Há um bem jurídico no crime de tráfico de drogas?

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1. RESUMO

O presente trabalho tratará da verdadeira aplicação do bem jurídico no sistema penal brasileiro, e especificamente no crime de tráfico de drogas. O assunto em questão é de extrema importância, pois cada vez mais o nosso legislador encontra formas de punir em nosso ordenamento jurídico, sem verificar se realmente esses bens jurídicos deveriam ser objetos de atenção pelo direito penal, e se eles são direitos fundamentais previstos em nossa Constituição. O presente estudo será dividido em duas partes principais, na primeira parte será tratado do bem jurídico, considerações gerais, funções e teorias constitucionais, em segundo momento analisar-se-á a política criminal de drogas. Finalmente será discutido o bem jurídico tutelado no tráfico de drogas e sua real finalidade.

Palavras-chave: Bem Jurídico, tutela, tráfico, drogas.

ABSTRACT

This paper will address the real application of the legal and criminal justice system, and specifically the crime of drug trafficking. The subject matter is of extreme importance, because increasingly our legislature finds ways to punish in our legal system, without checking whether these actually legal interests should be objects of attention by the criminal law, and if they are fundamental rights provided in our Constitution. This study will be divided into two main parts, the first part will be handled the legal right, general considerations, functions and constitutional theories, second time will be analyzed to criminal drug policy. Finally the trust will be discussed in the drug trade and its real purpose and legal.

Keywords : Legal Well , guardianship , trafficking, drugs .

2. INTRODUÇÃO

No presente trabalho, objetivou-se mostrar a importância para o ordenamento jurídico penal dos bens jurídico protegidos.

A relevância do tema se deu pela constatação de que apenas os bens jurídicos indispensáveis devem ser objetos da atenção do legislador penal. Dessa forma, o presente trabalho tentará discutir e responder alguns questionamentos como: Quais são os bens jurídicos indispensáveis para a sociedade/indivíduos, como são escolhidos esses bens jurídicos, o nosso ordenamento jurídico atual com tantos “crimes” já não protegem todos os bens jurídicos fundamentais ao ser humano, e finalmente, qual o bem jurídico tutelado no tráfico de drogas, e se esse bem jurídico é realmente protegido depois da atual lei de drogas.

O método utilizado para estudo e pesquisa foi o bibliográfico1, dando preferência a títulos impressos. Não foram descartadas pesquisas a outras matérias interligadas ao direito penal, podendo ser encontradas citações de textos referentes à Filosofia e principalmente Sociologia.

3. BEM JURÍDICO.

3.1. CONCEITO DE BEM.

A ideia de bem, como leciona Luiz Regis Prado “pode ser estudada como um termo (expressão), um conceito ou uma entidade”,2 correspondendo assim a intelecto, sentimento e vontade do homem.

Nicola Abbagnano leciona da seguinte forma sobre o assunto:

[...] Em geral, tudo o que possui valor, preço, dignidade, a qualquer título. Na verdade, B. é a palavra tradicional para indicar o que, na linguagem moderna, se chama valor. Um B. é um livro, um cavalo, um alimento, qualquer coisa que se possa vender ou comprar; um B. também é beleza, dignidade ou virtude humana, bem como uma ação virtuosa, um comportamento aprovável. [O autor continua sua explicação sobre o conceito de Bem da seguinte forma] [...] Dessa esfera do significado geral, pela qual a palavra se refere a tudo o que tem um valor qualquer, pode-se recortar a esfera do significado específico, em que a palavra se refere particularmente ao domínio da moralidade, isto é, dos mores, da conduta, dos comportamentos humanos intersubjetivos, designando, assim, o valor específico de tais comportamentos [...].3

Dessa forma, podemos constatar que tudo o que tem valor para o ser humano pode ser considerado um bem. Arturo Rocco conceitua da seguinte maneira: bem é “tudo o que, existindo como realidade diante da consideração da consciência humana, é apto para satisfazer uma necessidade humana”.4

Contudo, a ideia de bem, literalmente, não é a mesma que a de bem jurídico.

3.2. O Bem Jurídico Penal

O bem jurídico se apresenta de diversas maneiras, tornando assim inviável conceituar cada uma delas. Juarez Tavares diz que as conceituações pretendem explicar de forma resumida quais os objetivos do pensamento jurídico quanto ao conteúdo do injusto e as finalidades das normas. Isso causa certa confusão com o bem jurídico. Mesmo sendo no âmbito do direito penal democrático exigido absoluta transparência do objeto lesado, o conceito de bem jurídico deve ser levado a sério, por que nele esta todo o processo de legitimação da norma penal.

Para completar os conceitos já descritos Polaino Navarrete diz que:

Sem a presença de um bem jurídico de proteção prevista no preceito punitivo, o próprio Direito Penal, além de resultar materialmente injusto e ético-socialmente intolerável, careceria de sentido como tal ordem de direito. [E continua] [...] O problema maior a ser enfrentado é fixar concretamente os critérios pelos quais se deve proceder à seleção dos bens e valores fundamentais da sociedade. Alude-se, por exemplo, à relação entre bem jurídico e sanção penal. Ora, bem pode ela ser contemplada sob dupla perspectiva: a de delimitação de âmbito do injusto penal e a de potencialidade da função da pena.5

Nesse mesmo sentido Luiz Regis Prado diz que a afinidade entre bem jurídico e pena mostra uma relação intima entre o valor do bem jurídico e a função da pena: de um lado está o que se deve tutelar, o que possui valor em si mesmo; e de outro, a confirmação do significado social do bem se confirma porque para a sua proteção está estabelecida a pena. Isso confirma as condições de capacidade e necessidade de proteção, que são exigidos dos bens jurídicos no momento de prever sua tutela.

Luiz Regis Prado concluindo seu raciocínio questiona-se se somente os bens jurídicos fundamentais deveriam ser objeto de atenção do legislador, como são selecionados e quais são esses bens jurídicos fundamentais.

4. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO BEM JURÍDICO

Juarez Tavares fala da evolução histórica do bem jurídico citando Hassemer e informando que nem sempre se pode diferenciar o conceito de bem jurídico dos fins da norma incriminadora, que pela evolução do conceito pode-se perceber que a sua criação não foi apenas produto de elaboração jurídica, mas também de um contexto político e econômico.

Luiz Regis Prado informa que no passado o ilícito penal era observado de uma dimensão teológica ou privada. Dessa forma cita Von Liszt:

Na união social pré-histórica, que se funda na comunidade de sangue e ainda não distingue o mandamento de Deus do estatuto dos homens, o crimen é um atentado contra a divindade e a pena a eliminação ou expulsão (Ausstossung) dos agressores à associação cultural, se bem que como sacrifício à divindade, no primeiro momento. [Luiz Regis Prado, citando Von Liszt e explica que as etapas da evolução da justiça punitiva podem ser resumidas dessa forma] [...] a) Primeira época. Crimen é atentado contra os deuses. Pena, meio de aplacar a cólera divina; b) Segunda época. Crimen é agressão violenta de uma tribo contra outra. Pena, vingança de sangue de tribo a tribo; c) Terceira época. Crimen é transgressão da ordem jurídica estabelecida pelo Poder de Estado. Pena é a reação do Estado contra a vontade individual oposta à sua.6

O delito era considerado e tratado como uma desobediência às leis divinas, porém o movimento iluminista tinha uma visão totalmente diferente da sociedade e da problemática penal. Luiz Regis Prado diz que na filosofia penal iluminista o problema punitivo estava totalmente desvinculado de preocupações éticas ou religiosas, o delito encontrava sua razão de ser em contratos sociais violados e a penalidade imposta era concebida como medida preventiva.

A tendência da época era favorecer, com base social, os bens individuais diante do arbítrio judicial e da gravidade das penas.

Em um momento subsequente, com a vinda do iluminismo, o conteúdo apontado ao ilícito penal passa a ser de direito subjetivo do individuo e deveria pertencer à pessoa física, jurídica ou ao Estado, e contrariar um direito subjetivo.

Nesse período o Direito Penal se propagou na doutrina jurídica privatista de Feuerbach, que se fundamentava na lesão de um direito subjetivo.

4.1. A VISÃO DE FEUERBACH E BIRNBAUM

Juarez Tavares citando Feuerbach, diz que o mesmo entendia o delito como uma transgressão a um direito individual, não uma lesão para com o Estado. Dito isto, o conceito de delito se subordinava a um princípio material que preservava a liberdade individual, independente dos propósitos do Estado.

Esse conceito constituía uma forma de limitação da incriminação e do arbítrio do estado na configuração de tipos penais. Dessa forma, o Estado, só poderia incriminar as condutas que implicassem numa transgressão de direito subjetivo e, consequentemente, um dano social.

Nesse mesmo sentido, Luiz Regis Prado transcrevendo Feuerbach diz:

Aquele que viola a liberdade garantida pelo contrato social e pelas leis penais pratica um crimen. Por fim, crime é, em sentido amplo, uma lesão prevista numa lei penal, ou uma ação contrária ao direito do outro, cominada na lei penal. No caso de o delito atentar contra os direitos do Estado, pratica-se um delito público (delictum publicum); se contra os direitos dos indivíduos, perpetra-se um delito privado (delictum privatum). Distingue-se ainda entre delitos comuns e delitos próprios.7

Posteriormente Birnbaum, que inseriu o conceito de bem no contexto jurídico-penal, substituindo o de direito subjetivo, diz que é crucial para a tutela penal a existência de um bem enraizado no mundo do ser ou da realidade, sendo importante para a pessoa ou para a coletividade e que pudesse ser lesionado por uma ação delituosa.

Juarez Tavares, por sua vez, ressalta que o sentido material do conceito de bem jurídico, que atualmente se usufrui como fundamento de qualquer incriminação, não havia sido despertado propriamente em Birnbaum, mas que este tinha a intenção de adaptar a teoria jurídica do delito às normas do direito penal em vigor que se opunham a ideia de violação de direitos subjetivos nos chamados delitos contra a comunidade, contra a religião ou contra o Estado.

Nas palavras de Gunther, Juarez Tavares diz:

Com a introdução do conceito de violação de bem jurídico, em substituição ao conceito de violação de direito subjetivo, como fundamento de delito, desde que pudesse reconhecer que, igualmente, interesses comunitários ou religiosos fossem contemplados como espécies de bens jurídicos, ainda que se ganhasse em clareza, quanto à incriminação das respectivas condutas, se perdia – e de fato se perdeu – a vinculação dessa incriminação aos seus pressupostos de legitimidade.8

Essa análise da evolução histórica do conceito pode contribuir para sua reformulação, pois demonstra que o conceito se habitua a vários segmentos do progresso da política criminal e do pensamento jurídico em geral.

4.2. A Visão de Binding e Rocco

Conforme Binding, o delito incide em uma ofensa a um direito subjetivo estatal. Binding estabelece uma ligação entre as normas e os bens jurídicos: “Toda agressão aos direitos subjetivos se produz mediante uma agressão aos bens jurídicos e é inconcebível sem estes”.9 Ou seja, bem jurídico é tudo aquilo que para o legislador for importante para a ordem jurídica, sendo indispensável para configuração do delito.

Luiz Regis Prado citando Polaino Navarrete completa dizendo que:

Nos termos dessa orientação, “a decisão jurídico-positiva vem condicionada unicamente pelos limites da própria consideração valorativo-objetiva e pelas exigências lógicas”. Por essa concepção, o bem jurídico se identifica com o sentido e o fim das normas penais, sendo uma vinculação prática da norma.10

Nesse mesmo contexto Juarez Tavares cita Binding ao dizer que o bem jurídico nesse caso seria um elemento da própria norma, podendo ser tanto sua finalidade como a razão de seu sistema.

Ainda sobre o positivismo, Luiz Regis Prado informa que Arturo Rocco expunha que o Direito Penal tinha como finalidade a segurança das condições de existência da sociedade, e responsabilizar-se acerca de condições fundamentais da vida em comum. Na concepção de Luiz Regis Prado essa garantia deveria ser do próprio poder do Estado.

