digitais deverão ser adequadas ao Código Penal” (PAESANI, 2006, p. 41).

3.6 Principais características jurídicas da internet

Na era da pós modernidade, a Internet passou a ser um dos meios de comunicação mais difundidos no mundo, tendo em vista a sua facilidade de acesso, rapidez na obtenção de informações, praticidade, entre outras características.

A seguir, serão tratadas as principais características jurídicas desta Rede.

3.6.1 Relativização das noções de tempo e espaço

Sobre a relativização dos conceitos de tempo e espaço, Sheila Leal, com propriedade, diz o seguinte:

Para o Direito, o tempo é relevante na determinação do momento da aquisição e/ou extinção dos direitos, na fixação da vigência das leis e dos negócios jurídicos, no estabelecimento das regras para a contagem dos prazos em geral (LEAL, 2007, p. 23)

Desta forma, a Internet veio quebrar os paradigmas que regem os contratos em geral, ao relativizar as noções de espaço e tempo, quebrando barreiras geográficas e permitindo que o mundo inteiro se comunicasse de forma mais rápida.

As definições do espaço e do tempo são relevantes para determinar qual será a lei aplicável no caso concreto e qual o foro competente para eventuais conflitos.

Em relação ao tempo, uma das vantagens trazidas pela Rede, é a possibilidade de efetuar transações comerciais, mesmo fora do horário comercial do estabelecimento físico do seu fornecedor.

3.6.2 Liberdade de uso e vazio de regulamentação

O uso da Internet é ilimitado aos seus usuários, não possuindo fronteiras ou barreiras. Não há, nesse sentido, um órgão internacional responsável pela regulamentação de seus atos, ficando a critério de cada país disciplinar no seu ordenamento jurídico da forma mais conveniente.

Apesar disso, alguns países ainda não possuem nenhuma regulamentação para as transações efetuadas de forma virtual, criando o que pode se chamar de “vazio de regulamentação”.

Os posicionamentos doutrinários divergem quanto à necessidade de legislação específica para tratar as questões travadas no ciberespaço. Os EUA adotaram a posição de deixarem a critério do setor privado a regulamentação de tal meio, porém, defendendo a necessidade de criação de um código comercial de regras fundamentais, para nortear o comércio eletrônico.

De forma oposta, há quem defenda que a Internet deve ser regulada por meio de analogia e direito comparado, sendo a Internet um meio auto-regulável. E por, fim, existem posicionamentos, como os de Arnoldo Wald e Ronaldo Lemos da Silva Júnior, citados na obra de Sheila Leal, que defendem a “necessidade de uma legislação e regulamentação específicas, sem a perenidade dos códigos” (LEAL, 2007, p. 27).

Na atualidade, temos o Código de Conduta de Portugal, apresentado em 2000, como modelo de auto-regulamentação, porém, este não é o ideal, como bem afirma Sheila Leal:

... o ideal seria mesmo uma regulamentação supranacional, neutra, que transcendesse os limites territoriais dos países e alcançasse todo o mundo. Porém, essa solução, ao mesmo por ora, não se apresenta como viável, seja porque se está ainda muito longe de alcançar uma neutralidade, seja em razão da soberania dos Estados e de suas peculiaridades de ordem social, econômica e cultura, das quais derivam necessidades diversas que os distinguem dos demais Estados (LEAL, 2007, 28).

Nesse sentido, qualquer legislação proposta deverá estabelecer normas de caráter geral, permitindo uma mobilidade maior do aplicador do direito para adaptar às diferentes e permanentemente mutáveis situações que surgem na Internet com reflexos no âmbito jurídico.

A lei modelo da UNCITRAL, lei que surgiu nos Estados Unidos e que será tratada posteriormente neste estudo, tem sido tomada como referencial por vários países, inclusive o Brasil, que possui dois projetos de lei em tramitação, o Projeto 1589/99 da OAB seccional São Paulo e o Projeto 4906/01.

3.6.3 Tendência à dispensabilidade dos documentos físicos

Os serviços bancários, as compras, e até mesmo a processualística brasileira, caminha para dispensabilidade do uso de documentos físicos, representados por papel, e a utilização de dados digitais.

Sobre a relevância desta característica para o presente tema, Sheila Leal afirma que,

...é relevante no âmbito do presente trabalho no que diz respeito à segurança e à validade das contratações em meio eletrônico, à medida que se indaga se tais transações, como todos os riscos que apresentam, têm ou não a mesma validade jurídica das transações documentadas em papel.

Estudos desenvolvidos pelo IDC – Instituto de Direito do Consumidor – revelaram que quase 37% dos brasileiros que acessam a Internet não se utilizam da Web para fazer compras por não confiarem na segurança dos sites de comércio eletrônico (LEAL, 2007, p. 32).

Desta forma, reitera-se o que já foi dito antes, acerca da emergente necessidade de desenvolver um sistema de proteção ao usuário mais eficaz, com o intuito de aumentar a confiabilidade destes no sistema de comércio eletrônico.

4 CONTRATOS ELETRÔNICOS

4.1 Conceito

O conceito de contrato eletrônico não é unânime na doutrina, variando desde sua nomenclatura até os elementos característicos. Porém, quanto à nomenclatura utilizada, por ser a mais difundida no Brasil e na comunidade internacional, é mais apropriado utilizar o termo contrato “eletrônico” do que contrato “virtual”.

Inicialmente, encontraremos duas posições: a primeira que defende como contrato eletrônico apenas aquele realizado por meio de computador e a segunda, afirma ser o contrato se firma “de modo audiovisual através de uma rede internacional de telecomunicações e de uma aceitação suscetível de manifestar-se por meio de interatividade” (ITEANU, apud LEAL, 2007, p. 78).
Esta última posição trata os contratos eletrônicos em sentido geral, incluindo como meio de realização dos mesmos quaisquer meios de telecomunicação, tais como telefone, fax, e por sua vez, o computador.

De outro modo, deve-se lembrar que “eletrônico” é o meio pelo qual as partes escolheram para efetivar o contrato, tendo em vista que, em geral, a lei não exige forma específica, o contrato pode ser realizado sob qualquer forma, desde que não contrária a lei.
Assim, nos dizeres de Sheila Leal, “pode-se entender por contrato eletrônico aquele em que o computador é utilizado como meio de manifestação e de instrumentalização da vontade das partes” (LEAL, 2007, p. 79).

Há que distinguir os contratos eletrônicos dos contratos da informática, pois esses não são necessariamente efetuados através do computador, mas o objeto de sua prestação é voltado para o ambiente de digital, tais como os contratos de desenvolvimento de websites e de divulgação de publicidade na internet.