Para Arturo Rocco, existia ainda um direito subjetivo público, como pretensão jurídica do Estado em relação ao indivíduo, sendo que lhe restava o dever jurídico de acatar ou não as imposições penais – chamada relação de obediência jurídico-penal.

Luiz Regis Prado distingue o objeto da proteção penal informando que de um lado está o objeto do delito e objeto da tutela jurídica penal, e de outro está o objeto substancial e formal do delito. Chama-se de objeto da tutela jurídica penal quando antecede à lei penal. Chama-se de objeto substancial do delito quando do momento de sua transgressão. Trata do que é o objeto de proteção penal, que o crime lesiona ou põe em perigo de lesão (bem ou interesse humano).

Nesse sentido, ainda citando Arturo Rocco, Luiz Regis Prado afirma:

Existe um objeto substancialmente genérico do delito (objeto do delito em geral, que é um bem ou interesse social) e um objeto substancial específico do delito (objeto de delitos em particular, que é o bem ou interesse do sujeito passivo do delito). Já por objeto formal do delito se entende o direito subjetivo público estatal à observância ou obediência dos preceitos penais (obediência ao poder estatal). Por fim, define [...] o bem jurídico-penal como “todo o bem, em sentido sociológico (individual ou coletivo, material ou moral, patrimonial ou não patrimonial), que, enquanto objeto de um interesse penalmente tutelado, recebe também proteção jurídica por parte do Direito Penal. Assim como todo interesse tem por objeto um bem e todo bem é objeto de um interesse, todo interesse jurídico tem por objeto um bem jurídico e todo bem jurídico é objeto de um interesse jurídico”. A divisão ente objeto substancial genérico e específico é criticada por confundir objeto com motivo de proteção: “O interesse do Estado à própria conservação não é o interesse protegido pela norma penal, mas a razão pela qual são criados o preceito e a sanção. Enquanto o Estado tutela certos bens porque é necessário para assegurar a vida em comum”. [Grifo do autor]11

Arturo Rocco denomina como objeto substancial específico o objeto do delito.

Franz Von Liszt reagiu inversamente ao tratamento científico formal da norma, e nesse momento, com seus estudos, originou-se a dimensão material do conceito de injusto penal e o bem jurídico desenvolveu toda a sua capacidade de limite à ação legiferante.

O bem jurídico, como informa Luiz Regis Prado, constitui uma realidade em si mesma, não dependendo do juízo do legislador. Dessa forma, a norma não cria o bem jurídico como propunha Binding, mas sim o encontra. Isso porque a intenção do direito é proteger os interesses do homem, e esses interesses não podem ser criação jurídica, pois existem muito antes da intervenção normativa.

Para Von Liszt é a vida e não o direito quem produz o interesse; mas só a proteção jurídica converte o interesse em bem jurídico. Ele ainda afirma que a liberdade e a inviolabilidade do domicílio eram interesses individuais muito antes de a norma garantir a intervenção do estado. Dessa forma, a necessidade origina a proteção, variando os interesses e os bens jurídicos.

4.3. A VISÃO NEOKANTIANA

O bem jurídico é entendido no neokantismo como um valor cultural, caracterizado pela referência do delito no mundo valorativo, em vez de social. O bem jurídico é considerado assim como um valor abstrato, de cunho ético social.

No neokantismo o sujeito é eliminado e se trabalha com a noção de totalidade. A noção material de bem é substituída pela noção de valor cultural.

Juarez Tavares cita Mezger e Hönig e indica o bem jurídico como um valor que se identifica com a própria finalidade da norma, da qual depende para a sua existência, ao mesmo tempo em que o considera elemento de todos os pressupostos do complexo total de cultura do qual provém o direito. E para complementar cita:

A perquirição acerca do bem jurídico em cada um dos delitos, portanto, que sempre chama atenção nos manuais ou nos comentários do Código Penal, se limita a dizer o que, na realidade, o legislador quer proteger ou incriminar. Essa metodologia garante a aplicação da norma incriminadora sem nenhum questionamento acerca de sua legitimidade, valendo o bem jurídico como mero exercício retórico ou marco de referencia classificatório, isto é, só serve mesmo para possibilitar, sistematicamente, a classificação dos delitos na parte especial dos códigos penais e fornecer aos comentadores assunto para sua interpretação, desde que respeitada a incolumidade da ordem jurídica.12

4.4. TEORIAS SOCIOLÓGICAS

O decorrer da evolução do bem jurídico teve variados tipos de contribuições, entre elas algumas de caráter negativo, até surgirem então, as concepções modernas, em especial as sociológicas e as constitucionais.

Muitos são os autores que se filiam à concepção sociológica de bem jurídico, dentre eles os mais lembrados são K. Amelung, G. Jakobs, H. Otto, J. Habermas, W. Hassemer, R. P. Calliess, Mir Puig, Gomez Benitez13, entre outros.

Luiz Regis Prado descreve Amelung informando que o mesmo entende a noção de bem jurídico como “teoria sistêmica e critério de nocividade social”14, para ele a teoria do bem jurídico é simplesmente inútil. Para Jakobs a legitimação encontra-se na validade da norma enquanto objeto de tutela, e afirma que o Direito Penal deveria garantir a vigência das normas jurídicas para assegurar expectativas ao funcionamento do sistema social. As propostas de Jakobs partem da suposição de que à norma penal só asseguraria a expectativa de um comportamento correto que não implicasse decepção de expectativas.

Dessa forma, há um desgaste no conteúdo liberal do bem jurídico, o que dificulta a limitação do jus puniendi estatal, função que é atribuída a ele.

Otto avalia o bem jurídico como a relação real ou fática de um sujeito com um objeto – unidade funcional. Compreende assim por bem jurídico uma relação concreta do indivíduo com algo que sirva para o desenvolvimento de sua personalidade. Habermas por outro lado, propõe vários critérios para criação de bens jurídicos, em especial a identidade social. E diz que:

O que importa não é a posição objetiva do bem e da conduta lesiva, mas a valoração subjetiva, com as variantes dos contextos social e cultural. Formula-se uma doutrina realista do bem jurídico, ancorada em diretrizes político-criminais de ordem racional (política criminal funcionalisticamente racional).15

As teorias sociológicas são por Hassemer classificadas conforme cumpram uma função crítica ou sistemática. A função crítica situa a noção de bem jurídico além do Direito Penal, e transcendem o sistema. Por outro lado, a função sistemática reduz a uma criação do legislador e são imanentes ao sistema.

Calliess implanta o conceito de bem jurídico dentro de uma estrutura social de interação, vinculada ao Estado de Direito democrático. Mir Puig, adotando a ideia de danosidade social posiciona-se do mesmo modo dizendo que os sistemas sociais devem ser protegidos pelo Direito Penal como garantia ao indivíduo.

Por sua vez, Gomez Benítez considera útil o conceito social de bem jurídico, desde que submetido a correções, como o conteúdo social do conceito e o dano social identificado com a necessidade de prevenção geral de penar.

Luiz Regis Prado citando ao final Norberto Bobbio, fala que a sociedade se compreende de um sistema global formado por normas de organização, as quais se vinculam todos os fatores sociais:

É de notar que para essa espécie de filosofia social poderia valer a máxima construída por analogia com a célebre máxima hegeliana: todo o funcional é real e todo o real é funcional. O funcionalista não conhece funções negativas: conhece somente disfunções (...), isto é, defeitos que podem ser corrigidos no âmbito do sistema, enquanto a função negativa requer a mudança do sistema. Ademais, em uma concepção em que as diferentes partes de um sistema social são consideradas em razão do todo, o Direito tem não só uma função uma função positiva, mas uma função positiva primária no tempo em que é o instrumento de conservação por excelência, é o subsistema de que depende em última instância a integração do sistema, a última barreira além da qual está a inevitável desintegração do sistema.16

O Direito então é tido como parte constituinte de um sistema social maior, e o delito é um obstáculo ao funcionamento do sistema social. O Direito Penal tem por objetivo resguardar o aludido funcionamento, diante de um fato socialmente nocivo. Essa teoria, como diria Muñoz Conde “representa uma descrição asséptica e tecnocrática do modo de funcionar do sistema, mas não uma valoração, e muito menos uma crítica do mesmo”.17

Diante de todas as considerações feitas, podemos concluir que nenhuma teoria sociológica conseguiu estabelecer um conceito material de bem jurídico capaz de mostrar o que lesiona uma conduta delitiva e por que uma certa sociedade criminaliza exatamente alguns comportamentos e não outros.

Dessa forma como leciona Luiz Regis Prado, Angioni entende que o legislador ordinário, fica limitado a nenhuma espécie de vinculo por ocasião da escolha dos tipos incriminadores e de suas sanções. Também não se calcula nenhuma possibilidade de impedir ou dificultar o arbítrio do interprete na busca dos específicos objetos de tutela.

4.5. TEORIAS CONSTITUCIONAIS

Luiz Regis Prado ressalta que na Alemanha as teorias sociológicas do bem jurídico situaram diretamente na realidade social, advertindo, assim, a necessidade de uma vinculação maior do Direito Penal às demais ciências sociais.

As teorias constitucionais acolhidas pela doutrina italiana buscam formular critérios capazes de estabelecer de modo necessário ao legislador ordinário, limitando-o no momento de criar o ilícito penal.

Claus Roxin, citado por Juarez Tavares, quer revigorar o conceito de bem jurídico a partir de uma política criminal baseada na Constituição, como ressalva ao poder de punir. Apesar de Claus Roxin informar que o conceito de bem jurídico não pode ser separado do pressuposto de liberdade que cerca o indivíduo, no fundo, conclui que ele serve para a manutenção do sistema. Claus Roxin define bem jurídico como:

[...] dados da realidade ou determinados objetivos, úteis ao funcionamento do sistema, ou ao indivíduo, e ao seu livre desenvolvimento nos limites de um sistema global, estruturado sobre a base de representação desses fins.18

Claus Roxin diz que o conceito de bem jurídico pode derivar de dados anteriores à Lei Penal quanto de deveres criados pela lei penal, mas não anteriores à Constituição.

O conceito de Claus Roxin caminha para a construção de um sistema de garantias ao desvincular a mera proibição de condutas imorais, a proteção de fins somente ideológicos, bem como buscar limitações ao poder de punir, da proteção de bem jurídico.

Luiz Regis Prado diz que Claus Roxin, parte da noção moderna de Estado democrático e social de direito. O objetivo de Claus Roxin é garantir ao indivíduo uma vida de paz em sociedade. Citando suas palavras:

[...] em cada situação histórica e social de um grupo humano os pressupostos imprescindíveis para uma existência comum se concretizam numa série de condições valiosas, como, por exemplo, a vida, a integridade física, a liberdade de actuação ou a propriedade, as quais todo mundo conhece, numa palavra os chamados bens jurídicos; e o Direito Penal tem que assegurar esses bens, punindo sua violação em determinadas condições. No Estado moderno, junto a essa proteção de bens jurídicos previamente dados, surge a necessidade de assegurar, se necessário através dos meios de Direito Penal o cumprimento das prestações de caráter público de que depende o indivíduo no quadro da assistência social por parte do Estado. [sic]19

Dessa forma, na medida em que apenas a proteção dos bens jurídicos essenciais para a sociedade e a garantia das prestações públicas possibilitam ao indivíduo o livre desenvolvimento da sua personalidade, o Direito Penal realiza uma das mais importantes tarefas do Estado.

Rudolphi entende ainda que os valores fundamentais devem possuir referência na constituição e o legislador está vinculado à proteção dos bens jurídicos anteriores ao ordenamento penal. Concluindo que o Estado de Direito é mais que um Estado de legalidade, só encontrando legitimação na ideia de justiça material.

5. BEM JURÍDICO E CONSTITUIÇÃO

Demonstradas as diversas alterações na noção de bem jurídico, constata-se que o seu conceito depende das modificações havidas na sociedade e no Estado. Mas, fica claro que a noção de bem jurídico vai diluindo sua substância material até desaparecer.

Luiz Regis Prado, associando-se ao pensamento de Claus Roxin, ressalta ser praticamente impossível a conceituação de bem jurídico fora do contexto constitucional em que se assenta a norma jurídica. E narra Rudolphi, citando algumas condições para que haja a concretização do bem jurídico com um juízo de valor:

1) Que o legislador não é livre em sua decisão de elevar à categoria de bens jurídicos qualquer juízo de valor, estando vinculado às metas que para o direito penal são deduzidas da Constituição. 2) Que com o anterior somente se assinalou o ponto de vista valorativo para se determinar o conteúdo material do bem jurídico, ficando ainda para serem desenvolvidas as condições e funções em que se baseia esta sociedade dentro do marco constitucional. 3) Que um tipo penal seja portador de um bem jurídico claramente definido não significa já sua legitimação; é necessário, ainda, que só seja protegido diante das ações que possam realmente lesioná-lo ou colocá-lo em perigo.20

Luís Greco, nesse mesmo sentido, informa sobre a necessidade de restringir o poder de incriminar do legislador e diz que a ideia de definir o bem jurídico com amparo da Constituição merece prosperar. Nesse mesmo momento o autor questiona-se sobre como limitar o poder do legislador sendo que a Constituição é necessariamente aberta, com inúmeros valores mesmo que muitas vezes conflitantes.

Concluindo essa ideia e respondendo seu próprio questionamento Luís Greco diz que mesmo o bem jurídico penal tendo se apoiado na Constituição, deve necessariamente ser mais limitado do que o conjunto de valores constitucionais.

O pensamento jurídico moderno já adota como fim primordial do Direito Penal essencial ao indivíduo e à comunidade, a proteção de bens jurídicos norteada pelos princípios fundamentais da dignidade humana, da personalidade, da individualização da pena, da humanidade, da insignificância, da culpabilidade, da intervenção mínima e da fragmentariedade.

Luiz Regis Prado demonstra que para escolher quais bens jurídicos devem ou não merecer proteção da lei penal o legislador deve levar em consideração os princípios penais estruturadores do ordenamento penal.

Esses princípios, na sua maioria acolhidos no texto constitucional, foram o centro constitutivo do Direito Penal.

Importante ressaltar que a ideia de princípio não pode ser entendida como objetivo a alcançar, pois aquele não representa intenção voltada para o que está por vir, mas fundamenta o Direito Penal esquematizando sua constituição e seus limites.

Nesse mesmo sentido, Luís Greco alega que nem tudo que a Constituição acolhe pode ser objeto de tutela no Direito Penal. Devem ser usados os princípios da ultima ratio ou da intervenção mínima, pois como o direito penal possui sanções graves, não basta qualquer afetação a um determinado interesse ínfimo para legitimar uma intervenção penal. É necessário como diz Luís Greco:

“que o bem deve ser dotado que alguma relevância, de fundamental relevância, de relevância tamanha que se possa justificar a gravidade da sanção que a sua violação em regra acarreta”.21

Assim, uma sociedade democrática necessita de um Direito Penal do fato ou da culpa, pois não há crime nem pena sem lei anterior que os defina. Deste modo, para que haja lídima demonstração de justiça, a pena não deve ultrapassar a proporcionalidade de culpa.

A culpabilidade fundamenta e limita a pena, vedando a responsabilidade pelo simples resultado, impossibilitando assim responsabilizar criminalmente um indivíduo que tenha atuado sem culpa ou dolo, pois pela exigência de responsabilidade subjetiva, deve se fazer proporcional ou adequada à gravidade do desvalor da ação representado pelo dolo ou culpa que unifica o tipo de injusto e não a culpabilidade. O agente, responde então pelo simples fato de ter causado materialmente o evento, bastando à produção do dano para aplicação da pena.

Luiz Regis Prado assim complementa:

Ademais, não se deve confundir a responsabilidade objetiva com a chamada responsabilidade pelo fato de outrem, segundo a qual o autor responde pelo resultado – decorrente da conduta de outro -, sem que tenha contribuído para tal. Destarte, o Direito Penal só pune fatos (ação/omissão), daí estabelecer uma responsabilidade por fato próprio (Direito Penal do fato), opondo-se a um Direito Penal do autor fundado no modo de vida ou no caráter. [Grifo do autor]22

A responsabilidade pelo fato necessita de uma conduta humana, externa e concreta, pois não se pode punir o simples pensamento ou a intenção, modo ou condição de vida.

O princípio da culpabilidade, como fundamento da pena, refere-se ao fato de ser ou não possível à aplicação de pena ao autor de um fato típico e antijurídico. O limite da pena é elemento de sua determinação, vedando a possibilidade de imposição aquém ou além da medida prevista pela própria ideia de culpabilidade. E ainda, citando Palazzo, Luiz Regis diz que a validade constitucional do princípio da culpabilidade pode ser conceituada como fundamento da pena, ou como intervenção punitiva estatal.

Nesse mesmo sentido Juarez Tavares diz que o bem jurídico é elemento da condição do sujeito e de sua importância social, podendo ser compreendido como valor que se agrega à norma como seu objeto de preferência real constituindo assim elemento primário da estrutura do tipo, ao qual se devem referir à ação típica e todos os seus demais componentes. Complementando Juarez continua:

Sendo um valor e, portanto, um objeto de preferência real e não simplesmente ideal ou funcional do sujeito, o bem jurídico condiciona a validade da norma e, ao mesmo tempo, subordina sua eficácia à demonstração de que tenha sido lesado ou posto em perigo. Por isso são inválidas normas incriminadoras sem referência direta a qualquer bem jurídico, nem se admite sua aplicação sem um resultado de dano ou de perigo a esse mesmo bem jurídico.23

Portanto, bem jurídico não pode ser confundido com a própria norma e nem como mero atributo formal e condição material de validade, mas deve ser inserido na condição de aspecto da finalidade da ordem jurídica que cumpre a função de proteção da ordem jurídica e da pessoa humana.

Com outro entendimento, para assim demonstrar que os bens jurídicos se subordinam todos ao mesmo fundamento, Juarez Tavares cita Hassemer dizendo que os bens jurídicos universais requerem proteção como condição da possibilidade de proteção dos bens jurídicos individuais, pois possuem uma função orientadora. O fim de proteção dos bens jurídicos é, portanto a realização de cada indivíduo, sendo que o interesse geral é apenas parte deste rumo.

Juarez ainda diz que a criminalização de condutas não pode ser confundida com as finalidades políticas de segurança pública, pois se insere em uma condição do Estado democrático, baseado em respeito de direitos fundamentais e na proteção da pessoa humana. Isso significa que em um estado democrático o bem jurídico deve constituir um limite ao exercício da política de segurança pública, como órgão fiscalizador e controlador, não como agência seletiva de indivíduos merecedores ou não de pena. A decisão jurídica, que fundamenta a intervenção do Estado só será legítima se for pronunciada sob o aspecto de uma política de garantia individual, tomada sobre a base de argumentos racionais, dentro do qual se devem incluir, necessariamente, todos os argumentos em favor da proteção de direitos humanos.

Complementando essa fala e baseando-se na Constituição Luiz Regis Prado diz:

No Direito brasileiro, encontra-se [...] implicitamente agasalhado, em nível constitucional, no art. 1.º, III (dignidade da pessoa humana), [...] 5.º, caput, (inviolabilidade do direito à liberdade) e 5.º, XLVI (individualização da pena), da Constituição da República Federativa do Brasil (CF). Vincula-se, ainda, ao princípio da igualdade (art. 5.º, caput, CF), que veda o mesmo tratamento ao culpável e ao inculpável.

Pelo principio da reserva legal significa que a intervenção penal deve estar disciplinada pelo domínio da lei stricto sensu – império da lei (arts. 5.º, XXXIX, da CF e 1.º do CP), como forma de evitar o exercício arbitrário e ilimitado do poder estatal de punir. Este postulado apodíctico funciona como restrição das fontes normativas (lei formal) e como garantia da liberdade pessoal do cidadão, representando um valor superior que se impõe não comente ao juiz, ou à administração, como ao próprio legislador. A sua dicção legal tem sentido amplo: não há crime (infração penal) nem pena ou medida de segurança (sanção penal) sem prévia lei (stricto sensu). Isso vale dizer: a criação dos tipos incriminadores e de suas respectivas consequências jurídicas está submetida à lei formal anterior (garantia formal). Compreende, ainda, a garantia substancial ou material que implica uma verdadeira predeterminação normativa (lex scripta lex praevia et lex certa). [Grifo do autor]24

Desse modo, é fundamental ao Estado democrático a proteção aos direitos humanos, a garantia ao exercício de todos os direitos fundamentais, impedindo assim a interferência de outrem no exercício dos direitos de cada individuo. Mas por outro lado, não se deve usar a pena de qualquer forma, pois a solução pacifica de conflitos deve ser principio primordial em qualquer sociedade.

Como leciona Juarez Tavares, a pena por si só não é dotada de qualquer legitimidade e só se justifica quando usada em extrema necessidade. Dessa forma, não existe um dever absoluto de punir. Como bem descreve Juarez Tavares Dohna diz que:

A punição criminal é unicamente uma contingência de ultima ratio. Deve-se concluir, então, que a noção de bem jurídico não pode ser posta como legitimação da incriminação, mas como sua delimitação, daí seguindo, no dizer de Dohna, a necessidade de que seja determinado com precisão para que possa servir de barreira diante da intencionalidade e da vacuidade.25

Nesse mesmo sentido Luiz Regis Prado diz que a intervenção penal só deve acontecer quando houver necessidade de se defender bens jurídicos imprescindíveis à convivência pacífica dos homens, e que não podem ser protegidos de outra forma.

Portanto, como pontua Luiz Regis Prado, em um estado democrático, o ponto de partida do Direito Penal e demonstrado pelo conceito de pessoa. A pessoa surge em primeiro plano por força de uma regra ético-jurídica, de modo que não pode ser desmoralizada por um meio em vista de um fim a realizar.

Dessa forma, o legislador não pode ultrapassar os limites do individuo, de liberdade e dignidade pessoal para que não incorra em inconstitucionalidade.

Nesse sentido, Luiz Regis Prado pontifica que:

[...] o “respeito à dignidade da pessoa humana é um principio material de justiça de validade a priori. Isso se o Direito não quer ser mera força, mero terror, se quer obrigar aos cidadãos em sua consciência, há de respeitar a condição do homem como pessoa, como ser responsável, como um ser capaz de reger-se pelos critérios do sentido, da verdade e do valor (do que tem sentido ou é o absurdo; do verdadeiro ou do falso; do que é valioso e do que não é). O Direito já tem força obrigatória por sua simples positividade, por sua virtude de superar o bellum omnium contra omnes, [a guerra de todos contra todos], a guerra civil, mas em caso de violação grave do principio material de justiça, de validade a priori, do respeito à dignidade da pessoa humana, carecerá de força obrigatória e dada sua injustiça será necessário negar-lhe o caráter do Direito. Não basta, para tal, qualquer infração ao principio material de justiça para privar de obrigatoriedade ao Direito; é preciso que se trate de algo muito grave. Adota-se aqui, portanto, um critério diferente do mantido pelos jusnaturalistas, segundo o qual todo preceito que seja contrário a um pretenso Direito natural carece de obrigatoriedade.” [Grifo do autor]26

Portanto, são valores fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro a liberdade e dignidade, essenciais ao ser humano, qualquer construção interpretativa ou doutrinária contrário a isso, deve ser proibida. Os direitos fundamentais organizados na Constituição visam uma ordem jurídica materialmente justa.

Luiz Regis Prado completa dizendo que o Estado existe para o indivíduo e não o oposto. Ele deve garantir a liberdade/dignidade do homem, sendo meio e não fim. O Estado é apenas um elemento para o fim que constitui o homem. O homem deve ser o centro das atividades estatais, devendo o estado garantir e proteger a dignidade do indivíduo.

Dessa forma, a atividade do Estado e a Constituição devem ter como objetivo principal essa garantia da dignidade da pessoa, e condições para uma existência digna.