Da mesma forma, diferenciam-se os contratos concluídos pelo computador dos executados por computador. Nos primeiros, o computador é um instrumento para a formação do contrato, ou seja, ele é uma parte necessária para a formação da relação jurídica.

Já nos contratos executados por computador, o contrato não é efetivado de forma eletrônica, mas a execução do objeto contratual é feita por meio do computador. O contrato fora firmado de forma comum, mas deverá ser executado eletronicamente.

Assim, “se as partes manifestarem a vontade através de veiculação de mensagens eletrônicas, tais contratos, independentemente da natureza do objeto contratual, integram-se à categoria de contratos eletrônicos” (LEAL, 2007, p.81).
Para Sheila Leal, o que importa para a caracterização de um contrato como eletrônico ou não, é se a expressão das vontades se deu virtualmente, ou melhor, através de um computador.

4.2 Princípios específicos da contratação eletrônica

Como fora exposto no primeiro capítulo, os princípios gerais do Direito Contratual são aplicados à contratação eletrônica. Porém, existem princípios específicos que regem tais contratos e, por não haver muitas leis disciplinando o tema, os princípios se revestem de uma importância ainda maior, já que são eles que darão suporte para a criação de uma legislação específica no Brasil.

4.2.1 Princípio da equivalência funcional dos contratos realizados em meio eletrônico com os contratos realizados por meios tradicionais

Fundamentalmente, um contrato efetivado no mundo virtual, possui as mesmas características e os mesmos efeitos que um contrato comum. Por isso, as leis existentes conferem validade jurídica da mesma forma que os contratos já regulados possuem.

É o que trata o art. 5º da Lei Modelo da Uncitral feita pelos Estados Unidos em 1996, o art. 3º do Projeto de Lei 1.589/99 da OAB/SP e os arts. 28 e 32 do Projeto de Lei 4.906/2001.

Nesse sentido, o art. 5º da Lei Modelo da Uncitral trata que, “Não se negarão efeitos jurídicos, validade ou eficácia à informação apenas porque esteja na forma de mensagem eletrônica”. Portanto, garante-se que os contratos firmados eletronicamente terão validade e eficácia jurídica da mesma forma que um contrato celebrado de forma comum.

4.2.2 Princípio da neutralidade e da perenidade das normas reguladoras do ambiente digital

Dada a constante mudança no ambiente digital, tendo em vista o desenvolvimento da tecnologia e o surgimento de novos softwares e sistemas mais avançados, o princípio da neutralidade e da perenidade das normas reguladoras do ambiente digital representa um papel de suma importância.

Assim, para Sheila do Rocio,

As normas devem ser neutras para que não constituam em entraves ao desenvolvimento de novas tecnologias e perenes no sentido de se manterem atualizadas, sem necessidade de serem modificadas a todo instante (LEAL, 2007, p. 91)

A futura legislação deverá permanecer aberta a novas descobertas, sem, contudo precisar ser re-criada toda vez que houve um avanço na tecnologia, devendo, portanto, ser flexível para comportar as mudanças jurídicas. Nesse mesmo sentido, dispõe o art. 13 da Lei Modelo Uncitral.

4.2.3 Princípio da conservação e aplicação das normas jurídicas existentes aos contratos eletrônicos

O Direito não pode deixar sem solução as diversas situações jurídicas que ocorrem no nosso dia-a-dia, desta forma, como os contratos eletrônicos guardam todas as características básicas do contrato comum, a eles devem ser aplicadas as normas a esses relativas.

Independentemente de ser “fechado” no mundo virtual, um contrato de compra e venda, por exemplo, não deixará de sê-lo apenas por ter sido concluído eletronicamente.

Este é o posicionamento de Jorge Lawand que afirma que:

Os elementos essenciais do negócio jurídico – consentimento e objeto, assim como suas manifestações e defeitos, além da própria tipologia contratual preexistente, não sofrem alteração significativa quando o vínculo jurídico é estabelecido na esfera do comércio eletrônico (LAWAND, apud LEAL, 2007, p. 92)

Assim, presentes os elementos essenciais do contrato, não há porque dar tratamento diverso ao contrato eletrônico, principalmente quando há uma carência de legislação específica em relação a esse instituto.

Mais uma vez, analisando o posicionamento de Lawand,

A internet não cria espaço livre, alheio ao Direito. Ao contrário, as normas legais vigentes aplicam-se aos contratos eletrônicos basicamente da mesma forma que a quaisquer outros negócios jurídicos. A celebração de contratos via Internet se sujeita, portanto, a todos os preceitos pertinentes do Código Civil Brasileiro (Código Civil). Tratando-se de contratos de consumo, são também aplicáveis as normas do Código de Defesa do Consumidor (Código de Defesa do Consumidor). (LAWAND, apud LEAL, 2007, p. 93)

Os aplicadores do Direito, portanto devem fazer uso das formas interpretativas da legislação, como a analogia e a integração, para solucionar as situações que venha a surgir e que encontrem corresponde na legislação contratual em vigor.

Porém, existem aspectos da contratação eletrônica que não encontram correspondentes na legislação, como é o caso da prova e meios de pagamento. Desta forma, não se pode negar a necessidade da criação de leis específicas para disciplinar tal instituto, devendo complementar às existentes e não substituí-las.

4.2.4 Princípio da boa-fé objetiva e os contratos eletrônicos

O princípio da boa-fé já fora explicado no Capítulo 1 em relação aos contratos em geral, porém, devido à vulnerabilidade do mundo virtual, os contratos eletrônicos expõem os participantes a maiores riscos, com grandes possibilidades de fraudes. É nesse cenário que se justifica o uso da boa-fé objetiva nos contratos virtuais.

A primeira legislação específica a trazer tal princípio de forma expressa foi o Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista a hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor. É o que se pode ver no art. 4º do citado diploma legal:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

[...]III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. (grifo do autor)

Em suma, é o princípio que visa a proteção da parte mais fraca da relação jurídica, esperando que a parte que possui mais vantagens em relação à outra, aja de forma justa e leal, honrando com a confiança nela depositada.

A boa-fé objetiva também encontra previsão no Código Civil, em seu artigo 422, sendo destacado o posicionamento de Nalin no sentido do momento de sua aferição no processo civil, qual seja:

Sempre caberá ao aplicador – juiz – o dever de, em consulta aos seus próprios valores éticos comportamentais, manifestar-se caso a caso, se as partes agiram segundo um standart da boa-fé objetiva, estabelecido a partir do seu próprio imaginário (NALIN, apud LEAL, 2007, p. 96).