Nesse sentido Luiz Regis diz:

A propósito, o legislador constituinte de 1988 fez várias indicações criminalizadoras, ainda que excepcionais, ou relativas a deveres protetivos específicos. Com essa assertiva, não se propugna o engessamento do legislador infraconstitucional no estabelecimento (elaboração e conformação) da proteção penal constitucionalmente determinada, como erroneamente se afirma. Tem-se claro, nesse sentido, que a imposição ao legislador ordinário pela Constituição de um dever de criminalização de condutas contra determinados bens jurídicos, não retira daquele a sua liberdade seletiva quanto à necessidade de criminalização – como se enfatizou anteriormente – e, sobretudo, quanto à definição das condutas puníveis e as correspondentes sanções penais, de um modo certo e taxativo, em atenção aos princípios penais fundamentais. 27

Em uma sociedade pluralista e aberta, divergências de opiniões acerca das normas sociais devem ser entendidas como legítima expressão e discussão de problemas sociais. Dessa forma é incompatível criminalizar condutas que se oponham a um padrão médio de comportamento. A condenação de determinado comportamento como delituoso deve estar limitado à violação de normas sociais em relação às quais existe um consenso praticamente ilimitado de que as pessoas irão se conformar.

6. BEM JURÍDICO E OBJETO DA AÇÃO (DELITO)

Luiz Regis Prado distinguindo o bem jurídico do objeto da ação, diz que apesar da noção de bem jurídico não se conflitar com a noção de objeto da ação, nem sempre é fácil detectar o que caracteriza tais conceitos. Essa caracterização porém ganha importância, pois todos os delitos devem lesar ou pôr em perigo de lesão algum bem jurídico.

O bem jurídico, não pode ser confundido com objeto da ação, pois não pode ser interpretado em sentido puramente material, como se fosse uma determinada coisa ou pessoa, mas sim nas características dessa pessoa e de suas relações, no valor de sua vida individual e social.

Dessa forma como explica Juarez Tavares, a vida humana além de ser condição de bem jurídico fundamental para o direito penal é também para todos os demais ramos do direito, pelo seu valor, tanto puramente biológico, ou material, quanto e principalmente porque está relacionada à pessoa, categoria primária de todo o sistema jurídico.

O bem jurídico se mostra em necessidade ou valores de uma coletividade. A sociedade exige o acatamento de determinados bens, materiais ou não, sem o qual a convivência se tornaria insuportável.

Nesse mesmo sentido Luiz Regis Prado:

Melhor explicando: objeto da ação vem a ser o elemento típico sobre o qual incide o comportamento punível do sujeito ativo da infração penal. Trata-se do objeto real (da experiência) atingido diretamente pelo autuar do agente. É a concreta realidade empírica a que se refere a conduta típica. Essa realidade – passível de apreensão sensorial – pode ser corpórea (v.g., pessoa ou coisa) ou incorpórea (v.g., honra). Em outros termos, o objeto material ou da ação é formado “pelo ser animado ou inanimado – pessoa ou coisa (animal) – sobre o qual se realiza o movimento corporal do autor que pratica uma conduta típica no círculo dos delitos a cuja descrição pertence um resultado tangível”.28

Portanto, enquanto o conceito de objeto da ação pertencer à consideração naturalista da realidade, o bem jurídico correspondera à consideração valorativa sintética.

O objeto material pode ou não coincidir com o bem jurídico, e manifesta-se o primeiro caso na forma corpórea, por exemplo, a coisa alheia subtraída no delito de furto. Ou incorpórea, por exemplo, a honra atingida, no delito de injúria. De acordo com a construção típica, o delito pode ou não ter um objeto da ação.

Portanto, fica claro que não é atributo de qualquer delito e só tem importância quando a consumação depende de uma alteração da realidade fática ou do mundo exterior.

Como ensina Luiz Regis Prado, o bem jurídico é um dado ou valor social material ou imaterial esgotado no contexto social, de titularidade individual ou metaindividual considerado como essencial para a convivência e o desenvolvimento do homem em sociedade e, por isso, jurídico-penalmente protegido.

E assim conclui Luiz Regis Pado:

Como juízo positivo de valor sobre um ente, dado ou realidade, de caráter social, pode ter o bem jurídico um componente ideal. O citado juízo supõe integrar esse ente no contexto de uma determinada ordenação axiológica das realidades sociais. [...] Impõe reconhecer então que nem todo bem jurídico tem um suporte corpóreo ou material que possa ser equiparada ao objeto da ação ou do fato. Quando o bem jurídico se apresenta como valor (objetivado), ainda que conectado com a realidade social, o objeto da ação pode ser incorpóreo. A conduta delitiva pode recair também sobre um objeto que não seja exatamente o seu suporte material. Vale dizer: o subtrato do bem jurídico não coincide com o objeto sobre o qual é produzido resultado (objeto da ação ou do fato). Daí a diferenciação entre bem jurídico, objeto material do bem jurídico e objeto da ação.29

 

7. BEM JURÍCO E FUNÇÃO

É necessário vincular um bem jurídico estatal à sua origem e finalidade para que o indivíduo perceba que sua liberdade não será molestada por uma simples adoção de políticas públicas, com finalidades eleitoreiras. É preciso demonstrar que a lesão significa um dano à pessoa e às suas condições sociais.

Aos olhos de Juarez Tavares os doutrinadores sentem dificuldades em distinguir bem jurídico de função. Geralmente, vinculam suas assertivas a um modelo básico de função e daí fazem derivar todas as demais funções como consequência daquelas. Com este critério de derivação, pretendem justificar a validade e a legitimidade das respectivas normas incriminadoras.

O raciocínio é simples, se o direito penal tem como objeto de proteção a administração pública, igualmente podem ser protegidos todos os atos de controle decorrentes dessa administração, ainda que meros atos administrativos sem qualquer repercussão na vida da pessoa humana. Esse raciocínio porém deve ser combatido.

Juarez Tavares, ainda demonstrando as diferenças entre bem jurídico e função diz que a principal fonte de confusão entre bem jurídico e função está na indefinição do objeto de referência da norma.

O bem jurídico constitui, ao mesmo tempo, objeto de preferência, como valor vinculado à finalidade da ordem jurídica em torno da proteção da pessoa humana, e objeto de referência, como pressuposto de validade da norma, bem como de sua própria eficácia.30

A doutrina tem trabalhado separadamente com essas duas categorias, sem perceber, porém que de que a segunda, objeto de referência, constitui um objeto dependente da primeira, objeto de preferência.

Na medida em o bem jurídico se toma apenas como objeto de referência, é fácil confundi-lo com função, pois na condição de objeto de referência desempenha o uma função de validade e eficácia da norma.

É indispensável pensá-lo como objeto de preferência, vinculado a um valor para que possamos torná-lo objeto de garantia e não simplesmente de incriminação. Desse modo, uma vez concebido como valor, torna-se imperioso estabelecer sua diferença para com o conceito de função.

Luiz Regis Prado, descrevendo a cerca do conceito de função, assim diz:

Outra questão que merece ser referida é a importante distinção entre bem jurídico e função, visto que, como assinalado, a norma penal deve tão somente proteger bem jurídicos, e não meras funções (motivos ou razões da tutela).

Desse modo, considerada a ordem jurídico-penal sob o pressuposto de garantia, “a incriminação de uma conduta só deve ter por objeto jurídico o que possa decorrer de um ente real estável – a pessoa humana – e não de uma função, sendo inválidas as normas que assim o tratem. A distinção entre função e bem jurídico é, pois, essencial a um direito penal democrático”. 31

Portanto, o Direito penal moderno deve interpretar a dogmática sempre em razão do texto constitucional. Uma teoria do bem jurídico que tenha seu fundamento na Constituição estará em sintonia com o Estado em que vivemos.

Dessa forma, fica claro que a função tem sempre uma característica de instrumentalidade e de dependência de outro objeto. Como declara Juarez Tavares: “É indissociável, portanto, do conceito de função o conceito de relação”32.

Seguindo então Juarez Tavares, podemos então afirmar que a função é uma relação de variáveis que correspondem a pontos de referência de algo. Da mesma forma que as variáveis são dependentes, a função tem seu significado próprio no contexto da própria relação.

Diante disso Juarez Tavares citando Kasner e Newman exemplifica função da seguinte forma:

Se, por exemplo, dois objetos imantados forem colocados a determinada distância e provocarem, por força disso, uma atração de um para outro, dizemos que essa força atrativa constitui a função da distância que os separa.33

Podemos atribuir, hipoteticamente aos objetos imantados à distância que os separa, qualquer grandeza, sem necessidade de que se tenha de referir, a uma situação concreta. Como a atração se encontra em razão oposta à distância – quanto maior a distância, menor a atração -, é possível, objetivamente estabelecer um gráfico dessa relação, sem que isto represente uma realidade.

Da mesma forma, a função é uma relação decorrente de variáveis, que correspondem a pontos de referência de algo. Da mesma forma que as variáveis dependentes, a função não tem significado próprio, somente no contexto da própria relação.

Nesse diapasão se tomarmos a ordem jurídico-penal sob o pressuposto de garantia, a incriminação de uma conduta só deve ter por objeto jurídico o que possa decorrer de um ente real estável, e não de uma função, sendo inválidas as normas que assim o tratem.

Nesse mesmo sentido Luiz Regis Prado conclui lecionando:

Fica evidenciado que a função em si (v.g., função de controle de tráfego viário, gestão ou controle ambiental, tributária) não tem nenhum conteúdo ou sentido próprio, não constitui algo real e independente. É uma operação ou relação axiologicamente neutra, corresponde a alguma coisa (a um elemento qualquer).

Não se confunde, portanto, com a ideia de bem jurídico, já analisada, como entidade dotada de substância real e peculiar, valorada e adstrita ao home como ser social. Assinala-se, corretamente, que o bem jurídico não é apenas objeto de referência, mas também de preferência, visto que neste último aspecto consubstancia um valor, um sentido.

[...] Deve, pois, a função operar no campo penal tão somente como marco de referência, sob pena de incorrer-se na erosão das demarcações obtidas através do principio da exclusiva proteção de bens jurídicos como pauta mínima exigida para a ingerência penal. Nada mais. 34

8.  IDENTIFICAÇÃO DOS BENS JURÍDICOS

Sobre a identificação dos bens jurídicos, Luís Greco questiona: “Para quem o bem jurídico deve ter importância fundamental? Para os indivíduos, para a coletividade ou para os dois?”.

Sobre essa classificação Juarez Tavares diz que os bens jurídicos tem origem na pessoa humana e a doutrina os classifica segundo alguns critérios aleatórios, como por exemplo:

Segundo seu titular, haveria bens jurídicos individuais (vida, integridade física, honra, liberdade, patrimônio), coletivos (incolumidade pública, meio ambiente, fé pública, paz pública) ou estatais (administração pública, administração da justiça, soberania, ordem pública econômica). Segundo a percepção, haveria bens jurídicos concretos (vida, integridade corporal, patrimônio) e abstratos (incolumidade pública, fé pública, paz pública). Segundo a natureza, haveria bens jurídicos naturais (vida, integridade física, liberdade) e normativos (patrimônio, administração pública, ordem pública econômica). Segundo seus elementos, dever-se-iam distinguir bens jurídicos de origem real (vida, integridade corporal, saúde) e de origem ideal (honra, sentimento religioso). [Grifo do autor]35

Esta classificação é metodológica e serve apenas para, em certos momentos e de forma limitada, identificar a qualificação do bem que se pressupõe como lesado ou posto em perigo pela ação do agente.

Mesmo reconhecendo as diferenças entre bem jurídico e função, não é fácil sua distinção no caso concreto.

Como ensina Juarez Tavares, a doutrina penal possui uma disposição arbitrária de proceder à classificação dos bens jurídicos conforme seus titulares, entre bens jurídicos individuais e coletivos, ou de acordo com a sua percepção, bens concretos e abstratos.