Ou seja, a análise do atendimento a este princípio deve ser feita casuisticamente pelo magistrado, no julgamento do processo, tendo em vista a sua própria convicção do conceito de boa-fé.

4.3 Classificação

No presente estudo será analisada a classificação dos contratos eletrônicos inicialmente proposta por Pereira dos Santos e Mariza Delapieve Rossi, mencionada na obra de Sheila Leal, na qual divide tais contratos em relação à interação humana com a máquina.

4.3.1 Contratos eletrônicos intersistêmicos

Em linhas gerais, são aqueles realizados automaticamente entre máquinas, após terem sido predefinidas certas configurações nos sistemas pelo homem. São geralmente utilizados por grandes empresas para, por exemplo, minimizar o trabalho de reposição de estoque.

Como diz Sheila do Rocio,

Usualmente, as empresas envolvidas na contratação, via EDI, precedentemente ao início das operações comerciais eletrônicas, já disciplinaram e detalharam os direitos e obrigações e as atribuições de cada parte. Contudo, após a programação dos programas aplicativos, não há mais manifestação de vontade humana. As máquinas operam, automaticamente, sem qualquer intervenção do homem (LEAL, 2007, p. 83).

EDI (Eletronic Data Interchange) é a forma de comunicação em que diversos aparelhos eletrônicos trocam informações por meio de protocolos. A tradução literal do termo seria “Troca Eletrônica de Dados”.

A doutrina italiana defende a inexistência de vontade humana nos contratos eletrônicos intersistêmicos, tendo em vista que certas decisões, como marca e quantidade do produto a ser adquirido, são tomadas pelos computadores e não pelas máquinas. Nesse sentido, Moreno Navarrete defende a existência de uma “vontade informática”.

Porém, não seria essa posição a mais acertada, tendo em vista que na criação e programação dos programas operados nas máquinas, houve a vontade humana que já predeterminou as linhas gerais do processo de contratação. Assim, fatalmente, mesmo que de forma indireta, haverá participação da vontade humana nos contratos eletrônicos intersistêmicos.

No caso de falhas dos sistemas, a responsabilidade deverá recair sobre aquele em benefício do qual a máquina estava atuando, tendo em vista que a opção por este método de contratação foi exclusiva daquela pessoa, mesmo sabendo que nenhuma máquina é imune a falhas. Existe uma aceitação tácita aos riscos do sistema no momento de sua escolha.

No caso concreto, deve-se analisar se a falha foi devido a defeito em um ou ambos os sistemas ou, se de fato, decorreu de descumprimento de obrigação contratual, caso em que, autoriza a rescisão imediata do contrato.

4.3.2 Contratos eletrônicos interpessoais

Esse tipo de contrato se perfaz através da comunicação entre pessoas por meio de um computador, em todas as fases da efetivação do contrato. É mais comumente feito em salas de chat (bate-papo) ou e-mail (correio eletrônico).

Dada a grande semelhança dos contratos eletrônicos interpessoais via e-mail com os efetuados por correio convencional, tendo em vista o caminho virtual que a mensagem percorre, através de servidores, até atingir o seu destinatário, tais contratos são contratos se equiparam àqueles efetivados por carta, sendo denominados de contratos à distância.

Em relação aos contratos feitos em salas de chat, a comunicação entre o contratante e o contratado se faz em tempo real, assemelhando-se, assim, aos contratos realizados pelo telefone. Por vezes, a semelhança entre esses dois tipos de contrato é tão grande que existe a possibilidade de a conversa nos chats além ser digitada, vir acompanhada por voz, dependendo do software utilizado.

De acordo com Sheila Leal, no tocante à classificação feita por Erica Brandini Barbagalo,

Os contratos eletrônicos interpessoais podem ser simultâneos, quando “celebrados em tempo real, on line”, propiciando interação imediata das vontades das partes, a exemplo dos contratos em salas de conversação ou videoconferência, e, como tal, considerados entre presentes; não simultâneos, quando entre a manifestação de vontade de uma das partes e a aceitação pela outra decorrer espaço mais ou menos longo de tempo. A esta última categoria pertencem os contratos por correio eletrônico, equiparados aos contratos entre ausentes, já que mesmo estando as partes se utilizando de seus computadores, concomitantemente, faz-se necessária nova operação para se ter acesso à mensagem recebida. (LEAL, 2007, p. 86)

Tal distinção é de suma importância, tendo em vista que, dependendo da classificação dos contratos (entre presentes ou entre ausentes), os efeitos jurídicos serão diversos, causando conseqüências igualmente diferentes.

4.3.3 Contratos eletrônicos interativos

Esta última forma de contrato eletrônico se caracteriza pela comunicação entre uma pessoa e um sistema, comumente vista nas lojas virtuais, onde tal sistema, que já foi previamente programado pelo seu criador ou seu operador, realizado operações automáticas com o contratante, tendo em vista a oferta de bens e serviços no ambiente digital.

Sheila Leal, no tocante à divulgação dos produtos no ciberespaço, assevera:

No momento em que tais informações são disponibilizadas na Internet considera-se feita a oferta ao público e, conseqüentemente, manifestada a vontade do fornecedor. Já a vontade do consumidor é manifestada no momento em que ele acessa o sistema aplicativo e com ele interage, preenchendo os campos eletrônicos à sua disposição. Ao confirmar os dados, o consumidor conclui a aceitação. (LEAL, 2007, p. 87)

Há um domínio do mercado de consumo nesta última categoria, onde os produtos são anunciados, contendo todas as especificações após, o consumidor já poderá manifestar a sua aceitação através do preenchimento dos seus dados bancários para pagamento em um simples formulário disponibilizado pelo próprio site de compras.

Os contratos eletrônicos interativos são também chamados de “contratos por clique”, pois através do clique do mouse o indivíduo realiza a confirmação dos seus dados e, efetiva o contrato.

Vale ressaltar que tais contratos são considerados como contratos de adesão, tendo em vista a impossibilidade de discussão das cláusulas por parte do aceitante. Ele simplesmente aceita ou não as cláusulas unilateralmente estipuladas pelo fornecedor.
Da mesma forma que os contratos interpessoais, os interativos são contratos à distância, tendo em vista que são feitos por meio do computador e não na presença de ambas as partes contratantes, sendo aplicáveis aos contratos de consumo efetivados por esta modalidade, as normas relativas à contratação à distância previstas no Código de Defesa do Consumidor.

4.4 Validade dos contratos eletrônicos

O quesito da validade está diretamente ligado à segurança e estabilidade que se espera dos contratos no mundo jurídico. É a possibilidade de se valer daquele documento como prova processual ou como título representativo de uma obrigação.

O ambiente virtual, por si só, inspira insegurança por parte dos usuários da Internet para realizar transações comerciais, tendo em vista as incertezas por ele trazidas, quanto: às partes da relação contratual, à forma do documento, à oferta dirigida ao público e etc.

Válido, portanto, é tudo aquilo que está de acordo com o ordenamento jurídico vigente e que atende aos princípios gerais do direito, à ética e à justiça sociais. Para avaliar tal validade, é necessário observar os elementos de validade dos contratos eletrônicos, os quais podem ser subjetivos, objetivos ou formais.

4.4.1 Elementos subjetivos

Os elementos subjetivos dizem respeito às características pessoas dos contratantes, ou seja, a capacidade das partes e o consentimento não viciado.

Primeiramente, cumpre repetir o que já foi dito a respeito da capacidade das partes para os contratos em geral, onde apenas é válido o contrato realizado por pessoas capazes, assim consideradas pelo Código Civil, como os maiores de dezoito anos, desde que não estejam com as faculdades mentais comprometidas, como nos artigos 3º e 4º do mesmo diploma legal.

Assim, os atos praticados por um absolutamente incapaz são passíveis de nulidade, enquanto que os praticados por um relativamente incapaz estão sujeitos à anulabilidade, como se vê nos artigos 166, inciso I e 177, inciso I, ambos do Código Civil.

Tais normas têm por finalidade a proteção dos incapazes e, portanto, na prática, são relativizados os atos cotidianos praticados por estes, pois presume-se a aceitação dos pais.

Porém, no que tange à contratação eletrônica, não se pode considerar como corriqueira a aquisição de produtos por menores através da Internet, tendo em vista apenas a facilidade de acesso e navegação. Deve-se analisar no caso em concreto se o ato praticado pelo incapaz era um ato em que se poderia presumir a aceitação dos seus responsáveis legais.

Vale ressaltar que a relativização da incapacidade para os atos corriqueiros é um caso excepcional que considera a realidade fática da situação. Assim, estão juridicamente sujeitos à anulação ou anulabilidade, desde que solicitada pelo representante legal.

O Código Civil traz a situação específica do menor que realiza um contrato ocultando a sua idade ou fazendo-se passar por agente capaz no art. 180, in verbis:

Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.

Depreende-se deste artigo que, ao menor aplicar-se-á o princípio da boa-fé e a máxima de que ninguém pode se beneficiar da sua própria torpeza, devendo seus representantes legais responderem pelos prejuízos causados.

Por conta disso é que os sites de compras pela Internet trazem formulários onde é solicitado ao usuário o preenchimento de alguns dados pessoais, tais como data de nascimento e, ainda advertem que é proibida a contratação com menores de dezoito anos.

Em relação à manifestação de vontade efetivada através da Internet, esta se dá através da trocas de mensagens eletrônicas entre os contratantes, que, pela definição contida no art. 2º da Lei Modelo da Uncitral, é “a informação gerada, enviada, recebida ou arquivada eletronicamente, por meio óptico ou similares”.

A formação do consentimento ocorre, nos contratos intersistêmicos, no momento da celebração do acordo entre ambas as partes operadoras dos sistemas que, posteriormente irão efetuar a troca de mensagens eletrônicas automaticamente. Já nos contratos interpessoais, o consentimento se dá com o envio do e-mail de confirmação para a outra parte e, nos contratos interativos, geralmente se concretiza com um clique no botão “confirma” ou qualquer outro correspondente.

O Brasil deu um passo à frente no estabelecimento da segurança das contratações virtuais ao estabelecer no Projeto de lei nº 4.906/2001, requisitos para atribuir validade às mensagens enviadas eletronicamente, como se vê:

Título V – Do Comércio Eletrônico

Capítulo I – Da contratação no âmbito do comércio eletrônico

[...]
Art. 26. Sem prejuízo das disposições do Código Civil, a manifestação de vontade das partes contratantes, nos contratos celebrados em meio eletrônico, dar-se-á no momento em que o destinatário da oferta enviar documento eletrônico manifestando, de forma inequívoca, a sua aceitação das condições ofertadas.

§1º A proposta de contrato por meio eletrônico obriga o proponente quando enviada por ele próprio ou por sistema de informação por ele programado para operar automaticamente.

§2º A manifestação de vontade a que se refere o caput deste artigo será processada mediante troca de documentos eletrônicos, observado o disposto nos artigos 27 a 29 desta lei.

Art. 17. O documento eletrônico considera-se envido pelo remetente e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço eletrônico definido por acordo das partes e neste for recebido.

Art. 28. A expedição do documento eletrônico equivale:

I – à remessa por via posta registrada, se assinado de acordo com os requisitos desta lei, por meio que assegure sua efetiva recepção; e

II – à remessa por via postal registrada com aviso de recebimento, se a recepção for comprovada por mensagem de confirmação dirigida ao remetente e por este recebida.

Assim, considerar-se-ão válidos os atos concluídos eletronicamente, desde que preenchidos os devidos requisitos, pois os contratos são regidos pelo princípio da liberdade das formas, desde que não prescrita ou defesa em lei.

Além disso, deve-se observar se o consentimento manifestado pelas partes está livre de vícios, considerando como tais, todos aqueles aplicáveis aos contratos em geral.

Especificamente em relação aos contratos eletrônicos de consumo, por ser, em sua maioria, contratos de adesão, Código de Defesa do Consumidor ainda exige que esse consentimento seja informado, estando previsto nos artigos 6º, inciso III, 30, 31, 46 e 48, todos do CDC.

4.4.2 Elementos objetivos

Os elementos objetivos estão relacionados com o objeto da relação jurídica contratual e os meios eletrônicos de pagamento utilizados pelos contratantes.

Assim como todos os contratos usuais, o contrato eletrônico deve ter um objeto lícito, possível e determinado ou determinável, conceitos já identificados no Capítulo próprio para a caracterização dos elementos dos contratos em geral ou, serviços, que são exemplos de bens imateriais.

Atualmente, um dos bens imateriais mais comuns para a realização de contratos é a informação. Assim, devido ao seu valor e à facilidade de se obtê-las por meio da Internet, os fornecedores desse de informações valiosas sobre os seus consumidores, deve adotar todas as medidas cabíveis para mantê-las sigilosas, preservando a relação de confiança que o consumidor nele depositou.