Sobre essa disposição da doutrina, Juarez Tavares declara que podem haver algumas consequências, uma delas é impor a adoção de um sistema em que os bens possam ter origem tanto na órbita individual como na órbita coletiva ou estatal. A segunda consequência é incrementar um estado de proteção desses bens, principalmente os chamados bens coletivos. A teceria consequência é tornar obscura suas propriedades, o que faz com que haja certa confusão com a função do bem jurídico, na medida em que estas passem a ser interpretadas como interesses do estado ou da comunidade.

Essa confusão é consequência de um sistema penal de proteção, pois quando se fala das tarefas do direito penal, passa-se a entendê-lo face as suas características e não como instrumento de delimitação do poder.

Luís Greco descreve sobre a classificação dos bens jurídicos, fazendo distinção de duas concepções, primeiro dos adeptos da concepção dualista de bem jurídico, os adeptos dessa concepção acreditam que há bens jurídicos tanto individuais, quanto coletivos, e que não se pode reduzir os bens jurídicos individuais à sua dimensão de interesse coletivo e nem os bens jurídicos coletivos à sua dimensão de interesse individual. Bens jurídicos individuais e coletivos seriam ambos legítimos e admissíveis. Por outro lado estão os adeptos da concepção monista-pessoal de bem jurídico. Para estes o ponto de partida são os interesses individuais. Bens jurídicos coletivos só podem ser reconhecidos na medida em que se referirem a indivíduos concretos. A coletividade sozinha não é objeto de proteção do direito penal. Por exemplo, os adeptos da teoria dualista não terão qualquer dificuldade em reconhecer o meio ambiente como um bem jurídico coletivo, nem sempre redutível a bens jurídicos individuais. Já os adeptos da teoria monista-pessoal poderão ter problemas com este conceito, havendo adeptos que neguem a existência de um bem jurídico coletivo meio ambiente, considerando todas as infrações ambientais meros crimes de perigo abstrato contra a vida ou a integridade física de pessoas concretas.

Assim procede Luís Greco:

[...] Definições de bem jurídico que o transformem em uma entidade ideal, em um valor, em algo espiritual, desmaterializado, são indesejáveis, porque elas aumentam as possibilidades de que se postulem bens jurídicos à la volonté, para legitimar qualquer norma que se deseje. Ordem pública, segurança pública, incolumidade pública, confiança, tudo isso pode ser mais facilmente entendido com bem jurídico se o conceito deste se referir a meras entidades ideais, e não a dados concretos. [...] Note-se que realidade não é o mesmo que realidade empírica, porque o mundo real não se esgota naquilo que se pode verificar por meio da investigação das ciências naturais: a honra, por exemplo, é uma realidade, apesar de não lhe ser essencial o aspecto empírico. [...] Bens jurídicos seriam, portanto, dados fundamentais para a realização pessoal dos indivíduos ou para a subsistência do sistema social, nos limites de uma ordem constitucional. [Grifo autor]36

Luís Greco diz que o bem jurídico é dado necessário para a realização pessoal e para a subsistência de um sistema social. E complementando questiona se o direito penal está ligado exclusivamente a proteção de bens jurídicos, e se ser-lhe-á vedado incriminar uma conduta para proteger algo que não seja um bem jurídico. Para esclarecer o que pretende saber, Luís Greco dá o exemplo do art. 32 da Lei 9.605/1998 que fala sobre o crime de abuso, maus tratos e mutilação de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, e diz que não duvida do caráter criminoso da conduta do art. 32, mas também não vislumbra nenhum bem jurídico afetado, pois como dito anteriormente o bem jurídico está definido como algo fundamental ao indivíduo. Porém, de maneira direta, causar sofrimentos a um cão não afeta nenhuma esfera individual.

A partir desse exemplo Luís Greco diz que são possíveis três posturas, declarar que os interesses envolvidos no tipo de maus tratos a animais não são bens jurídicos e não podem ser objeto de tutela penal. Expandir o conceito de bem jurídico para compreender também o bem-estar do animal e ter a ideia de bem jurídico como necessário para qualquer incriminação e dilatar o bem jurídico de forma que sequer se poderia imaginar alguma incriminação que o dispensasse, e nas linhas de Roxin e Hefendehl, reconhecer exceções à ideia de bem jurídico como condição necessária para a incriminação. Enfraquecendo num primeiro momento o potencial crítico da categoria do bem jurídico, uma vez que agora se pode proibir sem bem jurídico.

Luís Greco entende esse enfraquecimento imediato como um fortalecimento a longo prazo, pois aos olhos dele a recusa ao diluir o conceito de bem jurídico permite demarcar com precisão em que ponto se está utilizando o direito penal para tutelar interesses que já não são referíveis ao homem e ao sistema social existentes, impondo àquele que defende uma tal incriminação um forte ônus de fundamentação.

Como anteriormente dito, Luís Greco optou pela teoria dualista, na qual, os bens jurídicos coletivos são reconhecidos no seu plano de direito, ao lado dos individuais. O mesmo aponta para a possibilidade de existência de bens jurídicos coletivos autênticos e de bens jurídicos coletivos falsos.

Mas verificando os bens jurídicos coletivos rapidamente, já se pode concluir que nem todos são iguais. Dessa forma nas palavras de Luís Greco:

De um lado, temos bens jurídicos coletivos como o meio ambiente, a fé pública (crime de falso), a Administração pública e sua probidade (crimes de corrupção). De outro, a incolumidade pública (chamados crimes de perigo comum), a saúde pública (crimes de tóxico), a segurança no trânsito (crimes de trânsito), as relações de consumo (crimes contra o consumidor). O curioso é que este segundo grupo de bens jurídicos coletivos é proposto e defendido pela generalidade de nossa doutrina, em alguns casos (crimes de perigo comum) sem maiores questionamentos, em outros, como nos crimes de tóxico e de trânsito, justamente como alternativa à construção de crimes de perigo abstrato. [...] O que não parece ser visto é que, no final das contas, acabou-se por legitimar, da mesma forma, a antecipação do direito penal. [...] como agora haveria verdadeira lesão, e não mais mero perigo abstrato, como a saúde pública seria lesionada, e não somente posta em perigo abstrato pelo porte de entorpecentes, desaparecem todos e quaisquer problemas de legitimidade. Afinal, o tal princípio da lesividade, que exige lesão (ou perigo concreto) a um bem jurídico, estaria atendido (...) parte da doutrina embarcou num empreendimento que, segundo me parece, será uma das mais fecundas utilizações da teoria do bem jurídico: a desconstrução de bens jurídicos só aparentemente coletivos [...] A soma de vários bens jurídicos individuais não é suficiente, porém, para constituir um bem jurídico coletivo, porque este é caracterizado pela elementar da não-distributividade, isto é, ele é indivisível entre diversas pessoas. Assim, cada qual tem a sua vida, a sua propriedade, independente das dos demais, mas o meio ambiente ou a probidade da Administração Pública são gozados por todos em sua totalidade, não havendo uma parte do meio ambiente ou da probidade da Administração Pública que assista exclusivamente a A ou a B. Já o bem jurídico saúde pública, por exemplo, nada mais é do que a soma das várias integridades físicas individuais, de maneira que não passa de um pseudo-bem coletivo. [...] Falar em saúde ou incolumidade pública, por exemplo, esconde os déficits de legitimidade de antecipações da tutela penal. [Grifo nosso]37

Luís Greco diz ainda, que parte da doutrina embarcou num empreendimento de desconstrução de bens jurídicos só aparentemente coletivos, como da Lei de tóxicos, acima citada, e mais alguns, interpretando os referidos tipos como crimes de perigo abstrato para um bem jurídico individual. Luís Greco diz que a doutrina argumenta que os citados bens jurídicos só são aparentemente coletivos, pois eles não passam de uma soma de vários bens jurídicos individuais. Mas, a soma desses vários bens jurídicos individuais não é considerada suficiente para constituir um bem jurídico coletivo, pois este, é caracterizado pela não-distributividade, isto significa que ele não é divisível entre diversas pessoas.

Falando sobre a proteção dos bens jurídicos Luís Greco diz que nos crimes de perigo abstrato, o problema não está no bem jurídico a ser protegido, pois considera este o mesmo dos crimes de perigo concreto e dos crimes de lesão, o que o autor afirma é que a rigor, as estruturas do delito legítimas se restringem a unicamente duas formas: à do delito de lesão e à do delito de perigo concreto.

Assim, Luís Greco faz distinção entre os bens jurídicos de perigo concreto e os de perigo abstrato, e explica que essa linha divisória se mostra no caráter concreto ou abstrato do perigo criado. A definição sobre o perigo concreto levam-se em conta todas as circunstâncias reais, mesmo as conhecidas somente depois do fato.

A doutrina italiana, que é na qual os críticos nacionais se baseiam, considera que o juízo de perigo concreto deve formular-se levando em conta somente as circunstâncias conhecidas no momento da realização do fato. Assim, os autores italianos acabam tendo um conceito muito mais amplo do que seria perigo concreto, considerando, por sua vez, grande parte daquilo que os alemães consideram perigo abstrato.

Conceito de perigo concreto que hoje é majoritário é o de caráter normativo. Assim Luís Greco o descreve:

Para este conceito normativo de perigo, na formulação que ele recebe de Schünemann, estaremos diante de um perigo concreto somente quando não se pudesse ter confiado na não-ocorrência do resultado. Noutras palavras: o bem jurídico terá passado por perigo concreto quando a inocorrência da lesão parece mera obra do acaso, quando um homem racional não pudesse contar com um final feliz para os acontecimentos. [E continua com a seguinte dúvida] Será esta a compreensão de perigo concreto acolhida por aqueles que consideram ilegítimos os crimes de perigo abstrato? Para dar um exemplo: digamos que alguém, em estado de embriaguez, ultrapasse um motociclista pela direita, além disso saindo de sua faixa e avançando bastante sobre a do motociclista. Ocorre que este motociclista compete em MotoCross e não tem a menor dificuldade em recuar um pouco a própria motocicleta, evitando, assim, um acidente. Será que a doutrina brasileira consideraria inaplicável o dispositivo do art. 306 do Código de Trânsito, o qual incrimina a conduta de “conduzir veículo automotor, na via pública, sob influência de álcool ou de substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”?38

Considerando que o resultado nesse fato, não deixou de ocorrer por acaso mas sim pelas capacidades do motociclista, a doutrina brasileira deveria considerar inaplicável o referido artigo.

Mesmo assim, alguns doutrinadores tentam contestar dizendo que o tipo não exige perigo concreto para pessoa determinada, mas sim, trata de perigo a um número de pessoa indeterminado que entraram no raio de ação da conduta causadora de riscos.

Dessa forma, para Luís Greco, fica claro que os críticos do perigo abstrato, trabalham com conceito de perigo concreto muito amplo, pois consideram perigo comum e perigo para número indeterminado de pessoas como perigo concreto. Assim sendo, grande parte daquilo que a doutrina dominante pode considerar crime de perigo abstrato acabou sendo elevado à categoria dos crimes de perigo concreto e tornada legítima, Por fim, muito do que doutrinadores como Luís Greco compreende como crimes de perigo abstrato já passaram a ser considerado perigo concreto.

Luís Greco diz que a tese defendida pelos inimigos do crime de perigo abstrato levaria, se ela fosse real à inconstitucionalidade de vários dispositivos. A paz pública, a saúde pública, a incolumidade pública, entre outros, devem ser decompostos em bens jurídicos individuais, que são, ver-se-á que diversas incriminações antes incontestáveis não passam de crimes de perigo abstrato.

Um exemplo disso, citado por Luís Greco é:

[...] O crime de envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal [...]: “envenenar água potável, de uso comum ou particular, ou substância alimentícia ou medicinal destinada a consumo”. A doutrina dominante ainda trabalha com um bem jurídico coletivo: a incolumidade pública. Se compreendermos este delito como um delito para a proteção de bens jurídicos individuais, como a vida e a integridade física, será ele transformado em um crime de perigo abstrato.39

Sendo assim, o bem jurídico incolumidade pública, a saúde pública e quase todos os crimes do Título VIII (“Dos crimes de perigo comum”), Capítulo III (“Dos crimes contra a saúde pública”) passariam a ser crimes de perigo abstrato contra bens jurídicos individuais.

Os benefícios de se recusarem bens jurídicos pseudo-coletivos são muitos. Mas os críticos do perigo abstrato, para salvaguardarem a constituição admitem a postulação de bens jurídicos coletivos a gosto, toda vez que se quer resgatar a legitimidade de alguma incriminação. E declaram que o bem jurídico coletivo é desejável, justamente por resolver todos os problemas, “deixando de ver que é exatamente nesta aparente simplificação que está o problema”.40

Juliana Cabral ao fazer a distinção entre perigo concreto e perigo abstrato, que ela também chama de perigo presumido, questiona se essa distinção foi feita para punir as situações de perigo que não fiquem comprovadas ou se seria um movimento para que seja impedido a aplicação da pena em condutas apenas presumivelmente perigosas. Juliana observa que com a modernidade está havendo uma instância jurídica, na qual, o essencial não é mais o resultado, o delito consumado, e que já se contenta com uma conduta meramente perigosa.

Juliana Cabral, citando Wessels, esclarece a diferença entre um perigo e outro dizendo que os delitos de perigo concreto baseiam-se num comportamento contrário a norma e será punido assim que se apresente de modo concreto. Os delitos de perigo abstrato, baseiam-se um uma presunção de que determinados comportamentos são perigosos para o bem jurídico protegido.

Dessa mesma forma Zaffaroni e Pierangeli, citandos por Juliana, entendem que o perigo abstrato é somente uma possibilidade de perigo. Juliana diz que se deve então declarar a inconstitucionalidade de normas concebidas como de perigo abstrato, os casos que não há o efetivo perigo.

Como ensina Juliana Cabral, manter a tipicidade de condutas que podem não causar perigo nenhum ao bem jurídico seria violar o princípio da intervenção mínima, da mesma forma que não há proporcionalidade ao incriminar essas condutas. Citando ainda Juarez Tavares, Juliana Cabral diz que o princípio da presunção de inocência também é violado quando, no tipo de perigo abstrato, presume-se um perigo para o bem jurídico, sem esse perigo realmente ocorrer. E por fim, sobre o princípio da ofensividade, diz que é necessário impedir criminalizações de condutas que não afetem bens jurídicos, bens jurídicos estes que devem ser derivados da Constituição, baseados por fim na liberdade do indivíduo.

9. A POLITICA CRIMINAL DE DROGAS NO BRASIL

A política criminal de drogas determinou a espécie de repressão e de controle do sistema penal nacional, e assumiu o papel de demarcação dos horizontes da punitividade.

Como diz Salo de Carvalho, a discussão sobre a questão das drogas vem sendo discutida ao longo da história pela medicina, psiquiatria, farmacologia, história e sociologia entre outros, podendo assim, serem visualizadas diversas pesquisas dentre essas matérias. Em contrapartida, no direito, essa abertura aos demais ramos ainda está atrasada:

[...] as investigações realizadas no direito penal e processual penal das drogas são profundamente limitadas às avaliações exegéticas, meramente descritivas, das Leis em vigor, normalmente a partir da técnica dos comentários de artigos e das variações jurisprudenciais. Os estudos alienígenas no âmbito das ciências jurídicas, quando são realizados, normalmente ocorrem de forma incidental, como justificadores ou interrogadores de determinados posicionamentos político-criminais consolidados.41

Por causa dessa limitação, a investigação sobre a Lei de drogas, normalmente é assinalada por um olhar criminológico crítico, acreditando assim que a criminologia moderna é espaço de diversos saberes, onde a preocupação principal para estudo “é o desvio (im)punível e as respostas formais e informais elaboradas para o seu controle”.42

A criminologia atua, dessa forma, como ponto de centralização de vários saberes problematizadores do direito penal e do processo penal sobre drogas.

E continua nessa mesma interpretação concluindo:

Se a criminologia etiológica mantém diversas pesquisas voltadas à resposta da indagação “por que determinadas pessoas usam drogas?”, a crítica perguntará “por que certas substâncias são consideradas lícitas e outras ilícitas?”. A mudança na forma de questionamento permitirá à criminologia, ao direito penal e processual penal e às políticas criminais absterem-se do papel meramente descritivo das funções oficiais (declaradas) do sistema penal para descortinar os efeitos de sua programação no incremento e na manutenção dos processos criminalizadores. [Grifo do autor]43

9.1. PESQUISAS SOBRE CRIMINALIZAÇÃO DAS DROGAS

Salo de Carvalho, fala das reconstruções históricas e principalmente as relativas aos sistemas legislativos penais, como sendo difíceis de realizar, e explica que isso se dá, pois os sistemas punitivos atribuem durante a história, certos tipos de penalidade para comportamentos desviantes, então, não é incomum a reedição de hipóteses criminalizadoras. Dito isso, conclui-se que é possível encontrar tipos penais históricos que podemos entender como origem de determinada lei criminal.

Mas, conforme preceitua Salo de Carvalho:

A origem da criminalização (das drogas), portanto, não pode ser encontrada, pois inexiste. Se o processo criminalizador é invariavelmente moralizador e normalizador, sua origem é fluida, volátil, impossível de ser adstrita e relegada ao objeto de estudo controlável.44

10. BREVE HISTÓRICO SOBRE A LEGISLAÇÃO DE DROGAS NO BRASIL

Salo de Carvalho assim narra o histórico das drogas no Brasil:

A criminalização do uso, porte e comércio de substâncias entorpecentes no Brasil aparece quando da instituição das Ordenações Filipinas (Livro V, Título LXXXIX – “Que ninguém tenha em caza rosalgar, nem o venda, nem outro material venenoso”). E se o Código Penal Brasileiro do Império (1830) nada mencionava sobre a proibição do consumo ou comércio de entorpecentes, a criminalização será retomada na Codificação da República. [Grifo do autor] [sic].45

Os crimes contra a saúde pública começaram a ser regulamentados no Código de 1890, acolhido no título III, da parte Especial, juntamente com a incriminação do exercício irregular da medicina, da prática de magia e de espiritismo, do curandeirismo, da exposição de alimentos alterados ou falsificados, entre outros. O artigo 159, desse código previa como delito “expor a venda, ou ministrar, substâncias venenosas sem legítima autorização e sem as formalidades prescriptas nos regulamentos sanitários46, submetendo assim o transgressor à pena de multa. [Grifo do autor].

O consumo de ópio e haxixe aumentou no início do século XX, sobretudo nos círculos intelectuais e na aristocracia urbana, impulsionando assim uma edição de novas regras sobre o uso e venda de substâncias psicotrópicas.

Em 1932, com a consolidação das Leis Penais, a matéria foi novamente disciplinada no sentido da densificação e da complexificação das condutas contra a saúde pública. O art. 159 do código de 1890 é alterado, sendo acrescidos doze parágrafos, e a prisão celular.

A pluralidade de verbos nas incriminações, a substituição do termo substâncias venenosas por substâncias entorpecentes, a previsão de penas carcerárias e a determinação das formalidades de venda e subministração ao Departamento Nacional de Saúde Pública passam a delinear novo modelo de gestão repressiva, o qual encontrará nos Decretos 780/36 e 2.953/38 o primeiro grande impulso na luta contra as drogas no Brasil.47

Dessa forma é embora sejam encontrados resquícios de criminalização das drogas ao longo da história legislativa brasileira, somente após a década de 40 é que podemos verificar o aparecimento da política proibicionista sistematizada.

[...] a formação do sistema repressivo ocorre quando da autonomização das leis criminalizadoras (Decretos 780/36 e 2.953/38) e o ingresso do país no modelo internacional de controle (Decreto-Lei 891/38). A edição do Decreto-Lei 891/38, elaborada de acordo com as disposições da Convenção Genebra de 1936, regulamenta questões relativas à produção, ao tráfico e ao consumo, e, ao cumprir as recomendações partilhadas, proíbe inúmeras substâncias consideradas entorpecentes.48

Com o Decreto-Lei 2848/40 e assim a publicação do Código Penal a matéria foi comprimida sob a epígrafe de “comércio clandestino ou facilitação de uso de entorpecentes”49, cuja previsão estava assim descrita no Art. 281:

Importar ou exportar, vender ou expor à venda, fornecer, ainda que a título gratuito, transportar, trazer consigo, ter em depósito, guardar, ministrar ou, de qualquer maneira, entrar ao consumo substância entorpecente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.50

Característica marcante desse código foi a tentativa de preservar as hipóteses de criminalização junto às regras gerais de interpretação e de aplicação da lei compilada. Todavia, a partir do Decreto-Lei 4.720/42, que delibera sobre o cultivo, e com a publicação da Lei 4.451/64, que introduz ao art. 281, o verbo plantar, se inicia na legislação pátria amplo processo de descodificação, cujas consequências serão drásticas para o descontrole da matéria criminal.

O Protocolo para Regulamentar o Cultivo de Papoula e o Comércio de Ópio, promulgado em Nova Iorque foi o principal mecanismo de divulgação de discurso ético-jurídico em nível internacional, mas o ingresso definitivo do Brasil no cenário internacional no combate às drogas ocorreu somente após a ditadura militar, com a aprovação e promulgação da Convenção Única sobre Entorpecentes pelo Decreto 54.216/64.

 

9.1 O DISCURSO MÉDICO-JURÍDICO E A IDEOLOGIA DA DIFERENCIAÇÃO.

 

A partir da década de sessenta o consumo de maconha e de LSD se popularizou especialmente por estar vinculado aos movimentos de contestação e de protesto contra políticas belicistas e armamentistas, fazendo com que assim surgissem as primeiras dificuldades para as agencias de controle penal. O consumo de drogas ganhou espaço, aumentando sua visibilidade e gerando pânico moral, deflagrando assim uma intensa produção legislativa em matéria penal. Campanhas idealizadas por empresários morais e movimentos sociais repressivos aliadas aos meios de comunicação justificam o inicio da transnacionalização do controle sobre os entorpecentes. Aprovada em Nova Iorque em 1961, a Convenção Única sobre Estupefacientes, é reflexo desta realidade.

Logo passam a ser geradas formas de repressão, como por exemplo, o modelo médico-sanitário-jurídico de controle de indivíduos envolvidos com drogas, que traça distinção entre consumidor e traficante, ou seja, entre doente e delinquente.

Nesse sentido usando as palavras de Salo de Carvalho:

[...] Assim, sobre os culpados (traficantes) recairia o discurso jurídico-penal do qual se extrai o estereótipo do criminoso corruptor da moral e da saúde pública. Sobre o consumidor incidiria o discurso médico-psiquiátrico consolidado pela perspectiva sanitarista em voga na década de cinquenta, que difunde o estereótipo da dependência – “o problema da droga se apresentava [na década de sessenta] como ‘uma luta entre o bem e o mal’, continuando com o estereótipo moral, com o qual a droga adquire perfis de ‘demônio’; mas sua tipologia se tornaria mais difusa e aterradora, criando-se o pânico devido aos ‘vampiros’ que estavam atacando tantos ‘filhos de boa família’.”[Grifo do autor]51

A toxicomania passa então a ser considerada e tratada como perigo social e econômico para a humanidade, exigindo assim ação conjunta e universal, com objetivos comuns para combate a esse mal.

Após o ajustamento das normas brasileiras aos acordos internacionais de repressão foi editado o Decreto-Lei 159/67 que equiparou entorpecentes as substâncias capazes de produzir dependência física e psíquica, passando assim, o Brasil, a considerar o uso de entorpecente tão nocivo quando o uso de anfetamínicos ou alucinógenos.

Grandes mudanças, porém, ocorrem com a promulgação do Decreto-Lei 385/68, o mesmo traz em seu artigo 281 do Código Penal, punição exclusiva do comerciante de drogas, visto que o Supremo Tribunal Federal (STF) entendia pela não abrangência dos consumidores, porém, gerava estado de preocupação no âmbito da repressão.