No que tange ao provedor de acesso à Internet, existe uma relação jurídica de prestação de serviços, fixada mediante contrato e protegida pelo Código de Defesa do Consumidor, respondendo assim, de forma objetiva pelos dados causados ao usuário devido à má prestação do serviço, como por exemplo, falhas do sistema que impeçam o envio de e-mails.

De outro modo, o provedor de acesso não é parte na relação jurídica firmada entre duas pessoas pela Internet, pois o seu papel é de fornecer apenas os endereços de IP. Assim, seria o mesmo que reconhecer a companhia telefônica como parte no contrato efetuado entre duas pessoas por meio de telefone.

Estabelecido o objeto do contrato, passa-se para a análise das formas eletrônicas de pagamento. Nesse sentido, a parte aceitante da oferta, se identifica através de uma senha que lhe dá acesso aos fundos de suas contas bancárias e, a partir de então, são transferidos os valores para o beneficiário.

Rodney de Castro Peixoto diz que,

...os sistemas mais utilizados de pagamento em meio eletrônico são: cartões de crédito, cartões de uso exclusivo para uso em ambiente virtual (cartões inteligentes – e-card), carteiras eletrônicas, dinheiro eletrônico – e-cash e cartão de débito. (PEIXOTO, apud LEAL, 2007, p. 143)

Tais meios de pagamento se sujeitam a diversos procedimentos estabelecidos pelos fornecedores, para garantir ao consumidor a validade e segurança de suas transações, tais como assinatura digital, criptografia e certificação digital.

4.4.3 Elementos formais

O primeiro elemento formal é justamente a forma de realização do contrato, que de acordo com o art. 107 do Código Civil, é livre, desde que a lei não estabeleça forma específica, como no clássico caso do contrato de compra e venda de imóvel.

Em segundo lugar, tem-se a segurança de que o contrato eletrônico firmado tem validade, que não fora adulterado e, que as partes contratantes são de fato quem dizem ser.

Nas palavras de Sheila do Rocio,

No mundo virtual, o original de um documento não distingue de uma cópia não há assinatura de próprio punho sobre um papel, como ocorre com os contratos escritos, o que leva a um enorme potencial de risco para ocorrência de fraudes [...] (LEAL, 2007, p. 148).

A tecnologia utilizada na Internet facilita a adulteração dos documentos, devendo estes serem regulados por legislação específica, tendo em vista as peculiaridades aos quais estão sujeitos. Porém, enquanto isso não ocorre, aplicam-se as leis existentes em nosso ordenamento, no que couber.

A insegurança que os documentos geram também se projeta para as partes do contrato. O consumidor, por exemplo, não sabe ao certo se, fazendo o pagamento, receberá a mercadoria do fornecedor, bem como o fornecedor não sabe se está efetivando um contrato com agente capaz.

Isso é um empecilho para o crescimento do mercado eletrônico e, de acordo com dados levantados por Renato Opice Blum em 2001,

Segundo pesquisa da Módulo, 30% das empresas brasileiras já foram atacadas por hackers, entre as empresas que contabilizaram prejuízos com invasões 13% tiveram perdas acima de R$ 1 milhão. [...] Os principais pontos de invasão são as redes internas (41%), Internet (38%) e acesso remoto (14%) (BLUM, apud LEAL, 2007, p. 150).

É por esse motivo que as empresas têm entendido que a segurança digital é um bom investimento a ser feito e, as grandes, ditas confiáveis, empresas utilizam um selo de segurança digital que garante a integridade do procedimento o sigilo das informações fornecidas pelos seus consumidores.

4.4.4 Requisitos de validade dos documentos eletrônicos

As transações eletrônicas geram um documento, do qual se espera validade de possibilidade de servir como prova processual, futuramente. Assim, a legislação atual ainda não disciplina os requisitos de validade de tais documentos, mas, são recomendadas a verificação de alguns requisitos.

Primeiramente, os fornecedores devem-se garantir aos consumidores a confidencialidade dos dados, para que não sejam utilizados além da finalidade contratada. Esses dados, geralmente envolvem senhas de contas bancárias, números de cartões de crédito, endereço e, a má-utilização por parte do fornecedor, gera a responsabilidade deste.

Em seguida, deve-se garantir a autenticidade de um documento, com identificação das partes e da origem das mensagens. Assim, para Cesar Viterbo Santolim,

Para que a manifestação de vontade seja levada a efeito por um meio eletrônico (isto é, não dotado de suporte cartáceo, que se constitui no meio tradicional de elaboração de documentos), é fundamental que estejam atendidos dois requisitos de validade, sem os quais tal procedimento será inadmissível:

a) o meio utilizado não deve ser adulterável sem deixar vestígios; e

b) deve ser possível a identificação do(s) emitente(s) da(s) vontade(s) registrada(s) (SANTOLIM, apud LEAL, 2007, p. 155).

Ou seja, o fornecedor deve garantir aos seus consumidores que a eventual adulteração por um terceiro de má-fé, dos documentos por ele emitidos, não poderá ser feita de forma a gerar a impunidade deste.

Passa-se, em seguida, para a avaliação da integridade, que guarda forte ligação com a autenticidade do documento, já que tem a ver com a adoção de medidas por parte do fornecedor, para que o documento gerado possua qualidades que impeçam ou dificultem a sua adulteração.

Por fim, o não repúdio é a garantia que o emissor de uma mensagem não poderá negar que o fez e, o receptor não terá como se escusar do seu recebimento. Assim, para Angela BRASIL, “o que o Não Repúdio traz de novo é quase um seguro contra a alegação de que o negócio não foi feito e a certeza que se houver uma disputa judicial a cláusula será uma garantia para as partes” (BRASIL, apud LEAL, 2007, p. 157).

Desta forma, as partes serão solicitadas que, expressamente, concordem com a não rejeição, utilizando-se, para tanto, de uma empresa certificadora que comprove a integridade do documento, para que seja possível sua utilização como meio de prova perante terceiros.

4.4.5 Valor probante

Sheila Leal, utilizando-se das palavras de Eduardo Cambi, conceitua prova de três formas:

Como atividade prova é sinônimo de instrução ou conjunto de atos, realizados pelo juiz e pelas partes, com a finalidade de reconstrução dos fatos que constituem o suporte das pretensões deduzidas e da própria decisão. [...] Como meio, a prova é vista como um instrumento pelo qual as informações sobre os fatos são introduzidas no processo. [...] Como resultado, a prova é sinônimo de êxito ou de valoração, consubstanciado na convicção do juiz (LEAL, 2007, p. 169).