Dessa forma, contrariando orientação internacional e o discurso de diferenciação, o Decreto Lei 385/68 modificou o art. 281 do Código Penal criminalizando o usuário com pena análoga a imposta ao traficante. Passando assim a prever com a inclusão do novo parágrafo:

Nas mesmas penas incorre quem ilegalmente: traz consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. [Citando Menna Barreto, Salo de Carvalho continua] [...] o legislador brasileiro optou pela medida drástica de identificar, na mesma categoria, todos os envolvidos com tóxicos, independentemente do grau da sua participação. Segundo Ney Fayet de Souza, o Decreto-Lei n. 385 abalou a consciência científica e jurídica da Nação, dividindo juristas, médicos, psiquiatras, psicólogos e todos quantos se voltam para o angustiante problema da vertiginosa disseminação do consumo de produtos entorpecentes. [Grifo do autor]52

A Lei 5.726/71 ajusta o sistema repressivo brasileiro de drogas às orientações internacionais, redefinindo as hipóteses de criminalização, modificando o rito processual e inovando na técnica de repressão aos estupefacientes. Contudo o fato de não mais considerar criminoso o dependente, escondia uma face perversa da lei, pois ainda identificava o usuário como traficante, impondo a este pena privativa de liberdade de 01 a 06 anos:

Importar ou exportar, preparar, produzir, vender, expor a venda ou oferecer, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar ou ministrar, ou entregar de qualquer forma ao consumo substância entorpecente ou que determine dependência; Nas mesmas penas incorre: quem traz consigo, para uso próprio, substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica. [Grifo do autor]. 53

Agora, referindo a Ney Fayet de Souza, Salo de Carvalho diz que a Lei Anti-Tóxicos, Lei 5.726/71, deixou a desejar, pois todos esperavam que a punição para o consumidor ou transportador da droga desaparecesse ou fosse bem menor do que a do traficante, mas que fosse justificado assim a imposição de medida de segurança. Mas pelo contrário, ambas continuaram a ter idêntico apenamento. E com pena ainda maior: reclusão de 01 a 06 anos, e multa.

A Lei preservou assim o discurso médico-jurídico da década de sessenta que identificava o usuário como dependente (estereótipo de dependência) e o traficante como delinquente (estereótipo de criminoso).

A carência do discurso médico-jurídico no que dizia respeito à densificação do processo de repressão permitiu, na Lei 6.368/76, a elaboração de sistema em sua maioria jurídico, baseado na severa punição que, não obstante manter restos do antigo sistema criou condições para o surgimento do discurso jurídico-político. Dessa forma, as condutas criminalizadas, não diferem das encontradas no art. 281 da Lei 5.726/71, a única diferenciação se dá na configuração do estereótipo do narcotraficante.

Nas palavras de Salo de Carvalho:

A estratégia de globalização do controle penal sobre as drogas ilícitas obteve êxito com a ratificação por mais de cem países durante os anos sessenta, da Convenção Única sobre Estupefacientes. A consolidação ocorre com a aprovação do Convênio sobre Substâncias Psicotrópicas, em Viena (1971). Entretanto, segundo as agências centrais, sobretudo as norte-americanas, apesar dos esforços repressivos da política externa, a dimensão do problema se agrava visto a não redução dos índices de consumo e comércio domésticos. A estratégia do Governo Nixon, com a importante ação da representação dos EUA nos grupos de trabalho sobre política de drogas na Organização das Nações Unidas (ONU) capitaneada por George Bush, foi a de conduzir a opinião pública a eleger as drogas, principalmente heroína e a cocaína, como (novo) inimigo interno da nação. Todavia, com a popularização do consumo de heroína e a criação dos programas de metadona, forma indireta de controlar e legalizar o consumo, o inimigo interno teve de ser substituído, projetando-o ao exterior.54

Nesse processo de realocação do inimigo, foram criadas inúmeras teorias, como por exemplo, que a China estaria envenenando estrategicamente o Ocidente, espalhando assim pânico mundo afora. Logicamente a América Latina não ficou de fora dessas teorias, principalmente pela produção de Cocaína nos países atravessados pela Cordilheira dos Andes.

Reflexos do projeto norte-americano sobrevieram diretamente nas políticas de segurança pública dos países da América Latina. Países produtores, ou país rota de passagem do comércio internacional, como o Brasil, foram postos na mira de modelo genocida de segurança pública voltado à criação de situações de guerras internas. Para Rosa Del Olmo55, na América Latina efeito bélico exemplar ocorreu com o etnocídio resultante da inclusão da folha de coca nas listagens de drogas ilícitas a eliminar, com a destruição de culturas seculares entre os povos andinos.

Assim concluindo, Salo de Carvalho diz que:

[...] no plano político-criminal, a Lei 6.368/76 manteve o histórico discurso médico-jurídico com a diferenciação tradicional entre consumidor (dependente e/ou usuário) e traficante, e com a concretização moralizadora dos estereótipos consumidor-doente e traficante-delinquente. Outrossim, com a implementação gradual do discurso jurídico-político no plano da segurança pública, à figura do traficante será agregado o papel (político) do inimigo interno, justificando as constantes exacerbações de pena, notadamente na quantidade e na forma de execução, que ocorrerão a partir do final da década de setenta.56

Analisando assim, o crescente consumo de cocaína no Rio de Janeiro a partir dos anos setenta, Vera Malaguti Batista diz que os consumidores de cocaína de classe média, aplica-se o estereótipo médico, mas os jovens pobres que comercializarem, aplica-se o estereótipo criminal. Salo de Carvalho ainda diz que, Rosa del Olmo e Vera Malaguti compartilham da mesma opinião, que na América Latina tudo dependia de quem era o consumidor da droga, por que se fossem os habitantes de favelas, certamente haviam cometido algum delito, porque a maconha os tornava agressivos. Mas se ao contrário, fossem os ‘meninos de bem’ consumiam, a droga os tornava apáticos.

Nessa teia de afirmação de estereótipos e distribuição de etiquetas, ocorre o crescimento da lógica militarizada e das Campanhas de Lei e Ordem, indicando o inimigo a ser combatido. Dessa forma, Salo de Carvalho cita Vera Malaguti Batista:

No início dos anos setenta aparecem as primeiras campanhas de ‘lei e ordem’ tratando a droga como inimigo interno. Permitia-se assim a formação de um discurso político para que a droga fosse transformada em uma ameaça à ordem. As ações governamentais e a grande mídia trabalham o estereótipo político criminal. Na medida em que se enuncia a transição democrática, este novo inimigo interno justifica maiores investimentos no controle social.57 

11. A LEI 6.386/76 E A ATUAL CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Ainda tomando como base Salo de Carvalho, podemos dizer que pano de fundo na construção normativa da Lei 6.386/76 é a repressão às drogas ilícitas no Brasil. Fica claro nessa lei a separação entre usuário/dependente e traficante, fazendo com que os estereótipos já usados se solidificassem.

A prática forense passa a aplicar de maneira genérica penas severas, sem diferenciar quem era o grande ou o pequeno comerciante de drogas, acabando assim a ter sempre como alvo mais fácil a juventude pobre, usada como recruta na prática de pequeno varejo.

Vera Malaguti sobre a realidade no tráfico do Rio de Janeiro, diz nesse mesmo sentido que a disseminação do uso de cocaína fez com que o recrutamento da mão de obra jovem para a sua venda ilegal e a formação de núcleos de força nas favelas e bairros pobres do Rio de Janeiro começassem a ocorrer, sendo aplicado a esses jovens, o estereótipo criminal, ocorrendo assim o aumento na criminalização de jovens pobres.

A partir da década de setenta o discurso jurídico-político se sobrepõe ao médico-jurídico, a ideia do traficante como inimigo é solidificada e a política de repressão às drogas ilícitas é potencializada.

A Constituição de 1988 potencializou a violência contra as drogas e passou a equiparar o tráfico de drogas a crimes hediondos, da mesma forma que faz com a tortura e com o terrorismo.

Aprovada pelo Congresso Nacional em 1991, a convenção de Viena consolidou a política de repressão às drogas ilícitas expondo seus motivos como “grave ameaça à saúde e ao bem-estar dos seres humanos”, “efeitos nefastos sobre as bases econômicas, culturais e políticas da sociedade”.

A inadequação da Lei 6.368/76, mesmo após 30 anos de vigência, tornou complexo o sistema brasileiro de controle de drogas ilícitas, surgindo assim condições internas para reforma legal e para um novo estatuto jurídico-político adequado à forte repressão ao tráfico de entorpecentes e ao discurso médico-jurídico em relação ao usuário/dependente.

Embora possamos considerar perceptíveis alterações no modo de incriminação da Lei 11.343/06, descaracterizando o porte para uso pessoal, por exemplo, fica claro também que a base ideológica da mesma se mantém inalterada com a Lei 6.368/76, somente reforçando-a.

A Lei 11.343/06, continua mantendo graves sanções para os envolvidos ou organizadores do tráfico de drogas, com penas privativas de liberdade fixadas entre 05 a 15 anos, e sutil implementação de medidas alternativas de terapêutica penal para os dependentes e usuários.

Importante observar que a Lei 11.343/06, não descriminalizou o porte para consumo pessoal de drogas, mas sim alterou a sanção prevista, fazendo com que mesmo em caso de reincidência o usuário não seja preso. Pelo menos em tese.

Orlando Zaccone em seu livro “Acionistas do Nada”, fala sobre essa criminalização e diferenciação entre traficante e consumidor. Mas ao contrário do que a Lei 11.343/06 propunha, o autor usando o estado do Rio de Janeiro como base, diz que apesar da Secretaria de Segurança admitir diferentes níveis de delinquência quando se trata do tráfico, a conduta de quem dispara fogos de artifício para avisar da chegada da polícia é tratada da mesma forma para quem tem o comando da produção e comércio de drogas, respondendo dessa forma pelo mesmo crime.

Outra consideração importante que Orlando Zaccone faz, é relacionada ao mapa de ocorrências do delito de tráfico, ainda no Rio de Janeiro. Por exemplo, no ano de 2005, todas as delegacias da zona sul reunidas, incluindo Botafogo, Copacabana, Ipanema, Leblon e Gávea, somadas à Barra da Tijuca atingiram um terço dos registros realizados na 34ª DP de Bangu ou a mesma quantidade que os registros realizados na 17ª DP de São Cristovão.58

Essa informação só deixa ainda mais claro que o estado seleciona quem são as pessoas que quer manter sobre sua coação, porque é obvio que os miseráveis são sempre mais visados pela polícia e que o traficante já tem uma cara predefinida. Para o Estado, o traficante quase sempre é um jovem negro, pobre, funkeiro, vestido com tênis, cordões, boné e mora da favela.

12. UM BEM JURÍDICO NO TRÁFICO DE DROGAS

Como citado anteriormente, e como nos ensina Claus Roxin, um comportamento só deve ser castigado quando lesionar direitos de outras pessoas, impossíveis de serem protegidos de outra maneira, e que não seja simplesmente um comportamento pecaminoso ou imoral. O direito penal só deve assegurar uma pacificidade da sociedade, nada, além disso, é adequado para a educação moral dos cidadãos.

O estado deve evitar punir qualquer atitude de forma arbitrária. A criação de tipos incriminadores deve estar submetida à lei formal e a tutela penal não deve vir separada do pressuposto do bem jurídico.

Juliana Cabral leciona no sentido de que devemos encontrar uma solução jurídica para que a atuação dos tipos de perigo, no que se refere aos tipos de perigo abstrato, não seja simplesmente instrumento de poder, e para que as condutas não sejam perigosas.

Dessa forma, falando sobre o crime de tráfico de drogas, temos que observar que o bem jurídico tutelado nessa lei é a proteção à saúde pública. Entretanto, como questiona-se Orlando Zaccone, “o que é saúde pública?”59

No crime de tráfico de drogas, o bem jurídico tutelado é reconhecido com bem jurídico abstrato, e o sujeito passivo a coletividade, cabe lembrar, porém a opinião de Juarez Tavares que diz que a função do direito penal não deve estar direcionada à proteção de bem jurídico tão amplo, pois essa legitimidade esta condicionada a hipótese de que o bem jurídico foi lesado ou posto em perigo.

Luiz Regis Prado diz, nesse sentido, que a saúde pública, mesmo sendo de interesse coletivo deve exigir algum grau de lesividade individual para que possua relevância penal. Do mesmo modo que deve possuir perigo concreto para que seja tutelada.

Nesse sentido Juarez Tavares informa que só pode ser reconhecido como bem jurídico o que pode ser reduzido a um ente próprio do indivíduo, implicando direta ou indiretamente um interesse individual, independente desse indivíduo poder ser determinado ou não. E também, só será caracterizado como bem jurídico o que possa realmente ser lesado ou posto em perigo. Desse modo, é preciso que seja possível demonstrar que o bem jurídico tenha sido lesado, ou posto em perigo e ele possa ser reduzido à característica de pessoalidade.

Considerando então, a proteção a saúde pública Nilo Batista faz uma observação importante:

Imaginemos a surpresa do pesquisador que um dia comprar o número de pessoas mortas pelas drogas, por overdose, debilitação progressiva ou qualquer outro motivo, com o número de pessoas mortas pela guerra contra as drogas.60

É notável que a política criminal contra as drogas ofende mais a saúde pública e mata mais do que as próprias drogas. Se o direito busca proteger a saúde pública, como explicar que a violência criada pelo combate ao crime de tráfico no Rio de Janeiro tenha matado 14 pessoas num só dia61, ficando a frente da guerra de Bush contra o Iraque?

Mais contraditório ainda é querer incriminar a preparação, produção, venda de substâncias ilícitas, sabendo que o álcool e o fumo, que são chamadas de drogas lícitas causam resultados muito mais lesivos. Conforme dados expostos pela OMS:

Entre os fatores de risco de se adquirir doenças evitáveis, o tabaco figura em quarto lugar, seguido pelo álcool, em quinto. Cigarros e bebidas alcoólicas contribuíram com 4,1% e 4%, respectivamente, para as causas de doença em 2000, enquanto substâncias ilícitas foram associadas a 0,8%.62

É claro também que a saúde pública, enquanto bem jurídico não corresponde ao somatório de bens jurídicos individuais. A saúde da sociedade distingue-se da saúde de seus integrantes. Seria também infeliz classificar o ataque às drogas ilícitas baseando-se em um possível risco ou lesões efetivas que os indivíduos poderiam sofrer se por outro lado, milhões de acidentes de trânsito são provocados todos os dias pelo uso de álcool, uma droga até então, considerada lícita.

Dessa forma, a criminalização das drogas, ao invés de proteger a saúde pública, como diz que faria, cria uma rotina de cartas marcadas que penaliza indivíduos escolhidos para responder pelo tráfico de drogas. Howard Becker diz que determinado comportamento pode ser considerado infração de regras em determinado momento e em outro determinado momento não ser mais. Pode ser infração quando realizada por uma pessoa, e por outra não. Resumindo, determinado ato é considerado infração em parte pelas pessoas que o praticam, em parte pela natureza do ato. Exemplo disso é a posse de drogas, que mudam suas condutas conforme ganham relevância punitiva.

Como bem observou Howard Becker, esses atos são considerados desviantes dependendo de quem o cometeu e de quem se sentiu prejudicado por ele, por isso algumas regras são aplicadas para algumas pessoas e não para outras. Exemplificando essa argumentação, Howard Becker cita um caso de meninos de favela e meninos de área de classe média. É obvio que meninos de classe média raramente são apanhados pela policia, e quando isso ocorre é certamente muito mais difícil que ele seja indiciado e julgado. Ao contrário, os meninos de favela estão sempre no centro das atenções, e objeto de incriminação.

Vera Malaguti Batista retrata essa diferenciação no Rio de Janeiro, narrando dois exemplos de jovens de 17 anos, um morador de apartamento em bairro nobre, outro morador de favela. O morador de bairro nobre apresenta atestado médico e seu caso é arquivado, o outro é internado, foge, é recapturado e novamente foge.

Essa criminalização desigual de condutas é exemplo de seletividade em razão da pessoa. O indivíduo classificado como traficante, por causa das vendas de substâncias entorpecentes, possui o estereótipo de criminoso, verdadeiro passe livre para ações policiais.

Dessa forma, o tráfico pode ser reconhecido muito mais pela questão econômica do que pela proteção a saúde pública. A criminalização das drogas tem sido usada enquanto estratégia de poder, para o controle de classes ditas perigosas. Deste modo, o traficante de drogas foi escolhido como inimigo público através de estereótipos para ações do sistema penal. Orlando Zaccone assim diz que, pessoas com baixo nível de escolaridade, deficiências de socialização familiar e posição precária no mercado já possuem características desfavoráveis e podem ser identificadas como criminosas. Maria Lúcia Karam complementa que normalmente na distinção entre consumidor e traficante, se a pessoa surpreendida com a droga estiver desempregada será vista como traficante, por em tese não possuir dinheiro para adquirir a droga para uso pessoal.

Nilo Batista e Vera Malaguti concordam que no Brasil a guerra contra as drogas é o principal incriminador contra a pobreza, através de discursos disseminados pelo pânico e que propõem lei e ordem. Bala perdida, roubos, ônibus queimados são práticas imputadas aos traficantes. Essa guerra contra as drogas abriu caminho para que as pessoas tidas como inúteis e provavelmente mais perigosas fossem colocadas como inimigos da sociedade.

Dito isso, conclui-se que a atual política de drogas revela-se um verdadeiro fracasso ao proteger a saúde pública, como proposto, e oculta sua real função que é controlar as classes ditas perigosas.

13. CONCLUSÃO

Em uma época em que a intervenção penal em nossa sociedade é cada vez maior, o presente trabalho objetivou a discussão sobre os bens jurídicos em geral e sobre qual bem jurídico é tutelado no tráfico de drogas.

O bem jurídico tutelado em qualquer crime deve ser um valor importante e necessário para a sociedade. A fundamentação deve estar prevista na Constituição Federal e nos nossos direitos fundamentais. E o comportamento visto como desviante só pode ser castigado se lesionar direitos de outras pessoas.

Dessa forma o crime de tráfico de drogas, onde o sujeito passivo é a coletividade e o bem jurídico reconhecido como um bem de perigo abstrato, proíbe a mera conduta, sem nenhuma menção ao resultado e portanto sem nenhum dano a saúde direta de nenhum indivíduo, independente desse indivíduo poder ser determinado ou não.

Portanto sem nenhum grau de lesividade individual ou perigo concreto não há relevância penal e portanto não deveria ser penalizado.

Como já dito acima, a guerra contra as drogas causam mais estragos a saúde, a paz e ao bem estar social do que o próprio uso de drogas. O número de pessoas mortas, entre cidadãos e policiais que morrem por ano é consideravelmente maior do que as pessoas que morrem por overdose ou por algum problema causado pelas drogas.

A saúde da sociedade distingue-se da saúde de seus integrantes, e contraditório também é classificar alguns tipos de drogas como licitas e outras ilícitas, quando milhões de acidentes de trânsito são provocados todos os dias pelo uso de álcool, uma droga até então, considerada lícita.

Por isso, a criminalização das drogas, ao invés de proteger a saúde pública, penaliza indivíduos escolhidos para responder pelo tráfico de drogas, a criminalização tem sido usada enquanto estratégia de poder, para o controle de classes ditas perigosas. Deste modo, o traficante de drogas foi escolhido como inimigo público através de estereótipos para ações do sistema penal.

Portanto fica claro que a atual política de drogas revela-se um verdadeiro fracasso ao proteger a saúde pública, e oculta sua real função que é controlar as classes ditas perigosas.

14. REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia; tradução Alfredo Bosi. 21. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis – drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei 11.343/06. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

D’ELIA FILHO, Orlando Zaccone. Acionistas do nada: Quem são os traficantes de droga. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GRECO, Luís. "Princípio da ofensividade" e crimes de perigo abstrato - Uma introdução ao debate sobre o bem jurídico e as estruturas do delito. São Paulo: Revista do IBCCRIM n. 49, 2004.

PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico-Penal e Constituição. 6. ed. rev. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2013.

TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

1 GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 44.

2 MORA apud PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico-Penal e Constituição. 6. ed. rev. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 19.

3 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia; tradução Alfredo Bosi. 21. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 107.

4 ROCCO apud PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., p. 20.

5 NAVARRETE apud PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., p. 21-22.

6 LISZT apud PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., pp. 27-28.

7 FEUERBACH apud PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., p. 30.

8 GUNTHER apud TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, pp. 184-185.

9 KAUFMANN apud PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., p. 32.

10 NAVARRETE apud PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., p. 33.

11 ROCCO apud PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., p. 34.

12 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto..., p. 190.

13 PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., p. 39.

14 PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., p. 39.

15 PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., p. 40.

16 BOBBIO apud PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., p. 42.

17 CONDE apud PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico..., p. 42.

18 ROXIN apud TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto..., p. 197.

19 PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., p. 63.

20 RUDOLPHI apud PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., p. 64-65.

21 GRECO, Luís. "Princípio da ofensividade" e crimes de perigo abstrato - Uma introdução ao debate sobre o bem jurídico e as estruturas do delito. São Paulo: Revista do IBCCRIM n. 49, p. 366, 2004.

22 PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., p. 67.

23 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto..., p. 198.

24 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico..., p. 68-69.

25 DOHNA apud TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto..., pp. 201-202.

26 CEREZO MIR apud PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., p. 89-90.

27 PASCHOAL apud PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., p. 103.

28 PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., p. 51.

29 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico..., pp. 53-54.

30 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto..., pp. 203 a 205.

31 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico..., p. 56.

32 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto..., p. 206.

33 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto..., pp. 206 a 208 e 212.

34 PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico..., pp. 58-59.

35 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto..., pp. 202-203.

36 GRECO, Luís. "Princípio da ofensividade"..., p. 370.

37 GRECO, Luís. "Princípio da ofensividade"..., pp. 374-375.

38 GRECO, Luís. "Princípio da ofensividade"..., pp. 382.

39 GRECO, Luís. "Princípio da ofensividade"..., p. 384.

40 GRECO, Luís. "Princípio da ofensividade"..., p. 386.

41 CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da lei 11.343/06. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 46

42 CARVALHO, Salo de. A política..., p. 46.

43 CARVALHO, Salo de. A política..., p. 47.

44 CARVALHO, Salo de. A política..., p. 56.

45 CARVALHO, Salo de. A política..., p. 57-58.

46 CARVALHO, Salo de. A política..., p. 58-59.

47 PIERANGELI apud Salo de Carvalho. A política..., pp. 57-59.

48 CARVALHO, Salo de. A política..., p. 60.

49 CARVALHO, Salo de. A política..., p. 60.

50 CARVALHO, Salo de. A política..., p. 60.

51 OLMO apud CARVALHO, Salo de. A política..., p. 64.

52 BARRETO apud CARVALHO, Salo de. A política..., p. 66

53 CARVALHO, Salo de. A política..., p. 67.

54 CARVALHO, Salo de. A política..., p. 69-70.

55 CARVALHO, Salo de. A política..., p. 71.

56 CARVALHO, Salo de. A política..., p. 72.

57 BATISTA apud CARVALHO, Salo de. A política..., p. 74.

58 D’ELIA FILHO, Orlando Zaccone. Acionistas do nada: Quem são os traficantes de droga. Rio de Janeiro: Revan, 2007. pp. 14-15.

59 D’ELIA FILHO, Orlando Zaccone. Acionistas..., p. 35.

60 BATISTA apud D’ELIA FILHO, Orlando Zaccone. Acionistas..., pp. 36-37.

61 D’ELIA FILHO, Orlando Zaccone. Acionistas..., p. 38.

62 D’ELIA FILHO, Orlando Zaccone. Acionistas..., p. 38.


Publicado por: LETÍCIA ALTOÉ

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