Assim, como provas de um processo, o juiz poderá fazer uso de quaisquer documentos, utilizando-se do princípio probatório do livre convencimento motivado, o qual é adotado pelo Brasil, valorando-as da forma que julgar necessária.

Para o art. 371 do Código de Processo Civil,

Art. 371. Reputa-se autor do documento particular:

I – aquele que o fez e o assinou;

II – aquele, por conta de quem foi feito, estando assinado;

III – aquele que, mandando compô-lo, não o firmou, porque, conforme a experiência comum, não se costuma assinar, como livros comerciais e assentos domésticos.

Já vimos que os documentos eletrônicos particulares podem ser adulterados e, por esse motivo, não podem ser equiparados aos documentos particulares escritos, pois não se pode identificar se, quem o enviou é realmente a pessoa que está contida nele.

Assim, para efeitos de prova, esses documentos se assemelham a um contrato oral ou por telefone. Vale ressaltar, que, de um modo geral, a prova da validade, em um processo, cabe a quem alega, porém, se ficar caracterizada a relação de consumo, e havendo as hipóteses do art. 6º, VIII do CDC, o ônus da prova será invertido.

Caso seja alegada a falsidade de um documento, o juiz determinará a realização de perícia técnica para verificar se o documento é valido ou não.

Por fim, deve-se lembrar que, no momento em que forem regulados, legalmente, os documentos eletrônicos, terão garantida eficácia probatória devido ao disposto no artigo 332 do Código de Processo Civil que diz, em suma, que todos os meios de prova admitidos em direito são cabíveis.

4.5 O Código de Defesa do Consumidor nos contratos eletrônicos de consumo

A revolução das comunicações trouxe consigo a facilidade de acesso à informação e, com isso, cresceram as relações sociais e econômicas. Assim, surgiu a necessidade de criação de um instituto que protegesse de forma mais ampla as relações contratuais desenvolvidas pelos indivíduos no âmbito das relações de consumo.

Nesse sentido, surgiu o Código de Defesa do Consumidor, por meio de intervenção estatal na economia, que traz regras próprias sobre os mais diversos ramos do direito, sendo definido como um microssistema jurídico.

Com o surgimento da internet, as relações de consumo ganharam outra dimensão, e a insegurança jurídica criada pelo ciberespaço ressaltou a necessidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações de consumo na Internet.
Vale ressaltar que relação de consumo é toda aquela que envolve um consumidor e um fornecedor, girando em torno de um produto ou serviço. Os arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, trazem os conceitos de consumidor, fornecedor, produtos e serviços, quais sejam:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifos nossos)

No que tange à conceituação de consumidor, existem duas correntes doutrinárias: a maximalista e a finalista. Em suma, a primeira corrente acredita que o conceito de consumidor é o mais abrangente possível, sendo todo aquele que é destinatário final de um produto ou serviço. Já a corrente finalista, entende que consumidor é apenas aquele que utiliza um bem ou serviço de forma não profissional.

Fazendo um paralelo com os contratos eletrônicos de consumo, seria um erro considerar a teoria finalista para a caracterização do conceito de consumidor, já que excluiria do âmbito do Código de Defesa do Consumidor uma infinidade de situações que acabaram por ficar sem proteção jurídica, aumentando ainda mais a insegurança do ambiente virtual.

Sendo os contratos virtuais já classificados como contratos á distância, realizados fora do estabelecimento comercial, aplica-se de forma analógica, a cláusula de arrependimento em benefício do consumidor, prevista no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato no prazo de 7 (sete) dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.

A justificativa para a aplicação desta cláusula é a minimização da insatisfação com os contratos firmados virtualmente, já que a oferta feita pelo fornecedor tem uma maior probabilidade de influenciar o consumidor a adquirir um produto inadequado por meio eletrônico do que aquele que se dirige diretamente à loja e verifica o estado do produto ou serviço que está adquirindo.

Por fim, existe previsão da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos eletrônicos de consumo no art. 13 do Projeto de Lei 1.589/99 da OAB/SP, o qual diz que “aplicam-se ao comércio eletrônico as normas de proteção e defesa do consumidor”.

4.6 Formação e conclusão dos contratos eletrônicos

Os contratos virtuais possuem as mesmas fases de formação dos contratos em gerais, quais sejam: negociações preliminares, oferta ou policitação e aceitação ou oblação.

A primeira fase ainda não obriga os contratantes, havendo apenas especulações sobre a eventual realização do contrato, gerando responsabilidade pré-contratual pelos possíveis prejuízos causados, tendo em vista a expectativa de negócio criada. Tal responsabilidade extracontratual se funda no princípio da boa-fé.

A oferta ou policitação inicia o contrato, que, no caso da Internet, se faz quase sempre em sites ou lojas virtuais, ficando o produto ou serviço disponível de forma permanente para que o oblato venha a contratar.

Nos dizeres de Lorenzetti,

Em primeiro lugar, é necessário precisar se o website contém uma série de elementos essenciais e suficientes para constituir uma oferta. Em caso afirmativo, é uma oferta ao público, vinculatória se for um contrato de consumo, que se conclui no momento em que o usuário transmite a declaração de aceitação. Se não contiver os elementos constitutivos de uma oferta, trata-se de um convite a ser oferecido; o “navegante” é quem oferece e o contrato se completa a partir do momento em que ele recebe a aceitação da parte do provedor (LORENZETTI apud LEAL, 2007, p. 112).

Assim, deve-se verificar se existem os requisitos para constituir a oferta, os quais devem ser mais detalhados do que nos contratos em geral, devido à incerteza de se saber com quem se está contratando do outro lado do computador.

Tais requisitos são trazidos pelo art. 4º do Projeto de Lei nº 1.589/99 da OAB/SP, in verbis:

Capítulo II – Das Informações Prévias

Art. 4º A oferta de contratação eletrônica deve conter claras e inequívocas informações sobre:

a) nome do ofertante, e o número de sua inscrição no cadastro geral do Ministério da Fazenda, e ainda, em se tratando de serviço sujeito a regime de profissão regulamentada, o número de inscrição no órgão fiscalizador ou regulamentador;

b) endereço físico do estabelecimento;

c) identificação e endereço físico do armazenador;

d) meio pelo qual é possível contatar o ofertante, inclusive correio eletrônico;

e) o arquivamento do contrato eletrônico, pelo ofertante;

f) instruções para arquivamento do contrato eletrônico, pelo aceitante, bem como para sua recuperação, em caso de necessidade; e

g) os sistemas de segurança empregados na operação.

O rol previsto neste artigo, na hipótese de aprovação do Projeto de Lei acima mencionado, deve ser interpretado de forma exemplificativa, já que é dever do fornecedor informar o consumidor de todos os detalhes sobre o produto ou serviço objeto da relação contratual.

A fase seguinte é a aceitação ou oblação, que marca o encerramento do contrato, com a adesão por parte do oblato à proposta formulada pelo policitante. Da mesma forma que os contratos em geral, os contratos eletrônicos poderão ser considerados “entre presentes” ou “entre ausentes”, dependendo da análise do momento que se consideram concluídos.

Assim, analisando o art. 428 do Código Civil, temos que nos contratos interpessoais simultâneos, como aqueles efetivados por meio de salas de bate-papo (chat), consideram-se formados no momento exatamente posterior à proposta, por serem contratos entre presentes.

Já os contratos interpessoais não simultâneos, reputam-se formados no momento da expedição da mensagem eletrônica. Nesse caso, é adotada a Teoria da Expedição, prevista nos arts. 428, III, e 434, caput, do Código Civil, tendo em vista que esses contratos seriam considerados entre ausentes, como é o caso do contrato firmado através de correio eletrônico (e-mail).

Os contratos interativos, que são aqueles em que o consumidor e o fornecedor não se encontram presentes simultaneamente no mesmo estabelecimento (lojas virtuais), se formam no momento da expedição da aceitação pelo oblato, e são, por óbvio, denominados de contratos entre ausentes.

Por último, nos contratos intersistêmicos, realizados entre computadores, o momento da conclusão se dá quando da programação dos sistemas pelos seus operadores, que serão posteriormente executados automaticamente e fielmente ao que foi programado.

Vale ressaltar que a contratação eletrônica traz um problema quanto à confirmação de que a mensagem chegou aos seus destinatários, já que a sua transmissão percorre vários caminhos até chegar ao destinatário final.

Nesse diapasão, o Projeto de Lei formulado pela OAB de São Paulo dispõe em seu artigo 7º que, “Os sistemas eletrônicos do ofertante deverão transmitir uma resposta eletrônica automática, transcrevendo a mensagem transmitida anteriormente pelo destinatário, e confirmando seu recebimento”.

Desta forma, o policitante deverá tomar todas as providências possíveis para garantir que a aceitação do oblato chegou ao seu conhecimento, transcrevendo a sua aceitação e enviando-a por meio de mensagem automática ao aceitante.

4.6.1 Local de Formação

O local de formação de um contrato em geral, não encontra maiores divergências na doutrina, sendo estabelecido pelo art. 435 do Código Civil que estará concluído o contrato no local onde fora proposto.

Porém, os contratos eletrônicos nem sempre têm esses limites estabelecidos, pois muitas vezes os contratantes se encontram em lugares opostos do planeta e, a conclusão do contrato se deu em outro local diverso.

Para dirimir os conflitos decorrentes da falta de especificação do lugar de formação do contrato, o Lei Modelo da Uncitral traz em seu artigo 15, uma solução possível para o problema.

Sheila Leal, em comento ao citado artigo, diz que

De acordo com este dispositivo, uma declaração eletrônica será considerada expedida e recebida no local onde o remetente e o destinatário, respectivamente, tenham seu estabelecimento. Assim, não se leva em consideração nem o endereço do website, nem o endereço físico do servidor, mas o local do domicílio ou estabelecimento das partes. Caso uma das partes ou ambas possuam mais de um estabelecimento, considera-se como formado o contrato naquele que guarde relação mais estreita com seu objeto, ou o estabelecimento principal. Caso o remetente ou o destinatário não possuam estabelecimento, considera-se como tal o local de sua residência habitual. (LEAL, 2007, p. 118)

De forma ideal, os contratantes deveriam eleger de antemão o local de formação do contrato ou determinar na proposta, onde ela está sendo firmada, porém, na impossibilidade de se realizar desta forma, o artigo 15 elenca possibilidades e suas determinadas soluções.

4.7 Legislação aplicável aos contratos eletrônicos

De acordo com o que foi dito nos tópicos anteriores, o comércio eletrônico realizado por meio dos contratos celebrados na Internet, atingiu uma dimensão universal. Diariamente, firmam-se contratos entre pessoas que se encontram em países diferentes e dessas relações jurídicas surge o problema acerca da legislação de qual país deverá ser aplicada às transações comerciais eletrônicas.

Nas palavras de Marco Aurélio Greco,

Qualquer pessoa de qualquer lugar do mundo, pode acessar um site na Internet. Isto põe em dúvida onde estará o consumo, e qual o tipo de consumidor com o qual os agentes econômicos terão de tratar. Este é o desafio de hoje. Quando havia um consumidor certo, por exemplo, no Brasil, o exportador na origem procurava atender a todos os requisitos da legislação brasileira [...] Hoje não se sabe, a priori, quem é o consumidor, não se sabe quais são, por exemplo, as exigências que vigoram num país distante quanto á linguagem utilizável, imagens consideradas ofensivas e etc. Há, portanto, uma mobilidade no consumo. [...] Em suma os agentes econômicos não têm mais um local físico ao qual obrigatoriamente se reportem. Eles podem estar alocados fisicamente em qualquer lugar do mundo, e virtualmente num endereço apenas eletrônico (GRECO, apud LEAL, 2007, p. 118/119).

Desta forma, a inexistência ou dificuldade de localização de um local físico onde se estabeleça o fornecedor e, a falta de uniformidade das legislações no âmbito internacional, torna necessária a análise do instituto da legislação aplicável aos contratos eletrônicos.

José de Oliveira Ascensão entende que dever-se-ia dirimir os conflitos com normas do Direito Internacional Privado, tendo em vista que esse é o ramo do direito que estabelece um “conjunto de regras que demarcam a competência de várias ordens jurídicas potencialmente aplicáveis à disciplina das relações de direito privado” (ASCENÇÃO, apud LEAL, 2007, p. 119).

Nesse diapasão, há uma relativização do princípio da territorialidade adotada pelos Estados, para que, de acordo com os limites instituídos pelos ordenamentos jurídicos de cada Nação, sejam aplicadas leis estrangeiras dentro dos seus territórios, não podendo tais leis contrariar princípios e direitos fundamentais nacionais.

No Brasil, a possibilidade da aplicação do direito estrangeiro no território nacional, ou, quando incabível esta hipótese, a supremacia da lei brasileira sobre as estrangeiras, encontra-se disciplinada em diversos institutos jurídicos, como a Lei de Introdução ao Código Civil, o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), e até mesmo a jurisprudência já firmou seu entendimento no caso concreto.

O art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil prevê a possibilidade da extraterritorialidade com o intuito de facilitar as negociações internacionais. Porém, o art. 17 do mesmo diploma legal, estabelece que não serão aplicáveis as leis estrangeiras se houve ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes. O ordenamento jurídico brasileiro vai mais além e, n o art. 5º, XXXII da Constituição Federal erige à categoria de direito fundamental os direitos do consumidor.

Nesse sentido, de acordo com o art. 1º do Código de Defesa do Consumidor, conclui-se que, aos contratos eletrônicos de consumo, são aplicáveis as normas constantes no CDC, pois, de acordo com Sheila Leal, tais normas “[...] são de ordem pública, cogentes e indisponíveis, e, nessas condições, aplicáveis aos contratos internacionais de e-commerce, para a proteção dos direitos dos consumidores brasileiros” (LEAL, 2007, p. 121).

Da mesma forma entendeu a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no RESP 63.981, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU 20.11.2000, citado por Sheila Leal:

DIREITO DO CONSUMIDOR – FILMADORA ADQUIRIDA NO EXTERIOR – DEFEITO DA MERCADORIA – RESPONSABILIDADE DA EMPRESA NACIONAL DA MESMA MARCA (“PANASONIC”) – ECONOMIA GLOBALIZADA – PROPAGANDA – PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR – PECULIARIDADES DA ESPÉCIE- SITUAÇÕES A PONDERAR NOS CASOS CONCRETOS – NULIDADE DO ACÓRDÃO ESTADUAL REJEITADA, PORQUE SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NO MÉRITO, POR MAIORIA – I – Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no forte mercado consumidor que representa o nosso país. II – O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje “bombardeado” diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha d conta diversos fatos, dentre os quais, e como relevo, a respeitabilidade da marca. III – Se empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anuncia e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as conseqüências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos. IV – Impõe-se, no entanto, nos casos concretos, ponderar as situações existentes. V – Rejeita-se a nulidade argüida quando sem lastro na lei ou nos autos (LEAL, 2007, p. 121/122)

Apesar do posicionamento do STJ, o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil estabelece que a aplicação obrigatória da lei brasileira nos demais países depende de autorização expressa destes.

Assim, atualmente, tem-se preferido utilizar a arbitragem e a auto-regulamentação como forma de solução dos conflitos, sendo aquela a mais célere e esta a mais efetiva, tendo em vista que as partes envolvidas no litígio decidem acerca das peculiaridades das controvérsias, respeitando a Constituição Federal, as legislações infra-constitucionais e os princípios que regem a contratação geral e eletrônica.

No tocante ao foro competente, o art. 111 do Código de Processo Civil (CPC) estabelece que será aquele eleito pelas partes. Caso não haja eleição de foro, será a ação proposta no domicílio do réu, de acordo com a regra geral do art. 94 do CPC, se for fundada em direito pessoal e, no local onde a obrigação deva ser satisfeita, em caso de cumprimento forçado desta (art. 100, inciso IV, “d”, CPC).

5 CONCLUSÃO

Diante dos argumentos expostos na presente pesquisa, resta demonstrada a possibilidade de aplicação da legislação brasileira vigente, em especial as normas que regulam os contratos em geral, aos contratos eletrônicos.

Tais contratos são firmados utilizando a internet como meio de comunicação, tendo em vista que o contrato eletrônico não é uma nova modalidade de contrato, mas sim, um contrato como outro qualquer, efetivado de forma virtual, possuindo suas peculiaridades.

Como ficou evidenciado, o contrato eletrônico preenche todos os requisitos e pressupostos aplicáveis aos contratos tradicionais, devendo ser tomados alguns cuidados quanto à segurança dos procedimentos pré-contratuais, tendo em vista a vulnerabilidade do ambiente digital.

É importante mencionar o princípio que fundamenta a existência dos contratos eletrônicos, qual seja a liberdade das formas. Assim, como os contratos podem ser pactuados de qualquer forma, desde que não esteja prevista ou proibida em lei forma específica, torna-se perfeitamente válida a existência dos contratos eletrônicos no mundo jurídico.

Porém, deve-se analisar a internet, como ambiente inseguro que é, como cautela. Os contratantes, primeiramente, para garantir a segurança do contrato, deverão procurar conhecer a procedência da parte com quem está contratando, bem como certificar-se, em contratos mais sensíveis, a existência de certificado digital de segurança na loja virtual, quando for caracterizada a relação de consumo ou do banco, quando tratar-se de operações bancárias.

Em se tratando de contratos de consumo, esses têm dominado o instituto dos contratos eletrônicos no mundo moderno, tendo em vista a facilidade de se comunicar com uma pessoa, mesmo que estejam em lados opostos do mundo.

Assim, tendo em vista que os contratos celebrados de forma virtual, como já dito, preenchem os requisitos dos contratos em geral, aos contratos eletrônicos de consumo, devem ser aplicadas as normas constantes do Código de Defesa do Consumidor.
Por fim, em casos de conflito de legislação de países diversos, o Brasil adota, excepcionalmente, o princípio da extraterritorialidade, para que seja aplicada a legislação estrangeira no território brasileiro, desde que esteja de acordo com os princípios e garantias fundamentais nacionais.

Já nos contratos eletrônicos de consumo, tem-se admitido, inclusive pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor brasileiro ao estrangeiro, tendo em vista serem os direitos do consumidor normas de ordem pública.

Dessa forma, conclui-se que poderão ser pactuados através de contratos eletrônicos, tudo aquilo que a lei não preveja forma específica nem proíba expressamente.

A legislação aplicável, portanto, será a brasileira vigente, principalmente as leis referentes aos contratos em geral e aos contratos de consumo, e, subsidiariamente, a legislação estrangeira pertinente aos contratos eletrônicos, tendo em vista que países como os Estados Unidos, já possuem normas relativas à contratação eletrônica em vigor me seu ordenamento jurídico, enquanto que o Brasil ainda não as possui.

REFERÊNCIAS

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FRANÇA, Pedro Arruda. Contratos Atípicos: Legislação, doutrina e jurisprudência. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989. 349 p.

GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. Da validade jurídica dos contratos eletrônicos, [março, 2004] Disponível na internet via Acesso em 04 set. 2008.

GOMES, Orlando. Contratos. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. 523 p.

LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos: Validade jurídica dos contratos via internet. São Paulo: Atlas, 2007. 225 p.

PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2006. 145 p. (Temas Jurídicos)

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: dos contratos e das declarações. 30 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2004. 432 p. 3 v.


Publicado por: Ysis Lorenna da Cruz Souza

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